Adaptados para viver no frio extremo da Antártica, os pinguins-imperadores são prodígios da natureza e sua engenharia fisiológica é um exemplo de resiliência: tudo no organismo deles tem como objetivo fazê-los suportar temperaturas de 40 graus negativos e ventos de 140 quilômetros por hora — o suficiente para matar uma pessoa desagasalhada em questão de segundos. Além disso, eles são inteligentes e, para se aquecer, organizam-se em colônias com 5 000 indivíduos em média. Ao formar aglomerações circulares, vão se revezando solidariamente de dentro para fora, de forma que quem está na parte interna recebe calor enquanto os colegas no perímetro barram as rajadas cortantes. Catalogado pelo Museu Britânico em 1844 e observado atentamente desde então, o simpático animal que inspirou a animação Happy Feet e o premiado documentário A Marcha dos Pinguins corre risco de ser extinto se o aquecimento global continuar no ritmo descrito no mais recente relatório de mudanças climáticas da ONU.
De acordo com estudo publicado no periódico científico Global Change Biology, quase todas as colônias de imperadores estão fadadas a desaparecer até o fim deste século, sendo que 70% delas já estão em perigo iminente. Esses números, compilados pelo Instituto Oceanográfico de Woods Hole, nos Estados Unidos, levam em conta a tendência de aumento de temperatura e o colapso ambiental provocado por ela. A conclusão é que o hábitat dos imperadores está diminuindo em área em um processo aparentemente irreversível de degelo. Em 2016, por exemplo, uma colônia na Baía Halley sentiu a mão pesada do termômetro quando a plataforma de gelo marinho em que os pinguins viviam derreteu e rachou antes que as crias tivessem tempo de desenvolver penas à prova d’água. O saldo da tragédia: 10 000 filhotes morreram afogados. “Os pinguins-imperadores, como muitas espécies na Terra, enfrentam um futuro climático muito difícil”, diz Stephanie Jenouvrier, especialista que organizou o trabalho.
Maior e mais pesado entre as dezoito espécies de pinguins conhecidas, o imperador pode chegar a 1,2 metro de altura e até 40 quilos. A plumagem, que lembra um traje black tie, é em grande parte branca na frente e cinza azulada atrás, com cabeça e barbatana pretas e eventuais sinais de laranja e amarelo ao redor dos ouvidos. Ele tem de duas a quatro camadas de penas que se assemelham a escamas, bico fino, nadadeiras curtas e uma reserva substancial de gordura por todo o corpo — sem a qual a sobrevivência em lugares tão inóspitos seria impossível. Quando não está circulando nas plataformas de gelo conhecidas como banquisas, o pinguim se lança ao mar em busca de peixes pequenos, lulas e krill, um tipo de camarão minúsculo também muito apreciado pelas baleias. Apesar do nome, os imperadores não estão no topo da cadeira alimentar e precisam driblar seus predadores naturais na água para sobreviver, mergulhando e retornando rápido para a segurança das banquisas. “Conforme os blocos vão derretendo, adultos e filhotes ficam mais expostos a focas, leões-marinhos e orcas”, disse a VEJA o oceanógrafo Edison Barbieri, do Instituto de Pesca do Estado de São Paulo.
Vulneráveis às mudanças climáticas assim como são os ursos no Ártico, os imperadores dependem do gelo marinho estável para atividades vitais, como procriação, alimentação e troca de penas. Por esse motivo, diante da deterioração das plataformas, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos propõe incluir o imperador na lista de espécies ameaçadas, moção que, assim que aprovada, fixará a proibição da captura do animal, além de impor restrições à pesca na região. Mais importante, no entanto, é agir no sentido de despoluir os mares e reduzir a emissão de gases de efeito estufa que aquecem o planeta, a fim de tornar o meio ambiente habitável não apenas para os pinguins, mas para todas as formas de vida que correm risco de perecer, incluindo o próprio Homo sapiens. Como suposto “imperador” da Terra, o ser humano tem obrigação de pôr ordem na casa.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751