Ensaiando de forma desajeitada passos de uma dança tradicional e com uma espada na mão, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, marcou em 2017 sua primeira visita ao exterior como líder. O encontro na Arábia Saudita abriu a porta para a forte aliança que seu governo passaria a ter com as monarquias árabes do Golfo, ante o que classificam como a ameaça do Irã.
Mais de três anos depois, os governantes destes países continuam apoiando o aliado de Washington, em disputa pelo segundo mandato que, a princípio, poderia ajudar a consolidar o isolamento do Irã na região e impulsionar Israel.
Os laços estreitos que o empresário republicano possui com os líderes do Golfo contrastam com as relações, bem mais frias, de seu antecessor, Barack Obama. O acordo sobre o programa nuclear iraniano, defendido pelo democrata, provocou forte consternação na Arábia Saudita – grande rival de Teerã – e em alguns países vizinhos.
“A histórica visita de maio de 2017 (a Riad) marcou o início de uma relação excepcional com um presidente americano e abriu muitas portas”, disse à agência AFP uma autoridade do Golfo, que pediu anonimato.
“Os dirigentes daqui gostariam, com certeza, que as portas continuassem abertas, mas não são cegos e já estão em preparação para outro cenário”, completa, em referência à possibilidade de vitória do ex-vice-presidente Joe Biden nas eleições de 3 de novembro.
Em um contexto e cenário mais amplo, envolvendo todo o Oriente Médio, Biden tem o importante apoio de ex-embaixadores americanos na região. Nesta semana, 33 ex-embaixadores assinaram uma carta endossando o candidato. Segundo eles, os EUA “perderam a confiança e amizade de muitos países, alienaram aliados próximos, deram força a adversários” durante o governo Trump.
Segundo o Monitor do Oriente Médio, uma organização sem fins lucrativos, os signatários também expressaram confiança de que Biden pode reverter os danos causados, além de “avançar os interesses de segurança nacional da América, promover o estado de direito e proteger minorias e direitos humanos”.
Os ex-diplomatas acreditam ainda que o democrata, caso eleito, poderia colocar fim no envolvimento da coalizão formada por Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos na guerra civil do Iêmen.
Pouco convencional
Trump foi recebido como um herói em Riad, onde foi condecorado com a maior honraria saudita, atacou o Irã e não pronunciou uma palavra sobre a situação dos direitos humanos no reino, alvo de investigações de entidades e críticas internacionais.
A estratégia pouco convencional e impulsiva transformou o panorama regional. Trump retirou Washington do acordo sobre o programa nuclear com Teerã assinado em 2015, ordenou o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani no Iraque, transferiu a embaixada americana em Israel para Jerusalém e decidiu reduzir a presença militar americana na região.
O republicano ainda delegou a questão do Oriente Médio a seu genro, Jared Kushner, um novato na diplomacia que estabeleceu relações pessoais com os governantes do Golfo, incluindo o príncipe herdeiro saudita, Mohamed bin Salman, conhecido como MBS.
Depois do assassinato em 2018 do jornalista saudita Jamal Khashoggi, pelo qual MBS foi acusado de ter ordenado o crime, a Casa Branca bloqueou as resoluções do Congresso que abordavam a questão. “Eu o salvei”, declarou Trump a respeito do príncipe herdeiro.
“Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos compartilham a sensação de que a administração Obama abandonou seus aliados tradicionais do Golfo”, recordou Elham Fakhro, especialista em Golfo do International Crisis Group. “A Arábia Saudita melhorou consideravelmente as relações com a administração Trump, em parte graças à decisão desta última de impor a campanha de pressão máxima sobre o Irã e seu setor petroleiro”, destaca.
Além disso, Trump marcou pontos importantes ao mediar os acordos de normalização de relações entre Emirados e Israel e entre Bahrein e Israel, assinados em 15 de setembro na Casa Branca. Os acordos, que deram a Israel um ponto de apoio sem precedentes no Golfo, foram considerados pelos analistas como um apoio a Trump para um segundo mandato.
Riad e Abu Dhabi estão preocupados com a possível “retirada de sanções contra o Irã”, que poderia acontecer em caso de vitória dos democratas, segundo Fakhro. Além disso, o presidente Trump está “mais disposto a que as vendas de armas para estes Estados aconteçam de maneira mais rápida”, e é pouco provável que uma administração Joe Biden faça o mesmo, opina.
O Golfo se prepara, no entanto, para um eventual retorno dos democratas ao poder, que poderiam levar o Irã de volta à mesa de negociações e adotar uma retórica mais voluntarista sobre os direitos humanos.