NOBEL DE QUÍMICA
Em livro autobiográfico lançado em 2017, a bioquímica americana Jennifer Doudna, 56 anos, da Universidade da Califórnia, revelou ter tido pesadelos em torno de seu trabalho de manipulação genética — num deles, Adolf Hitler vinha lhe perguntar sobre a nova técnica que estava desenvolvendo. Ela própria temia, na leitura de travessias noturnas muito ruins, o uso futuro e explosivo do que dera à luz — a suposta “eugenia nazista”, que mataria seres humanos “defeituosos” de modo a garantir uma raça ariana “purificada”. O trabalho de Jennifer, a possibilidade de edição dos genes, conhecido como CRISPR/Cas9, foi laureado na quarta-feira 7 com o Prêmio Nobel de Química, dividido com a microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier, 51 anos, do Instituto Max Planck, de Berlim. Segundo os membros da Academia Sueca, a dupla deflagrou um método científico que “contribui para o desenvolvimento de novas terapias contra o câncer e pode tornar realidade o sonho de curar doenças hereditárias”. Em 2017, fez barulho a informação de que o recurso genômico foi capaz de corrigir uma mutação genética causadora da cardiomiopatia hipertrófica — grave doença associada à falência cardíaca e à morte súbita, mal que atinge uma em cada 500 pessoas.
E, no entanto, como iluminam os temores de Jennifer, o CRISPR/Cas9 é, a um só tempo, promessa e espanto. Como recurso da medicina, ele deve ser celebrado. Mas há sombras éticas que exigem cautela. Em 2018, o chinês He Jiankui disse ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados. As duas vencedoras do Nobel protestaram, assustadas com o indevido uso do procedimento. Jiankui explicou que o principal objetivo da intervenção era prover uma característica que poucas pessoas têm naturalmente: a capacidade de resistir a infecções pelo HIV, vírus que causa a aids. A dupla láurea do Nobel, a primeira da história para duas mulheres simultaneamente, tem o dom de valorizar um extraordinário salto da medicina, um dos maiores de nosso tempo, e também o de acender o sinal amarelo. Eis a beleza da ciência séria.
MEDICINA
Laureados: os americanos Harvey J. Alter e Charles M. Rice e o britânico Michael Houghton.
Por que ganharam: pela descoberta do vírus da hepatite C, causadora de cirrose e câncer no fígado.
Utilidade prática: a identificação do vírus revelou a causa dos demais casos de hepatite crônica, atalho para desenvolver novos medicamentos que salvaram milhões de vidas — a OMS estima em 400 000 as mortes anuais em decorrência da hepatite C.
FÍSICA
Laureados: a americana Andrea Ghez, o alemão Reihard Genzel e o britânico Roger Penrose.
Por que ganharam: Penrose, por mostrar que a Teoria da Relatividade Geral, imaginada por Einstein em 1915, explica a formação de buracos negros. Andrea e Genzel, pela descoberta de um objeto invisível e pesado no centro de nossa galáxia — muito possivelmente, um buraco supermassivo.
Utilidade prática: a comprovação de que Einstein sempre esteve certo.
LITERATURA
Laureada: a poeta americana Louise Glück, 77 anos, por “sua inconfundível voz poética que, com austera beleza, faz da existência individual universal”. Ela não tem obras traduzidas para o português, à exceção de versos esparsos na internet. De Louise: “Vemos o mundo uma única vez, na infância. O resto é memória”.
Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708