Origens indígenas e apelo popular: conheça o primeiro brasileiro a participar de um conclave
Joaquim Arcoverde fez história como primeiro latino-americano a se tornar cardeal, parte da busca do Brasil por 'soft power'

Sete brasileiros estarão no contingente de 133 cardeais que, a partir de 7 de maio, serão enclausurados na Capela Sistina para eleger o próximo líder da Igreja Católica, após a morte do papa Francisco, na semana passada. No entanto, até 1905, não havia ninguém do Brasil no restrito colégio cardinalício, a elite da Cúria Romana a quem cabe escolher pontífices. Naquele ano, o pernambucano Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti (1850-1930) entrou para a história como o primeiro clérigo latino-americano a ser nomeado cardeal e, nove anos mais tarde, ele também foi o primeiro brasileiro a participar de um conclave no Vaticano.
A eleição em questão ocorreu entre 31 de agosto e 3 de setembro de 1914 e elegeu o italiano Giacomo Battista della Chiesa (1854-1922) como papa Bento XV, sucedendo então o papa Pio X (1835-1914). O cardeal Arcoverde não era considerado papável, mas mesmo assim havia uma certa expectativa no Brasil, dado o ineditismo da participação de um religioso local no processo.
Na edição de 21 de agosto daquele ano do Jornal do Recife, uma reportagem noticiava que “os sinos dobram” em luto pela morte de Pio X, mas ao mesmo tempo ressaltava que “o cardeal Arcoverde concorrerá às eleições para a sucessão”.
No conclave de 1914, participaram 57 eleitores de catorze países. Para quem não era da Europa, chegar ao Vaticano era um périplo: o único meio de transporte era navio – no Brasil, só era possível se deslocar através do Atlântico saindo do porto do Rio ou de Recife. Alguns jornais da época chegaram até a noticiar que o brasileiro não chegaria a tempo, mas os ânimos se acalmaram quando aportou na Espanha, de onde tomou um trem a Roma.
Arcoverde, que havia sido nomeado cardeal quando já era arcebispo do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros não europeus a ocupar um posto no colégio cardinalício. Antes dele, eram raros os casos de religiosos de fora da Europa na cúpula da Igreja. Os primeiros registros são do pontificado de Pio IX (1792-1878), com o americano John McCloskey e Juan de La Cruz Ignacio Moreno y Maisanove, nascido na Guatemala, mas que fez carreira na Espanha.
O brasileiro, porém, não participou do conclave seguinte, de 1922 – quando Ambrogio Damiano Ratti tornou-se Pio XI –, devido a problemas de saúde. Jornais da época afirmaram que ele desistiu da viagem “por proibição dos seus médicos”.
Negociações intensas
Especialistas afirmam que a ascensão de Arcoverde ao posto de cardeal foi o resultado de um longo processo de negociação entre o governo brasileiro e a alta cúpula da Igreja. A ideia era mostrar que o Brasil era um país relevante, por meio de uma demonstração de “soft power”.
O objetivo era elevar o arcebispo do Rio de Janeiro, então capital do país, ao colégio cardinalício. Quando os esforços começaram, o posto na era ocupado por Pedro Maria de Lacerda (1830-1890). Mas não havia consenso entre a cúpula da Igreja no país. Muitos queriam que o primeiro cardeal brasileiro fosse Antônio de Macedo Costa (1830-1891), então bispo do Pará e, depois, arcebispo de Salvador. Com sua morte, foram surgindo outros candidatos, e o de Arcoverde foi progressivamente se destacando.
Origens indígenas e apelo popular
Arcoverde nasceu na cidade de Cimbres, hoje Pesqueira, no interior de Pernambuco. Sua avó materna era uma indígena da etnia tabajaras, cujo pai era o cacique Arcoverde.
Ele começou a se preparar para o sacerdócio aos 13 anos em seminário de Cajazeiras, na Paraíba. Três anos depois, foi enviado para Roma, onde estudou Teologia, Filosofia e Letras. Na capital italiana, foi ordenado padre aos 24 anos. Permaneceu mais um tempo estudando em Paris até retornar ao Brasil, onde logo foi enviado para lecionar no seminário de Olinda.
Em 1890, foi nomeado bispo da diocese de Goiás. Renunciou ao posto para tornar-se professor num colégio jesuíta em Itu, onde fez conexões que o levaram a ser nomeado como bispo auxiliar de Lino Deodato Rodrigues de Carvalho (1826-1894), responsável pela circunscrição de São Paulo. Assim, virou o interlocutor dos religiosos paulistas com a cúpula da Igreja, realizando viagens à Europa para firmar parcerias com congregações religiosas para trabalhos ligados à educação e a missões evangelizadoras. Com a morte do bispo de São Paulo, foi nomeado seu sucessor.
Com apelo popular, Arcoverde usou ao longo do cargo a modernização do transporte em São Paulo, com ferrovias em ebulição, para visitar todo o interior, ganhando a simpatia da população. Pouco depois, em 1897, foi nomeado arcebispo do Rio de Janeiro, posto em que liderou uma reconexão entre a Igreja Católica e o governo brasileiro, depois da Proclamação da República institucionalizar a separação entre poder religioso e Estado, e costurou apoios para que Nossa Senhora Aparecida fosse oficializada padroeira do Brasil e para que a estátua do Cristo Redentor fosse instalada na então capital federal, em 1931.