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Os reis de Roma: por dentro da exposição na Itália que reúne pinturas de Caravaggio

Mostra ocorre no Palazzo Barberini, joia barroca que celebra o legado de uma família de mercadores e mecenas

Por Cinthia Rodrigues, de Roma
Atualizado em 31 mar 2025, 18h13 - Publicado em 29 mar 2025, 08h00

Na Itália do século XVII, uma família poderosa precisava ostentar três predicados: praticar o mecenato artístico; construir um palácio barroco decorado com centenas de obras de arte; e eleger um papa. Os Barberini eram celebrados pela trinca de condições, com pompa e circunstância. A família natural da Toscana, depois estabelecida em Roma, abria os cofres sem pudor, ainda que não fosse da estirpe nobre e viajada como a dos Médici, dos Borghese ou dos Pamphili — eram mercadores, vendiam tecidos na rua. Tudo mudou quando Maffeo Barberini (1568-1644), próximo dos corredores escuros da Igreja Católica, foi ungido papa, batizado de Urbano VIII. “Megalômano e vaidoso, ele não mediu esforços para deixar seu nome na história, comprando títulos nobiliárquicos e criando um entourage de artistas”, disse a VEJA Michele Di Monte, curador da Gallerie Nazionali d’Arte Antica di Roma, instituição cujas obras repousam, em parte, no Palazzo Barberini, joia barroca desenhada pelo mesmo arquiteto que finalizou a Basílica de São Pedro.

Aquele sobrenome, de força monetária para erguer castelos da civilização ocidental e ungir artistas aos céus — além de sentar no trono de Pedro na Santa Sé —, é o centro magnético de uma magnífica mostra, Caravaggio 2025, em cartaz até 6 de julho, e sempre lotada. Uma tela em especial, entre as 24 reunidas de acervos italianos e internacionais, chama a atenção. É a imponente figura do próprio Maffeo Barberini, ainda cardeal, elegantemente traçada pelo recurso de claro-escuro, luz e sombra, que fez a fama perene de Michelangelo Merisi, o Caravaggio (1571-1610).

PODER - Construção barroca do século XVII: ícone da megalomania e vaidade de uma turma de forte influência no Vaticano
PODER - Construção barroca do século XVII: ícone da megalomania e vaidade de uma turma de forte influência no Vaticano (Jens Kalaene/PA/Getty Images)

A obra-prima de 1598 ficou perdida por muito tempo, acabou sendo redescoberta no fim do século XX e mantida em coleções privadas por sessenta anos. Desde novembro, ocupa uma sala especial no palácio. Vê-la é comovente, atalho para compreender a costura de uma cidade inigualável na promoção da beleza estética. Celebrem-se, ao lado do já mítico retrato de Maffeo, outras duas telas do bad boy dos pincéis: Judite e Holofernes e São Francisco de Assis em Êxtase. A genialidade de Caravaggio, lembre-se, era diametralmente oposta a seu comportamento em sociedade, preso três vezes e acusado do assassinato de um homem depois de uma rodada de jogatina e dívidas impagáveis.

Caravaggio, por óbvio, é quem atrairá as atenções dos amantes de artes, e há motivos de sobra. Mas na Roma preocupada com o estado de saúde do papa Francisco, de volta à Casa Santa Marta depois de 38 dias internado, convém prestar atenção nos Barberini, no silêncio obsequioso provocado pelas telas nas salas e corredores. A mostra é rara oportunidade para entender como a combinação de uma visão humanista com a busca incessante pelo poder resultou em herança excepcional, e assim caminha a humanidade. Maffeo incentivou a arte ao mesmo tempo que ampliava sua rede de influência quando promoveu os sobrinhos (nipoti, em italiano) Francesco e Antonio a cardeais. A palavra nepotismo, aliás, nasceu naquele momento, em torno da corte papal embebida de riqueza e cultura.

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CABEÇA CORTADA - 'Judite e Holofernes', do gênio do claro-escuro: bad boy
CABEÇA CORTADA - ’Judite e Holofernes’, do gênio do claro-escuro: bad boy (Enrico Fontolan/Bibliotheca Hertziana/.)

A aventura por meio dos Barberini e de Caravaggio precisa ser celebrada como um passeio educativo, tão difícil em tempo de tanta pressa, nas redes sociais. Louve-se, ainda, a conveniente parceria da turma de escol com a Igreja, que servia de mote para as pinturas e, ao mesmo tempo, ajudava a levar para o círculo mais próximo dos Barberini os grandes mestres. “Como os artistas, em sua grande maioria, já não têm interesse em retratar episódios religiosos, especialmente do catolicismo, o trabalho agora exposto tem imenso valor histórico”, diz a professora Caterina Volpi, da Sapienza Università di Roma. “É o retrato fundamental de um tempo.” Com os olhos atentos, uma vez mais, ao que se passa dentro dos muros do Vaticano, Caravaggio 2025 serve de senha para celebrar a inteligência humana, apesar de tudo, das cabeças degoladas. E fique-se, como lembrança das excentricidades de Urbano VIII, com uma máxima popular e antiquíssima em torno dos exageros do clã: “Aquilo que não fizeram os bárbaros, fizeram os Barberini”.

Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937

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