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O tamanho do baque causado pelas sanções aos oligarcas russos

No médio prazo, espera-se que medidas, além de dizimarem as finanças da Rússia, tenham o efeito colateral de cavar um fosso entre Putin e empresário

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 mar 2022, 10h06 - Publicado em 26 mar 2022, 11h00

No mesmo dia em que soldados russos invadiram a Ucrânia, em 24 de fevereiro, o presidente Vladimir Putin reuniu os principais empresários do país no imponente Salão da Ordem de Santa Catarina, dentro do Kremlin. Sentado à uma mesa distante pelo menos seis metros dos executivos, dispostos por ordem alfabética do lado oposto do salão, Putin disse que deslanchou o que chama de “operação especial” no país vizinho porque “não teve escolha” e que os senhores ali reunidos estavam em situação parecida: não tinham opção senão apoiar sua iniciativa, sob pena de perderem negócios e privilégios.

O ultimato reflete claramente a interdependência entre o governo e a elite econômica da Rússia e a preocupação do presidente em estabelecer que, na hora do vamos ver, sua mão é mais forte. A comprovação veio três dias depois, quando Estados Unidos, Canadá e Europa impuseram duras sanções econômicas contra o sistema financeiro e as transações comerciais com a Rússia, reservando um conjunto especial de restrições para os os bilionários oligarcas russos – trinta até agora – que circulam e investem fortunas no Ocidente.

Vendo-se de repente com seus bens no exterior congelados e fora de seu alcance e suas empresas impedidas de comprar e vender fora da Rússia, mesmo assim nenhum deles abriu a boca para condenar a violência injustificada contra a Ucrânia sair da lista dos párias internacionais. No máximo, um ou outro defendeu o fim das hostilidades.

Nas primeiras duas semanas, as medidas já haviam custado aos oligarcas mais de 80 bilhões de dólares, ou um terço de sua riqueza combinada. No médio prazo, espera-se que as sanções, além de dizimarem as finanças da Rússia, tenham o efeito colateral de cavar um fosso entre Putin e os empresários. “O objetivo das medidas econômicas é isolar o país financeiramente e reduzir a capacidade de negociação em nível internacional. Os russos importaram quase 240 bilhões de dólares em 2020 e a conta agora ficou muito mais pesada”, avalia Jérémie Bertrand, professor de finanças do Instituto Superior de Economia Científica e Gestão, sediado em Paris.

Como todos os oligarcas possuem ações ou nos grandes conglomerados de aço, minérios, fertilizantes, gás e petróleo que sustentam a economia, ou nos bancos que a financiam (e facilitam a corrupção), ou nos dois, e como o Kremlin detém a palavra final em todos os conselhos, Putin e bilionários estão forçosamente dividindo os prejuízos desta guerra – segundo o Institute of International Finance, sediado em Washington, em vez do inicialmente esperado crescimento de 3%,  a economia russa deve encolher 15% este ano.

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Os oligarcas (segundo o dicionário, grupo de indivíduos ricos e bem relacionados que exercem influência sobre o governo) russos originais acumularam sua fortuna na atabalhoada onda de privatizações que se seguiu ao fim do regime comunista, em 1991. O processo, marcado por corrupção, transferiu o controle de doze gigantes da exploração de recursos naturais a quem se dispusesse a, de quebra, reforçar o caixa do dilapidado orçamento federal.

“Na prática, o governo do então presidente Boris Yeltsin enriqueceu um pequeno grupo de magnatas ao vender com desconto as fatias mais valiosas da economia”, explica Stanislav Markus, professor da University of South Carolina e autor de um livro sobre o período. Quando Putin chegou ao poder, em 2000, tratou de retomar o controle majoritário das empresas e fatiou o restante entre os oligarcas já existentes que não mandou para a prisão e uma leva de novos magnatas, os quais beneficiou ainda com lucrativos contratos de fornecimento para  setores como infraestrutura, defesa e saúde a preços superfaturados e propinas generalizadas (inclusive a si próprio, segundo todos os indícios).

Assim, montou uma rede de capitães da indústria donos de enormes fortunas pessoais e dependentes de seus desígnios. De acordo com o Boston Consulting Group, 500 russos com patrimônio de mais de 100 milhões de dólares controlam 40% da riqueza do país, três vezes acima da média global.

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A necessidade de investir seus milhões de rublos levou muitos oligarcas a passar ao menos parte do ano com a família na Europa, sendo Londres a capital preferida (por considerarem as leis financeiras mais relaxadas). Ostentando carrões, mansões e iates, muitos iates (viraram praticamente sinônimo de oligarcas), os milionários russos matricularam os filhos em escolas britânicas e vários obtiveram cidadania através de casamento com ingleses. Tudo enquanto multiplicavam seu patrimônio – segundo o National Bureau of Economic Research, dos Estados Unidos, sua fortuna offshore passa de 1 trilhão de dólares, boa parte em paraísos fiscais.

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Barco do magnata russo Roman Abramovich (Toby Melville/REUTERS; Cristian Charisius/DPA/Getty Images)

Deles, o mais visível é Roman Abramovich, 55 anos, três ex-mulheres, sete filhos, magnata do aço com fortuna de 13 bilhões de dólares. Em 2003, Abramovich comprou o clube de futebol inglês Chelsea, supostamente estimulado por Putin em pessoa, interessado em tornar mais simpática a imagem da Rússia no exterior. Colocou bilhões do próprio bolso no time, levou-o a campeão europeu e do mundo e virou herói dos torcedores. Atingido em cheio pelas sanções, está agora proibido de entrar no Reino Unido e de movimentar qualquer negócio que lhe renda dinheiro – o que deixa o Chelsea praticamente falido.

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As sanções também alcançam Andrey Guryev, da gigante de fertilizantes PhosAgro , empresa que, segundo a União Europeia, é “ligada ao governo russo e uma de suas importantes fontes de receitas”. Guryev preside o Conselho Empresarial Rússia-Brasil e foi condecorado por Jair Bolsonaro com a medalha da Ordem do Rio Branco.

As sanções contra os oligarcas deslancharam nos mares uma frenética dança de iates empenhados em não serem pegos pelas medidas de confisco. Nesta época do ano, eles estariam se dirigindo para o Mediterrâneo, se aprontando para as delícias do verão europeu. No entanto, o Eclipse, de Abramovich, um dos maiores iates do mundo, deixou St. Marteen, no Caribe, e foi avistado navegando na direção da Turquia, enquanto o Solaris, outro de seus navios, deixou Barcelona rumo a Montenegro seis dias antes de as autoridades espanholas apreenderem o superiate Valerie, de Sergei Chemezov, ex-agente da KGB que comanda o conglomerado de engenharia Rostec, fornecedor do setor de defesa.

O AlfaNero, do condecorado Guryev, ainda está em St. Marten, enquanto as Ilhas Maldivas, longe das sanções, abrigam quatro barcões, entre eles o Ocean Victory, do magnata do aço Victor Rashnikov, Mas tanto o Caribe quanto o Oceano Índico vão entrar agora na estação dos furacões e tempestades, o que obriga sua remoção, ainda não se sabe para onde. Deste problema não sofre o Graceful, que, ao que tudo indica, pertence a Putin: duas semanas antes da invasão, ele foi levado de Hamburgo, na Alemanha, onde passava por reparos, para o seguro porto russo de Kaliningrado. Nada como ter informação privilegiada.

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