Qual a origem da obsessão de Trump com a Groenlândia?
'Vamos ter que tê-la', reiterou o presidente dos EUA antes de viagem de autoridades americanas ao território semiautônomo dinamarquês

Desde que voltou ao poder em janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem insistido num projeto absurdo de tornar a Groenlândia, um território autogovernado da Dinamarca, parte de seu país, recusando-se a descartar o uso da força para tornar seu desejo realidade. Na quarta-feira 26, ele intensificou a retórica pouco antes de seu vice-presidente, J.D. Vance, embarcar rumo à ilha no Ártico para uma visita que o governo local chamou de “agressiva”.
“Precisamos da Groenlândia para a segurança internacional. Precisamos dela. Temos que tê-la”, disse Trump em entrevista ao podcast de Vince Coglianese. “Odeio colocar dessa forma, mas vamos ter que tê-la.”
Usha Vance, esposa do vice, e Michael Waltz, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, também fazem parte da delegação que visitará a ilha. A segunda-dama deve fazer uma série de paradas culturais após sua chegada nesta quinta-feira, separada de Waltz. O conselheiro viajou ao Ártico no início da semana, acompanhado do secretário de Energia dos Estados Unidos, Chris Wright, de olho nas terras-raras e outros recursos da região.
A ideia da aquisição americana é rejeitada pela maioria dos groenlandeses. A maioria das autoridades locais vem tentando andar na linha tênue, reiterando seu senso de soberania enquanto evitam antagonizar Trump, mas a Dinamarca subiu o tom e condenou, nesta quinta-feira, a “escalada de pressão” de Washington para tomar o território.
Projeto antigo
Esta não é a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos se interessa pela Groenlândia, que está numa região considerada importante. Na década de 1860, Washington comprou o Alasca da Rússia. E a maior ilha do mundo era vista como o próximo grande território na lista de expansões americanas.
Por um tempo, o projeto morreu, mas em 1910, os Estados Unidos retomaram um plano para adquirir a Groenlândia por meio de uma troca de diferentes ilhas. Também não chegou a lugar nenhum. E então, na II Guerra Mundial, a Alemanha nazista tomou a Dinamarca como parte de sua expansão pela Europa continental. Washington ficou preocupada que pudesse haver uma incursão nazista na Groenlândia, como uma espécie de trampolim em direção aos Estados Unidos.
A partir daquele momento, bases militares americanas foram estabelecidas ao redor da Groenlândia, e depois da guerra, o governo chegou a oferecer US$ 100 milhões em ouro para a Dinamarca, que havia sido destruída pela II Guerra Mundial, em troca do território. Mas os dinamarqueses não demonstraram interesse.
O assunto voltou a ficar dormente por décadas, em especial depois que a Groenlândia deixou de ser colônia dinamarquesa em 1953, efetivamente tornando-se parte do território da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos da qual a Dinamarca faz parte. Isso até Donald Trump, durante seu primeiro mandato, retomar a ideia.
Ele montou uma pequena equipe para trabalhar nisso, e várias reuniões entre autoridades americanas e dinamarquesas foram conduzidas para discutir uma compra. Tudo em segredo, inicialmente, até a história vazar para a imprensa. Na época, foi encarada quase como piada, mas em seu segundo mandato, Trump mostra que estava falando sério.
Tesouros no Ártico
Quando Trump começou a falar sobre a Groenlândia, para muita gente soou não só como um capricho aleatório, mas também ultrajante. Mas há algumas razões estratégicas por trás da história.
A vasta ilha, com uma população de apenas 57 mil habitantes, foi pega no fogo cruzado de uma corrida geopolítica pelo domínio no Ártico, onde o derretimento das calotas polares está tornando seus recursos (minerais, petróleo e gás) mais acessíveis, além de abrir novas rotas mais rápidas de navegação. Tanto a Rússia quanto a China intensificaram a atividade militar na região, também disputada por potências europeias, Canadá e Estados Unidos.
O derretimento do gelo pode abrir três rotas marítimas. A primeira, conhecida como Rota do Mar do Norte (NSR), abraça a costa russa para conectar o Mar de Barents com o Estreito de Bering. Uma segunda, apelidada de Passagem do Noroeste (NWP), corre ao longo da costa do Ártico da América do Norte, do Mar de Beaufort até a Baía de Baffin. Por último, vem a Rota do Mar Transpolar (TSR), que passa pelo Polo Norte.
Todos os três caminhos poderiam encurtar viagens entre Ásia, América do Norte e Europa, que respondem pela maior parte do transporte marítimo do mundo, economizando combustível e salários. Eles também poderiam evitar pontos de estrangulamento como os canais do Panamá e de Suez, que são movimentados, cobram taxas e, no caso de Suez, fazem ligação com águas perigosas. A NSR é a rota mais promissora: as seções são navegáveis o ano todo, embora com a ajuda de uma escolta de quebra-gelo, e o tráfego está aumentando (um recorde de 92 navios navegaram por lá no ano passado, ante dezenove em 2016).
Além disso, outro prêmio do Ártico diz respeito às commodities. Acredita-se que a região detém 13% do petróleo não descoberto do mundo e 30% do gás natural não explorado. Mas o tesouro verdadeiro são os minerais “verdes”, que o aquecimento global está tornando mais acessíveis. Eles incluem cobalto, grafite, lítio e níquel, ingredientes importantes em baterias de carros elétricos; zinco, usado em painéis solares e turbinas eólicas; cobre, necessário para todos os tipos de coisas elétricas; e terras raras, cruciais para muitos tipos de equipamentos verdes e militares. Metais de nicho, incluindo titânio, tungstênio e vanádio, usados para fazer “superligas”, também são valorizados.
A Groenlândia é especialmente bem abastecida nesse quesito. A ilha tem reservas de 43 dos 50 minerais considerados “críticos” pelo governo americano. Suas terras-raras conhecidas somam 42 milhões de toneladas, cerca de 120 vezes mais do que o mundo inteiro minerou em 2023.
Status da ilha
A Groenlândia é uma antiga colônia dinamarquesa e é um território desde 1953. A ilha ganhou alguma autonomia em 1979, quando seu primeiro parlamento foi formado, mas Copenhague ainda controla relações exteriores, defesa e política monetária e fornece quase US$ 1 bilhão por ano para sua economia.
Em 2009, seus moradores ganharam o direito de declarar independência total por meio de um referendo, mas ainda há muita preocupação de que os padrões de vida cairiam sem o apoio econômico da Dinamarca.
As referências de Trump sobre tomar a Groenlândia fazem parte de uma mentalidade expansionista em seu segundo mandato, que também mirou no Canadá e no Canal do Panamá.