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Petro vê governo se esfacelar em meio à sua inépcia para o diálogo

Primeiro esquerdista a ocupar a Presidência colombiana enfrenta choque de realidade

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 10h44 - Publicado em 7 Maio 2023, 08h00

Em tempos de acirrada polarização, o movimento pendular do eleitorado, que vem alternando direita e esquerda no poder, desta vez assiste a uma onda vermelha na América Latina (o Paraguai, na semana passada, é uma das poucas exceções). Resultado: a ascensão de diversas figuras que, até outro dia, agitavam a oposição. Foi assim na Colômbia, onde o ex-guerrilheiro Gustavo Petro, 63 anos, de longa estrada na política, assumiu a Presidência com um ineditismo: tornou-se o primeiro mandachuva do país a professar a cartilha esquerdista. Numa nação tomada de insatisfação, as expectativas que recaíam sobre ele eram insufladas por um rol de promessas que miravam uma vasta reforma do Estado, capaz de atenuar a sofrível distribuição de renda colombiana e estancar a violência, uma chaga nacional. Pois passados nove meses de sua posse, as asperezas da realidade se impuseram, como sempre ocorre, e Petro enfrenta uma profunda crise, que resultou na recente dissolução da coalizão que o sustentava, com integrantes de todos os matizes ideológicos, e na demissão de sete dos dezoito ministros. “A radicalização fez Petro perder a maioria no Congresso e pode ser fatal para seu governo”, diz o cientista político Johan Caldas, da Universidade de La Sabana.

O gatilho para o desmonte foi um dos mais caros projetos ao presidente — uma mexida no sistema de saúde que tem como objetivo o predomínio absoluto do setor público. Os parlamentares, incluindo sua própria base, travaram a proposta, assim como rejeitam outras consideradas irrealistas e extremas, no campo da previdência e da questão agrária. E assim abriu-se ainda mais a ferida, que já se avistava em janeiro, com a dispensa de três ministros que não concordavam com Petro. Ele passou a adotar então tom incendiário, que em nada apazigua os ânimos nem contribui para refazer as costuras necessárias para o bom diálogo, vital a qualquer democracia. “A tentativa de restringir as reformas pode levar à revolução”, ameaçou, em discurso na Casa de Nariño, a sede do Executivo em Bogotá, durante as comemorações de 1º de maio, o Dia do Trabalho.

REFLETIR É PRECISO - Petro: coalizão desfeita e sete ministros demitidos
REFLETIR É PRECISO - Petro: coalizão desfeita e sete ministros demitidos (Mauricio Dueñas Castañeda/EFE)

A dura realidade também colide com o chamado Plano de Paz Total, a controversa iniciativa que promete firmar um canal de conversas com narcotraficantes e guerrilheiros. É uma questão espinhosa na Colômbia, ao que tudo indica longe de ser equacionada, já que a violência não para de crescer. Para levar mais fervura ao caldeirão de problemas, o irmão e o filho de Petro andam enrolados com a Justiça, investigados por corrupção e ligação com traficantes. Abertamente simpático à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, o presidente ainda deu um passo em falso ao recentemente expulsar do país o opositor do regime chavista Juan Guaidó — decisão vista como pouco ponderada e que ajuda a puxar para baixo sua avaliação. De acordo com o último levantamento, seis de cada dez colombianos desaprovam sua gestão.

A história mostra que, em um regime democrático, os excessos ideológicos acabam emperrando governos, que precisam tecer negociações para se viabilizar. Petro não precisa ir muito longe para obter uma valiosa lição sobre como é essencial fincar os pés no chão — algo que Gabriel Boric, o jovem presidente do Chile, aprendeu a duras penas. Ex-líder estudantil, projetado pelas manifestações que varreram o país em 2019 e pouco afeito à flexibilização de suas ideias, ele enfrentou dolorosa derrota já no início do mandato, em 2022, quando a população rejeitou em plebiscito o conteúdo de uma nova Constituição, feita para substituir a Carta escrita no período ditatorial de Augusto Pinochet (1915-2006). Os 62% de chilenos que barraram o texto o taxaram de “pouco realista”. Foi aí que, com a avaliação em baixa, Boric abraçou o pragmatismo: aproximou-se do centro, remontando seu ministério, e relançou as bases da Constituinte, cuja formação será definida por voto no domingo 7. Agora, partidos tradicionais terão voz ativa no processo, assim como um comitê de 24 especialistas eleitos pela Câmara e Senado. O resultado final deverá ser submetido ao crivo popular em dezembro.

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LIÇÃO DO VIZINHO - Gabriel Boric, no Chile: aprendendo a não radicalizar
LIÇÃO DO VIZINHO - Gabriel Boric, no Chile: aprendendo a não radicalizar (Elvis González/EFE)

Adotando discurso mais conciliador, Boric passou a encampar bandeiras valiosas à classe média. Em abril, reuniu os ex-presidentes Sebastián Piñera, Michelle Bachelet e Ricardo Lagos, de diferentes naipes ideológicos, para o funeral de um policial morto em serviço e anunciou um incremento nas verbas para a segurança pública, no que angariou apoio de 80% dos chilenos. Ao mesmo tempo em que abandonou as ácidas críticas à polícia, um dos temas preferenciais dos tempos de liderança estudantil, Boric é o único líder esquerdista da região a condenar as ditaduras de Cuba, Venezuela e Nicarágua. “Ele soube agir rápido para navegar no mundo político chileno”, diz Kenneth Bunker, da consultoria Politico Tech Global. Ainda lhe falta um longo caminho, mas já fica a dica para Petro do batido e útil adágio segundo o qual política é como violino: pega-se com a esquerda e toca-se com a direita.

Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840

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