Quando suas atividades ainda se resumiam à vida de empresário e estrela de reality show, Donald Trump escreveu no best-seller A Arte da Negociação que “publicidade negativa é melhor do que nenhuma publicidade”. Duas décadas e uma carreira política depois, o ex-presidente dos Estados Unidos parece ter virado a exceção à tal regra, com golpe atrás de golpe minando sua pré-candidatura à Casa Branca em 2024. Só na semana antes do Natal, foram dois baques. A comissão da Câmara que investigou a invasão do Capitólio por uma turba trumpista em janeiro de 2021 encaminhou a papelada ao Departamento de Justiça, com o pedido de que ele seja processado por incitação à insurreição, obstrução dos trabalhos oficiais e conspiração para fraudar votos e prestar falso testemunho. No dia seguinte, foi a comissão de assuntos tributários da Casa que decidiu abrir ao público seis anos de declarações de imposto de renda de Trump, documentos que ele se recusava a mostrar e que os deputados só obtiveram após quatro anos de luta na Justiça.
As comissões apressaram suas conclusões porque a próxima legislatura terá maioria republicana, propensa a engavetar tudo. Cabe agora aos promotores avaliar se há indícios suficientes para abrir uma ação. Mas a atitude dos deputados, somada à penca de inquéritos em andamento envolvendo os negócios da família e ao desempenho abaixo do esperado dos candidatos de Trump na eleição de novembro, coloca o ex-presidente em posição vulnerável — não no trumpismo raiz, que não vê pecado nele, mas dentro do Partido Republicano.
Trump é o primeiro presidente a ter uma denúncia criminal encaminhada pelo Congresso, clímax de uma investigação de dezoito meses, com mais de 1 000 depoimentos, revisão de 1 milhão de documentos e um show de dez audiências televisionadas em horário nobre. A condenação prevê multas milionárias, perda de direitos políticos e até vinte anos de prisão. “A medida da comissão faz pressão sobre a Justiça, a quem forneceu um tesouro de provas contra Trump”, diz Tom Ginsburg, professor de direito da Universidade de Chicago. A decisão agora está nas mãos do procurador Jack Smith, chefe das investigações sobre o ex-presidente que correm no Departamento de Justiça.
No caso das declarações de imposto de renda do ex-presidente entre 2015 e 2020, a divulgação em si deve demorar alguns dias. Já se sabe, porém, que a Receita americana não examinou declarações feitas durante seu governo, mesmo sendo obrigada por lei a fazê-lo. Relatórios preliminares mostram ainda que Trump passou a vida profissional apelando a prejuízos milionários para não pagar imposto (em 2015, relatou ganho de 30 milhões de dólares e perda de 60 milhões, reduzindo o imposto a meros 750 dólares). Uma investigação do jornal The New York Times já havia revelado que ele pagou zero de imposto em onze dos dezoito anos analisados. Também em dezembro, a Trump Organization foi condenada por fraude fiscal. “Esta é mais uma má notícia que levará a menos apoio entre os eleitores republicanos nas eleições no longo prazo”, diz Rober Shapiro, professor de ciência política da Universidade de Stanford. Está difícil manter o topete empinado neste tormentoso fim de 2022.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821