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Polônia revê sua posição na guerra, um sinal de alerta para a Ucrânia

Trata-se de indício de abalo no apoio incondicional de Europa e Estados Unidos a Kiev

Por Caio Saad Atualizado em 4 jun 2024, 09h49 - Publicado em 29 set 2023, 06h00

Desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, Vladimir Putin sonha com o momento em que a pétrea aliança ocidental em torno de Kiev, liderada pelos Estados Unidos, começaria a dar sinais de desgaste. Sendo ele dono e senhor inconteste da Rússia e dispondo de recursos infinitamente maiores, esse soluço seria, na sua avaliação, o começo do fim da tenaz resistência ucraniana. Trazida para a realidade, a relação de causa e efeito provavelmente será menos inexorável do que Putin desejaria. Mas que o abraço dos aliados afrouxou, afrouxou, quando a Polônia, parceira de primeira hora, anunciou quase simultaneamente a proibição da importação de grãos vindos da Ucrânia, uma fonte de renda crucial para o país, e a suspensão do envio de armas para seu Exército. “Nossa preocupação agora é repor nosso arsenal com armamentos mais modernos”, justificou o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki. A reação imediata do bloco pró-Kiev foi botar panos quentes, atribuindo as medidas a questões pontuais, mas o fato é que o presidente Volodymyr Zelensky começa a ter mais trabalho para garantir o apoio incondicional de que dispôs até agora.

A origem da rixa está na competição de preços de cereais, afetada pela entrada no mercado polonês dos produtos ucranianos mais fartos e baratos — uma briga que se repete na Hungria e na Eslováquia. A União Europeia, acatando a preocupação dos três países, havia determinado que o corredor permaneceria aberto, mas sem vendas para eles. Agora, suspendeu a proteção e a Polônia decidiu desafiar a decisão. Tentando acalmar os ânimos, o presidente Andrzej Duda afirmou que a produção da Ucrânia poderá seguir passando — sem parar — pelo território polonês.

COMPETIÇÃO - Colheita na Polônia: a chegada de cereais da Ucrânia derrubou os preços
COMPETIÇÃO - Colheita na Polônia: a chegada de cereais da Ucrânia derrubou os preços (B. Sadowski/Bloomberg/Getty Images)

Essa rota de exportação era insignificante antes da guerra, quando o grosso da produção ucraniana de trigo e outros grãos — uma das maiores do planeta, na faixa de 55 milhões de toneladas anuais — ia para África e Oriente Médio a partir de portos no Mar Negro. Quando a Marinha russa bloqueou essa via (e vem sendo alvo de constantes ataques de drones ucranianos), os produtores passaram a escoar sua produção pelo Rio Danúbio e a fechar contratos que, para desgosto dos agricultores locais, derrubaram os preços na Europa Oriental. “A disputa com a Polônia é só o começo de possíveis problemas no futuro, sobretudo na sensível política agrícola da União Europeia”, diz Stefan Wolff, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e pesquisador de guerras e relações no âmbito da UE.

A Polônia, ela mesma sempre atormentada pela ameaça de uma interferência russa, foi aliada crucial da vizinha Ucrânia logo após a invasão. Desde o primeiro dia, manteve aberto um corredor por onde, por um lado, escapou boa parte das 6 milhões de pessoas que fugiram da guerra (1,5 milhão delas foram acolhidas no país) e, de outro, entraram armas, munição e treinamento para a nação invadida. Do próprio arsenal polonês saiu o equivalente a 3 bilhões de dólares em tanques, caças e outros artefatos especialmente bem recebidos por serem de fabricação soviética, com a qual os ucranianos estavam familiarizados.

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DIFICULDADES - Zelensky na ONU: apelo renovado por apoio mundial
DIFICULDADES - Zelensky na ONU: apelo renovado por apoio mundial (Timothy A. Clary/AFP)

Passados vinte meses, porém o apoio tanto do governo ultra nacionalista quanto da população, que nunca viu estrangeiros com bons olhos, parece estar se esgarçando — situação agravada pela eleição para o Parlamento, em 15 de outubro. Segundo as pesquisas, o partido governista Lei e Justiça (PiS) tem 38% das preferências e precisa do apoio dos produtores rurais, parcela motivada e atuante do eleitorado. “Conquistar os votos deles é essencial para que o PiS tenha chance de se manter no poder”, diz Maciej Onasz, professor da Universidade de Lodz. Ecoando o sentimento popular, um comício recente da ultradireitista Confederação, legenda nanica que pode se tornar fiel da balança no novo Parlamento, lançou duras críticas aos gastos da Polônia com a guerra, em meio a cartazes proclamando: “Pagamento: zero. Gratidão: nenhuma”.

Zelensky tratou com ironia as queixas de ingratidão e qualificou as medidas polonesas de “teatro político” do qual Putin será o maior beneficiário. Ele vem de uma viagem difícil aos Esta­dos Unidos, onde não teve a re­cepção triunfal do passado nem na Assem­bleia Geral da ONU, nem no Congresso americano. Nas Nações Unidas, não demoveu de sua posição em cima do muro os países do chamado Sul Global, onde se situa o Brasil. Na Câmara de Representantes, atualmente refém de um grupo de trumpistas-raiz que ameaça (de novo) bloquear recursos para o governo se ele não cortar gastos, aí incluídos 12 bilhões de dólares de ajuda militar à Ucrânia, não foi convidado a falar ao plenário. Da Casa Branca, saiu com o renovado compromisso do presidente Joe Biden de total apoio e um vale-consolação de 225 milhões de dólares. Mas se a contraofensiva militar ucraniana em curso não apresentar resultado significativo, pode ser que o pior — a confirmação das esperanças de Putin — comece a acontecer.

Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861

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