Enquanto o autocrata Xi Jinping desfilava autoconfiança no Oriente, tudo parecia conspirar contra Joe Biden, o líder do mundo ocidental, e seu Partido Democrata neste ano. O preço da gasolina comprada por uma população movida a SUVs e caminhonetes disparou a níveis nunca vistos (depois baixou). A inflação bateu nos 8%, a mais alta em quarenta anos, e lá ficou, aumentando os preços nos supermercados (outra paixão americana). O Fed, equivalente ao Banco Central, apelou para o remédio tradicional e elevou as taxas de juros, com reflexo imediato no crédito imobiliário. O Tesouro Nacional foi continuamente sangrado pela subvenção do grosso do equipamento militar usado pelas Forças Armadas da Ucrânia, na guerra contra a Rússia invasora. A Suprema Corte aboliu o direito universal ao aborto, uma bandeira democrata, em vigor no país há meio século. A maioria por um fio no Senado e no Congresso emperrou a aprovação de quase todos os grandes projetos do governo. E, por trás de tudo, Donald Trump continuava a insuflar seus seguidores, insistindo na balela da fraude eleitoral e preparando candidatos à sua feição para tomar de assalto o Congresso nas midterms — as eleições de meio de mandato em que o partido no poder tradicionalmente perde feio.
Quando a votação chegou, em 8 de novembro, a aprovação de Biden estava em desastrosos 40%. Urnas apuradas, deu-se a surpresa: a temida onda republicana não se concretizou. No Senado, estrelas trumpistas foram passadas para trás e os democratas ampliaram sua predominância de uma para três cadeiras. A maioria na Câmara foi de fato perdida, mas por muito menos do que se antecipava. Trump anunciou sua candidatura à Presidência em 2024, mas o que era para ser uma demonstração de força acabou virando o contrário — ele quis mesmo foi se antecipar a estrelas ascendentes que podem ameaçar seu domínio partidário. No fim das contas, Biden encerrou 2022 cercado de certa glória — a glória possível, claro, a um presidente menos derrotado do que se esperava. Presença rara em grandes encontros internacionais, no pós-eleição ele participou de três, um atrás do outro: de países asiáticos no Camboja, do G20, na Indonésia — palco do primeiro encontro cara a cara com Xi —, e da COP27, o painel da ONU sobre o clima, no Egito. É bom que desfrute dos louros enquanto 2023 não vem. Porque, empossado o novo Congresso e com a economia ainda em retrocesso, a vidinha na Casa Branca vai continuar difícil.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821