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Por que explodiu a procura por imóveis em Portugal, elevando as cifras

Lisboa passou a ocupar o pódio de aluguel mais caro da Europa

Por Paula Freitas Atualizado em 4 jun 2024, 09h36 - Publicado em 4 fev 2024, 08h00

Com a população caminhando sobre a inexorável trilha do envelhecimento, as engrenagens da economia produzindo novas vagas e escassez local de mão de obra qualificada, Portugal pôs-se a flexibilizar regras para incentivar o afluxo de imigrantes. E eles vieram aos montes: atualmente são quase 800 000 residindo oficialmente no país, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Sem precedentes, o número é encabeçado por brasileiros e ingleses, que começaram a maciçamente aportar na paisagem na última década, atraídos pelo bom padrão dos serviços a preços mais razoáveis do que no restante da Europa, tudo sob um clima ameno e propício a uma vida rica em cultura e adoçadas iguarias. Pois essa equação, que encantou tantos forasteiros, já não é mais a mesma. Afinal, os recém-chegados precisavam de um teto para morar, e a procura disparou num ritmo nem de longe acompanhado pelo vagaroso avanço de novos imóveis, desencadeando uma espiral de alta de preços como nunca se viu.

E eis que, em meio a cidades europeias sabidamente muito caras, como Paris e Amsterdã, a capital Lisboa bateu pela primeira vez um recorde nas cifras do aluguel: em nenhum outro canto do Velho Continente elas estão tão salgadas — em média, 2 500 euros mensais, o equivalente a 13 000 reais, 50% mais do que cinco anos atrás, de acordo com levantamento da multinacional HousingAnywhere (veja no quadro). Enquanto isso, as cifras dobraram para a compra, a ponto de os lisboetas empunharem um troféu que ninguém quer: o de vice-campeões em apartamentos e casas exorbitantes, perdendo apenas para a Cidade Luz e superando Milão. Na clientela de todas as nacionalidades, aliás, os brasileiros formam o mais expressivo contingente dos interessados em arrematar imóveis, seguidos de chineses que miram investir. “A intensa chegada de imigrantes foi um fator decisivo para essa inacreditável inflação no setor imobiliário português”, diz Vitor de Piere, especialista em relações internacionais e em turismo.

LONGE DO CENTRO - Ao se mudar para Portugal, o carioca Ricardo Gomes, 43 anos, logo viu que Lisboa não caberia em seu bolso. Hoje, mora com a mulher, Elaine, e a filha Eva nas cercanias. “Foi dureza achar casa”, diz ele
LONGE DO CENTRO – Ao se mudar para Portugal, o carioca Ricardo Guedes, 43 anos, logo viu que Lisboa não caberia em seu bolso. Hoje, mora com a mulher, Elaine, e a filha Eva nas cercanias. “Foi dureza achar casa”, diz ele (./Arquivo pessoal)

Diante dos valores ascendentes, muita gente tem caçado oportunidades nas cercanias dos maiores centros urbanos ou em cidades menores e mais distantes. E dá-lhe boca a boca, já que nem sempre as grandes imobiliárias conseguem garimpar um bom custo-benefício nesse mercado em que a quantidade de espaços disponíveis atingiu o pior nível em quinze anos. Quando decidiu se mudar para Portugal, ambicionando maior segurança, o especialista em marketing carioca Ricardo Guedes, 43 anos, iniciou seu périplo em busca de um lar e logo concluiu: Lisboa não cabia em seu bolso. Foi parar então em Almada, a 12 quilômetros do burburinho da capital, onde está com a esposa, Elaine, 45, e a filha Eva, 21. Como outros que vêm de fora, ele sentiu que isso atrapalhava. “O fato de um amigo, antigo vizinho, ter nos indicado para um aluguel ajudou muito”, conta.

Para tentar lidar com o enrosco, o governo pôs fim ao Golden Visa, que concedia direito de residência e cidadania a quem investisse no país, e extinguiu o programa de incentivo fiscal para estrangeiros. Em paralelo, passou a tesoura nos aluguéis para turistas, impulsionados por plataformas como o Airbnb, vetando a emissão de novas licenças e taxando as já concedidas. A ideia é que sobrem mais metros quadrados para residentes. Os preços, porém, continuam escalando — em janeiro, o governo deu sinal verde para um reajuste de 6,9%, o maior em três décadas. “Esse cenário é resultado dos estímulos ao turismo e à atração de imigrantes, políticas de grande sucesso que, infelizmente, não vieram aliadas à construção de moradias”, explica o economista Igor Lucena, da Associação Portuguesa de Ciência Política. Ainda nos tempos da campanha, o ex-primeiro-ministro António Costa, que renunciou há três meses por enredar-se em um caso de corrupção, prometeu erguer quase 30 000 novos domicílios, mas entregou apenas 7 000 — pepino que recairá sobre o colo do sucessor, cujo nome será escolhido em março.

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Paliativos recentes, como auxílio do governo àqueles que ganham salários mais baixos e alívio nos impostos, não são capazes de frear as variadas consequências dos inflados preços imobiliários no cotidiano. Os efeitos se fazem sentir por todos os estratos sociais, a começar pelas camadas mais pobres — a população de rua gira agora em torno de 10 000 pessoas. Já na classe média se delineia uma visível mudança de cunho demográfico, com filhos estendendo cada vez mais sua estada na casa dos pais: a chamada geração canguru chegou a 70% dos jovens em 2022, segundo a OCDE, o grupo dos países mais ricos. Um ano atrás, eram 56%.

Um outro desdobramento do encarecimento de moradia é visto no tamanho das famílias. “As pessoas estão pensando duas vezes antes de ter filhos”, relata o deputado Vasco Barata, porta-voz da organização Casa para Viver, que briga por normas que amenizem o peso do aluguel no orçamento. Não é raro ver por lá situações como a do auxiliar administrativo português Tomás Figueira, 25 anos, que se mudou de um apartamento no Porto para um imóvel que exigia profundas melhorias. “Minha sorte é que entendo disso. Trabalho justamente em uma empresa especializada em reforma”, diz ele, que observa os amigos enveredando pela mesma toada para não drenar o salário. Mas que terrinha cara, ora pois.

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878

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