Pescaria invisível
Redes, linhas e anzóis perdidos ou jogados fora representam 10% do lixo nos oceanos e ameaçam quase 70 000 animais marinhos por dia na costa do Brasil
Em uma fiscalização de rotina realizada nas imediações da Laje de Santos, santuário natural a 45 quilômetros da costa de São Paulo, uma equipe de biólogos encontrou um emaranhado de boias à deriva, sinal de que ali havia um espinhel — longa linha de pesca na qual são fixados fios com anzóis. Como a atividade é proibida no local, a equipe logo imaginou tratar-se de equipamento descartado pelo dono ou arrastado pelas correntes até lá. Dito e feito: ao erguer o material submerso, o grupo deparou com vários peixes mortos e, surpresa, uma tartaruga-verde ainda viva, mas exaurida e machucada por um anzol preso à nadadeira. “Ela iria agonizar até morrer, sem conseguir respirar”, diz Luiz Miguel Casarini, do projeto Petrechos de Pesca Perdidos no Mar, que detecta e recolhe esse tipo de lixo oceânico. Feitos principalmente de plástico, os objetos que os pescadores abandonam no meio do mar compõem uma maçaroca de 640 000 toneladas por ano — 10% de todo o lixo marinho — que mata e mutila animais em toda parte.
No Brasil, um levantamento efetuado pela ONG Proteção Animal Mundial, o primeiro do gênero, registrou a chamada “pesca fantasma” em doze dos dezessete estados da costa brasileira. Por seus cálculos, o acúmulo diário de 580 quilos de detritos pode afetar quase 70 000 animais por dia, ou 25 milhões por ano. A tartaruga-verde não foi a primeira vítima resgatada pela equipe de Casarini das armadilhas abandonadas no mar. “Já encontramos arraias, tubarões e até aves, que mergulham em busca de alimentos e acabam presas”, diz.
No Nordeste, a pesca fantasma é apontada como uma das causas da morte de jubartes que se deslocam todo ano da Antártica para reproduzir-se e amamentar os filhotes em águas mais quentes. Em 2017, mais de trinta baleias dessa espécie foram encontradas sem vida no litoral da Bahia, algumas enroladas em redes. “Os apetrechos de pesca são a forma mais letal de lixo plástico no mar. Duráveis e resistentes, eles podem levar até 600 anos para se decompor e depois ainda viram microplástico, entrando na cadeia alimentar dos animais”, alerta Helena Pavese, diretora executiva da ONG no Brasil.
Os cientistas também relacionam o descuido dos pescadores à redução drástica da população de golfinhos na Bacia Amazônica, a maior rede hidrográfica do planeta, onde o número de botos (uma espécie de golfinho) cor-de-rosa e pretos caiu pela metade nos últimos dez anos. Além de matar e mutilar peixes, o material de pesca descartado provoca prejuízo econômico. “Ele causa danos a barcos e máquinas e compromete a segurança da navegação”, diz o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que acaba de lançar um Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, que contém trinta ações de curto, médio e longo prazos. Se funcionar, será muito bem-vindo.
Publicado em VEJA de 3 de abril de 2019, edição nº 2628
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