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Página Aberta: O desafio mais difícil para o dragão chinês

A epidemia embaralhou os planos para uma economia que já apontava desaceleração em 2020; mas o governo de Xi Jinping tomou algumas boas medidas

Por Marcos Caramuru de Paiva*
Atualizado em 4 jun 2024, 15h08 - Publicado em 3 abr 2020, 06h00
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  • A vida começa a se normalizar em diversas cidades da China, com notícias mais positivas sobre a contenção do coronavírus. A partir de abril, deverá ser possível encontrar um equilíbrio mais estável entre o combate à epidemia e a vida cotidiana. Com isso, serão melhores as condições para olhar o futuro.

    O ano de 2019 foi de pressões sobre o crescimento. O governo chinês reagiu desde o primeiro momento, reduzindo o imposto de renda sobre salários, as contribuições previdenciárias e o imposto sobre valor adicionado. Ao mesmo tempo, operou com estímulos de política monetária: reduções sucessivas do compulsório dos bancos, fixação de um novo valor de referência para a taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras e um verdadeiro corpo a corpo com as instituições para levá-­las a ampliar os empréstimos a pequenas e médias empresas. Finalmente, o governo aqueceu o investimento público. No fim de 2019, de modo a garantir que os investimentos não faltassem, foram flexibilizados as regras e os limites para o endividamento dos governos locais no mercado com o propósito de apoiar projetos de infraestrutura. Nesse contexto, tomou-se inclusive a decisão de permitir aos governos locais entrar na cota de endividamento de 2020.

    Em suma, desde o último trimestre de 2019 as autoridades já antecipavam iniciar o novo ano com a economia desaquecida. O coronavírus embaralhou os planos. O ano de 2020 é emblemático para a China. Nele inclui-se o prazo para fazer o produto interno bruto (PIB) e a renda per capita alcançar o dobro dos valores de 2010. Ainda que esse prazo não seja frequentemente lembrado, o sistema político chinês não costuma deixar de lado as metas anunciadas.

    A primeira reação aos desafios do coronavírus foi ampliar a liquidez dos mercados. A injeção de recursos na economia deu resultado: o índice da Bolsa de Valores de Xangai, na casa de 3 100 pontos quando a crise eclodiu, caiu para 2 750 nos momentos de maior apreensão e, logo depois, voltou a patamares superiores a 3 000 pelo menos até 9 de março, quando o mercado sofreu o impacto do tombo do preço do petróleo. A moeda, por sua vez, flutuou dentro de uma margem estreita. Em seguida, os bancos foram instados mais uma vez a reduzir as taxas de seus empréstimos para apoiar pequenas e médias empresas, mesmo aquelas sem condições de saldar compromissos anteriores. A questão é que muitas dessas empresas não costumam ter acesso a financiamento. Quando precisam, recorrem ao chamado shadow banking. Com os consumidores em todo o país reclusos por mais de dois meses, muitos negócios terão dificuldade para sobreviver. Mesmo reabertos, seguem com baixa demanda. Assim, o fantasma do desemprego, preocupação máxima dos governantes, não está descartado.

    Em 18 de fevereiro, o Conselho de Estado isentou as empresas das contribuições à seguridade social por algum tempo e adiou o pagamento do fundo para a aquisição de imóveis. Como a seguridade é responsabilidade local, a exten­são dos prazos para as isenções ou o diferimento de obrigações vão variar de província para província. De todo modo, a medida trará algum alívio.

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    A volta à normalidade envolverá, naturalmente, ajustes. As empresas de maior dimensão — muitas das quais ainda não funcionam a pleno vapor ou não funcionam de todo — tentarão recuperar ao longo do ano as perdas do primeiro trimestre. Ampliarão o diálogo e a interação com as autoridades locais. O governo está aumentando a liquidez dos bancos para dar-lhes apoio. Com o tempo, elas possivelmente receberão benefícios tópicos e estarão sujeitas a monitoramento ampliado e rigoroso. A mão do setor público deve estar mais forte em 2020.

    Quanto às empresas menores, o Conselho de Estado aprovou, em 25 de fevereiro, a alocação de 500 bilhões a 700 bilhões de iuanes para que os bancos locais lhes garantam crédito e, há poucos dias, reduziu o depósito compulsório dos bancos sob a condição de baixarem as taxas de juros de seus empréstimos para os pequenos e médios negócios. A medida produzirá resultados, mas seu impacto não será universal nem neutro. Há anos a situação dos bancos locais está sob escrutínio. Muitos têm problemas conhecidos de qualidade das carteiras. É inevitável que, em algum momento, estejam sujeitos a correções. Quanto mais elas forem adiadas, mais difíceis e custosas poderão se tornar.

    As empresas multinacionais ou essencialmente expor­tadoras, que muitos acreditam poderão retirar-se da China, possivelmente esperarão o desenrolar dos fatos. Com o quadro de insegurança em todo o mundo, os gestores não decidirão agora alterar significativamente suas estratégias. E, passada a tempestade, a visão da realidade será outra.

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    A China obviamente não está imune ao impacto de uma crise global. Na esteira da crise de 2008, o PIB perdeu fôlego, mas o país iniciou a grande escalada de investimentos externos. Agora, se a crise for longa e pesada, o setor privado, que reclama por não ter o mesmo acesso ao financiamento e à proteção das estatais, vai possivelmente pressionar para garantir um melhor posicionamento na economia. Por força do adiamento do Congresso Nacional do Povo, inicialmente previsto para março, está em suspenso a fixação da meta oficial de crescimento para 2020. Há muitas especulações sobre a expansão econômica que será possível atingir. Quando se dispuser de um cenário mais tranquilo, haverá natural energia na retomada dos negócios (a emissão de bonds pelas construtoras em meados do mês já deu uma mostra disso), e o governo chinês, como sempre, produzirá o crescimento que fixar como meta ou chegará muito próximo do que tiver fixado.

    * Marcos Caramuru de Paiva, ex-embaixador em Pequim, é sócio e gestor da Kemu Shanghai Consultoria

    Publicado em VEJA de 8 de abril de 2020, edição nº 2681

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