Peru vai às urnas com 18 candidatos à Presidência – e nenhum é favorito
Seis candidatos concorrem pelo segundo turno, todos com menos de 10% de intenção de voto, em meio à crise política, econômica e sanitária
Nas eleições peruanas de 2011, o romancista peruano Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel, disse que a população precisaria escolher entre a “Aids e o câncer”. A piada ácida referia-se aos dois candidatos, Keiko Fujimori e Ollanta Humala, a primeira herdeira do ex-presidente Alberto Fujimori (que deu um golpe de estado em 1992) e o segundo um militar nacionalista de esquerda (que tentou dar um golpe de estado em 2001). Ambos os candidatos eram acusados de corrupção.
Dez anos depois, Vargas Llosa teria que adicionar ao menos outras 16 enfermidades à sua lista para completar a piada. O Peru vai às urnas neste domingo, 11, com um total de 18 candidatos, nenhum dos quais encanta a população. Pesquisas de intenção de voto mostram que votos brancos, nulos e indecisos somam de 30% a 40%, uma rejeição niilista da profusão de opções.
A dúvida é a única certeza. Até seis candidatos têm possibilidade de passar para o segundo turno, nenhum dos quais atinge sequer 15% de preferência. Apesar da já usual fragmentação da vida política peruana, esta não é uma situação normal: há cinco anos, no último levantamento antes das eleições de 2016, o líder das pesquisas chegava a 40,8% e o segundo, a 19,9%.
Segundo uma pesquisa do Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI), publicada em maio de 2020, a população só tem mais de 50% de confiança em apenas uma das 21 instituições governamentais e não governamentais – o órgão que emite documentos de identidade.
“O descontentamento não é sinal só da rejeição da classe política, mas de uma rejeição mais ampla e geral das elites”, publicou o jornalista peruano Diego Salazar no jornal The Washington Post, referindo-se a grupos à esquerda e à direita do espectro ideológico “têm o controle e a liderança nos assuntos do país” e “nos traíram repetidamente”.
Nada mais ilustrativo que o caso que ficou conhecido como “Vacinagate”, em que uma centena de membros da elite política peruana, seus amigos e família obtiveram acesso privilegiado a doses de vacina contra o novo coronavírus.
Entre as centenas de beneficiados, estava o ex-presidente Martín Vizcarra, destituído pelo Congresso em novembro passado, junto com sua esposa e irmão. Participaram do esquema médicos, cientistas e autoridades da Universidade Cayetano Heredia, uma das mais conceituadas instituições educacionais do país.
Isso ocorreu à medida que o país se tornava líder mundial em excesso de mortes por milhão de habitantes, segundo o jornal The Financial Times. O atual governo – o quarto em três anos – ainda não obteve vacinas suficientes e a taxa de vacinação não chega a 2% da população.
Mais do que nunca, o Peru clama por uma liderança, que parece improvável. Fustigado pela pandemia, sua economia encolheu 11% e o desemprego subiu para 13,8%. Como diz o título de um dos romances recentes de Vargas Llosa, são tempos difíceis.
“Podemos, diante desses dados, culpar os peruanos por não esperar nada das elites que os governam ou controlar as instituições que norteiam os desenhos do país, seja da academia, do mundo dos negócios ou da imprensa?”, pergunta Salazar.
Hoje, os presidenciáveis que lideram timidamente as pesquisas são Yohny Lescano (10,8%); George Forsyth (9,2%); Keiko Fujimori (7,1%) e Verónika Mendoza (6,9%), segundo a média móvel calculada pelo jornal El País. A configuração tem sido uma constante desde o final de 2020, quando o país chegou a ter três presidentes em poucas semanas.
Após a destituição de Vizcarra, por um processo que ainda gera sérias dúvidas entre os constitucionalistas peruanos, entrou o questionado deputado Manuel Merino, que durou poucos dias no cargo devido a protestos. O cientista político peruano Alberto Vergara descreveu a mobilização pública como “cidadãos sem república”: uma ação espontânea para jogar o país da beira do abismo (em que foi colocado pelas elites políticas).
O coronavírus foi responsável por exacerbar a já dantesca realidade política do Peru. Desde o estabelecimento do sistema neoliberal em 1992, todos os seus ex-governantes foram ou estão sendo processados ou presos por atos de corrupção, com exceção de um que se suicidou para não ser preso e outro que morreu. Neste cenário, é difícil não imaginar que um dos seguintes candidatos seja só o próximo da lista.
Yonhy Lescano, o “líder”
Lescano, de 62 anos, é um legislador experiente que equilibra uma imagem de homem do povo, da economia esquerdista, enquanto é socialmente conservador. Lidera nas pesquisas de opinião, mas com apenas um pouco mais de 10% de apoio, com a promessa de renegociar uma distribuição mais justa da riqueza da mineração, reduzir os preços do gás, criar uma companhia aérea estatal e pressionar os bancos privados a reduzir as taxas de juros. Já defendeu o uso do aguardente, ou “cañazo”, contra a Covid-19.
Verónika Mendoza, a esquerdista
Mendoza, 40, subiu ligeiramente nas últimas pesquisas. Ela é vista com cautela pelos mercados, porque apoia um referendo para uma nova constituição para dar ao Estado mais poder de intervenção em “setores estratégicos”. A antropóloga, que nasceu em Cusco e estudou psicologia na França (onde também tem nacionalidade), trabalhou em um centro de pesquisa indígena e concorreu à presidência em 2016, ficando em terceiro lugar. Suas propostas incluem revisão das isenções fiscais para grandes empresas e taxar fortunas.
Keiko Fujimori, a herdeira de Alberto
Fujimori, 45, é a filha mais velha do ex-presidente Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão em 2009). Ela foi candidata à presidência duas vezes e chegou a ser uma potência política no país, mas sua popularidade caiu vertiginosamente após a condenação por corrupção na Lava Jato peruana, por lavagem de dinheiro e recebimento de 1,2 milhões de reais em propina da Odebrecht. Defensora do livre mercado (inclusive na oposição a restrições da pandemia) e educada nos Estados Unidos, propôs impulsionar a economia com dois projetos de mineração bloqueados, também criando 2 milhões de empregos na construção de escolas, centros médicos e estradas.
Hernando De Soto, o economista
Aos 79 anos, De Soto quer dar continuidade à política fiscal e monetária expansionista para ajudar a recuperar a economia. Ele apoia fortes controles nas fronteiras contra “criminosos estrangeiros” e defende a privatização da vacina contra a Covid-19 (sendo que ele próprio viajou aos Estados Unidos em março para ser vacinado antes do resto dos peruanos).
George Forsyth, o jogador de futebol
Ex-goleiro da seleção de futebol peruana e prefeito do distrito de La Victoria, em Lima, Forsyth era líder das pesquisas no ano passado, mas caiu nos últimos meses. Sua campanha é baseada na narrativa anti-corrupção, para “limpar” a política peruana, e ele também se comprometeu a reformar o sistema previdenciário do país e melhorar a cobertura de saúde para os cidadãos mais velhos.
Rafael López Aliaga, o “Bolsonaro peruano”
López Aliaga, um magnata da hotelaria e ferrovias de 60 anos, é um membro ultraconservador do Opus Dei, comparado repetidamente pela mídia internacional a Jair Bolsonaro. Socialmente conservador, ele é abertamente contra o aborto e o casamento gay, e tem um discurso impetuoso e direto. Entre suas promessas estão a simplificação da burocracia, redução dos preços do gás e a expulsão da Odebrecht do país devido aos casos de corrupção.
Também estão na lista o militar e congressista Daniel Urresti, o empreendedor César Acuña (acusado de compra de votos em outras corridas eleitorais), Abimael Guzmán (filósofo e ex-líder do grupo maoísta Sendero Luminoso, considerado terrorista pelo Peru, Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia), o professor Pedro Castillo (acusado de associação à MOVADEF, aliança solidária ao Sendero Luminoso), o ex-presidente – e “câncer” de Vargas Llosa – Ollanta Humala, Daniel Salaverry (empresário e congressista, que já foi afastado do cargo por apresentar informações falsas em relatórios do Legislativo). Há outros seis candidatos, todos somando de 2% a 10% das intenções de votos.