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Papa pede perdão a vítimas de abusos, mas se cala sobre pedido de renúncia

Após viagem à Irlanda, Francisco não comenta carta em que um ex-assessor do Vaticano o acusa de encobertar casos: ‘Não direi uma palavra sobre isso’

Por AFP Atualizado em 4 jun 2024, 17h33 - Publicado em 26 ago 2018, 22h34

O papa Francisco enumerou neste domingo, 26, em uma missa em Dublin uma grande lista de “perdões” às vítimas de abusos cometidos por padres ou instituições religiosas na Irlanda, no segundo dia de sua visita ao país, mas foi acusado de ter acobertado um prelado suspeito de abuso.

Já no avião que o levou de volta a Roma, o papa se recusou a fazer comentários quando perguntado sobre as afirmações contidas em uma carta aberta publicada no fim de semana em que é acusado de ter anulado as sanções contra um cardeal e de ter ignorado as advertências internas sobre o comportamento sexual do prelado com jovens seminaristas e párocos.

“Não direi uma palavra sobre isso”, declarou aos jornalistas que o acompanharam no voo e que o consultaram sobre a carta escrita pelo ex-embaixador do Vaticano em Washington, o arcebispo Carlo Maria Vigano – no documento, o religioso pede a renúncia do papa Francisco em razão do episódio.

Ao final de dois dias de uma visita muito concentrada justamente no tema dos abusos cometidos no seio da Igreja, o pontífice chegou a bordo de um papamóvel, sob um céu carregado, ao imenso parque Phoenix, de Dublin, para celebrar uma missa campal – uma oportunidade para este país, um dos mais católicos da Europa, demonstrar seu fervor.

Em sua primeira intervenção, o papa surpreendeu ao pronunciar em espanhol uma ladainha de perdão “aos sobreviventes dos abusos de poder, de consciência e sexuais” na Irlanda. Listando todos os crimes cometidos, Francisco pediu perdão “às crianças que foram tiradas de suas mães” porque engravidaram fora do casamento.

Também acusou “membros da hierarquia que se calaram”. “Pedimos perdão pelos abusos na Irlanda, abusos de poder, de consciência; abusos sexuais por parte de membros qualificados da Igreja”, disse. “De maneira especial, pedimos perdão por todos os abusos cometidos em diversos tipos de instituições dirigidas por religiosos e religiosas e outros membros da Igreja. E pedimos perdão pelos casos de exploração trabalhista à qual muitos menores foram submetidos”, acrescentou.

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Mais cedo, durante uma visita ao Santuário de Knock, a 180 km de Dublin, o papa implorou “o perdão do Senhor por estes pecados, pelo escândalo e pela traição sentida por muitas pessoas na família de Deus”.

Desde 2002, mais de 14.500 pessoas foram vítimas de abusos sexuais por membros do clero na Irlanda. A hierarquia da Igreja irlandesa é acusada de ter encoberto centenas de padres. Várias investigações também revelaram práticas ilegais de adoção de crianças nascidas de mulheres solteiras, realizadas pelo Estado irlandês com a cumplicidade da Igreja Católica.

A magnitude desses escândalos explica em parte a perda de influência da Igreja sobre a sociedade irlandesa, historicamente muito católica, nos últimos anos. “Nenhum de nós pode evitar sentir-se comovido com as histórias de crianças que sofreram abusos, que tiveram sua inocência roubada e que foram abandonadas a dolorosas lembranças”, disse o papa.

“Esta ferida aberta nos desafia a ser firmes e determinados na busca da verdade e da justiça”, acrescentou ele, 39 anos depois de João Paulo II, que veio a se ajoelhar neste local.  Antes de Francisco, Bento XVI, seu antecessor, escreveu em 2010 uma carta a todos os católicos irlandeses reconhecendo a responsabilidade da Igreja nos abusos cometidos no país.

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‘Vergonha’

Oficialmente dedicada ao Encontro Mundial das Famílias, a visita do papa neste fim de semana à Irlanda foi ofuscada pelos escândalos de abusos do clero. No sábado (25), em Dublin, o papa falou de sua “vergonha” e “sofrimento” diante do “fracasso das autoridades da Igreja” para enfrentar adequadamente os “crimes hediondos” do clero na Irlanda.

Mas o próprio Francisco foi acusado pelo ex-embaixador do Vaticano em Washington, o arcebispo Carlo Maria Vigano, de ter retirado as sanções impostas contra o cardeal Theodore McCarrick, apesar da existência de acusações por “comportamento gravemente imoral com seminaristas e padres”.

“A corrupção atingiu o topo da hierarquia da Igreja”, disse o bispo Vigano em uma carta de onze páginas, que foi veiculada simultaneamente no sábado em várias publicações católicas americanas de tendência tradicionalista ou ultraconservadora, assim como em um jornal italiano de direita.

Neste documento, o ex-núncio apostólico, agora aposentado, também aponta para um grande número de altos prelados da Cúria Romana, incluindo o número dois, Pietro Parolin.

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O papa Francisco aceitou em julho a renúncia do Colégio dos Cardeais de Theodore McCarrick, de 88 anos, arcebispo emérito de Washington.

Encontro com vítimas

Francisco se reuniu no sábado, no final do dia, com oito vítimas irlandesas de abusos, entre eles Paul Jude Redmond e Clodagh Aileen Malone, que foram adotados ilegalmente após serem retirados de suas mães solteiras com a cumplicidade de instituições católicas. “O papa pediu desculpas pelo que aconteceu nessas casas” para jovens mães, disseram em um comunicado.

Mas para Mark Vincent Healy, um sobrevivente de abusos sexuais, o sábado foi uma “oportunidade perdida”. “Quando ele vai agir?”, perguntou o representante da organização “Ending Clergy Abuse” (“Acabar com os abusos do clero”). Ele também ficou desapontado com o fato de o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, não ter pedido ao papa que tornasse públicos os dados de possíveis predadores enviados ao Vaticano.

No sábado, Varadkar pediu ao papa que usasse sua “posição” e “influência” para “trazer justiça” às vítimas em todo o mundo.

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