Paquistão absolve cristã condenada à morte por blasfêmia em 2010
Caso provocou violência e dois assassinatos no país; Asia Bibi era acusada de fazer comentários ofensivos sobre o profeta Maomé durante uma discussão
A Suprema Corte do Paquistão absolveu nesta quarta-feira Asia Bibi, uma mulher cristã que havia sido condenada à morte em 2010 por blasfêmia. O caso provocou indignação no exterior e violência no país.
“Foi absolvida de todas as acusações”, declarou o juiz Saqib Nisar ao ler o veredicto na Suprema Corte. Asia, que está presa em uma penitenciária de Multan, será libertada imediatamente, completou o magistrado.
Bibi, mãe de cinco filhos, foi denunciada em 2009 por algumas mulheres que disseram que ela insultou o profeta Maomé durante uma discussão em Punjab e foi condenada à morte em 2010 por blasfêmia.
A cristã perdeu o recurso apresentado à Suprema Corte de Lahore, capital de Punjab, em 2014. No ano seguinte, o Supremo paralisou a execução após concordar em estudar sua apelação.
De acordo com a decisão oficial da Suprema Corte, a acusação falhou em apresentar provas acima de qualquer dúvida. Os juízes citaram o Alcorão (livro sagrado do islamismo) extensivamente e outras escrituras islâmicas, dizendo entre outras coisas que os não-muçulmanos devem ser tratados com gentileza.
O caso de Asia Bibi provocou indignação internacional. No Paquistão, contudo, tornou-se motivo de protestos para grupos e partidos islâmicos extremistas e levou a pelo menos dois assassinatos.
O ex-governador de Punjab, Salman Tasir, foi morto em 2011 por defender publicamente a causa de Asia Bibi. Ele foi assassinado por um de seus guarda-costas, Mumtaz Qadri, que, por sua vez, foi executado em 2016 e enterrado depois como um herói.
A segunda morte foi a de um ministro cristão, Shahbaz Bhatti, assassinado a tiros na porta da sua casa, também em 2011, por defender a cristã e opor-se à legislação contra a blasfêmia.
A dura lei anti-blasfêmia no Paquistão foi estabelecida na era colonial britânica para evitar confrontos religiosos. Porém, na década de 1980, várias reformas patrocinadas pelo ditador Muhammad Zia-ul-Haq favoreceram o abuso desta norma.
Desde então, aconteceram 1.000 acusações por blasfêmia, um crime que no Paquistão pode levar a pena de morte, embora ninguém nunca tenha sido executado por este crime.
Protestos
Nas últimas semanas, muçulmanos extremistas ameaçaram os juízes que analisavam o caso na hipótese uma decisão favorável à acusada.
Antes da decisão, Khadim Hussain Rizvi, um clérigo conservador, convocou seus partidários a se reunirem em grandes cidades para expressar seu amor pelo profeta e protestar se Asia fosse colocada em liberdade. As autoridades reforçaram a segurança nas igrejas de todo o país.
Pouco depois da decisão judicial, centenas de islamistas bloquearam uma importante rodovia entre a cidade de Rawalpindi e a capital, Islamabad. Na maior cidade do Paquistão, Karachi, em Peshawar e outros lugares foram registrados atos semelhantes.
A família de Asia e seu advogado disseram que ela nunca insultou o profeta. Além disso, o advogado Saiful Malook destacou algumas contradições nas declarações das testemunhas. Duas muçulmanas que apresentaram acusações contra Asia negaram que brigaram com ela.
Durante a sua audiência de recurso, o marido e filha de Asia Bibi estavam no Reino Unido.
Críticos à lei da blasfêmia apontam que a mesma é usada para ajustar contas pessoais ou atacar comunidades minoritárias. O caso de Asia foi acompanhado internacionalmente ante a preocupação pelas minorias religiosas do país, que têm sido objeto de ataques extremistas nos últimos anos.
O marido de Asia elogiou o veredicto desta quarta-feira. “Estou muito feliz. Meus filhos estão muito felizes. Agradecemos a Deus. Agradecemos aos juízes por nos conceder justiça. Sabíamos que ela é inocente”, disse Ashiq Masih. “Minha mulher passou muitos anos na prisão e esperamos que logo possamos estar juntos em um lugar pacífico”, finalizou.
(Com Estadão Conteúdo, EFE e AFP)