Em uma entrevista exclusiva à agência de notícias Reuters, concedida em sua residência no Vaticano em 2 de julho, o papa Francisco reconheceu que ainda existe resistência dentro da Igreja Católica para implementar medidas para proteger as crianças do abuso sexual por parte do clero, mas declarou que, mesmo assim, essas medidas são um caminho “irreversível”.
Em 2019, Francisco emitiu uma diretiva papal ordenando “sistemas públicos, estáveis e de fácil acesso para apresentação” de denúncias de abuso sexual em dioceses de todo o mundo.
Alguns países, como os Estados Unidos, estabeleceram alguns procedimentos – conhecidos como “centros de escuta” – mesmo antes da diretiva. Outros, no entanto, principalmente em países em desenvolvimento, demoram a se adequar.
“Há resistência, mas a cada novo passo há uma consciência crescente de que este é o caminho a seguir”, disse Francisco.
A crise de abusos na Igreja explodiu no cenário internacional em 2002, quando o jornal Boston Globe revelou que décadas de abusos sexuais por padres haviam sido encobertas por líderes da Igreja. Padrões semelhantes foram denunciados posteriormente nos Estados Unidos, na Europa, no Chile e na Austrália, minando a autoridade da Igreja e afetando seus cofres.
“[Depois de Boston] a Igreja deu início a uma política de tolerância zero lentamente, e avançou desde então. E acho que a direção tomada nisso é irreversível”, disse Francisco.
Em 2019, Francisco convocou lideranças das Igrejas nacionais de todo o mundo a Roma, para uma cúpula sobre abuso sexual. No final daquele ano, ele promulgou duas grandes leis: uma instituiu novos procedimentos de apresentação de relatórios e tornou os bispos mais responsáveis, ampliando também a definição de crimes sexuais; a segunda foi a remoção do segredo pontifício em torno dos casos de abuso.
Em fevereiro deste ano, o Papa reestruturou o departamento doutrinário do Vaticano para dar mais força à seção disciplinar que trata de casos de abuso sexual, equiparando-a à seção doutrinária. Na entrevista à Reuters, ele afirmou que a mudança no escritório doutrinário estava “correndo bem”.
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Francisco também disse que as estatísticas mostram que apenas uma pequena porcentagem de padres foi responsável por abusos em comparação com esses crimes na população em geral, e que a maioria dos abusos ocorre no contexto familiar. Mesmo assim, ele enfatizou que qualquer episódio de abuso na Igreja é vergonhoso.
“Temos que lutar contra todos os casos”, disse ele. “Como padre, é preciso que ajudar as pessoas a crescer e salvá-las. Se um padre as abusa, está as matando. Isso é terrível. Tolerância zero”, acrescentou.
Críticos afirmam que a tolerância zero ainda não existe na Igreja, já que poucos clérigos envolvidos em casos de abuso ou seu encobrimento são realmente removidos do ministério.
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Em 2014, um ano após sua eleição, Francisco estabeleceu a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores para promover melhores práticas e uma cultura de salvaguarda nas comunidades católicas em todo o mundo. A comissão teve um começo difícil, com vários renúncias devido à frustração pela resistência interna.
O Papa nomeou novos membros e, em março deste ano, deu à comissão muito mais influência, inserindo-a no departamento doutrinário, que regulamenta casos de abuso.
A comissão é composta principalmente por leigos, incluindo sobreviventes de abuso sexual do clero, como Juan Carlos Cruz, do Chile, um dos maiores ativistas pelas vítimas de abuso e críticos das políticas da Igreja.