Quebra-cabeça de novo governo na Itália é dor de cabeça para UE
Constituição prevê que maior coalizão tenha prioridade na formação de um governo; partidos mais votados são preteridos pela regra
As negociações para a formação de um novo governo na Itália colocam a terceira maior economia da zona do euro em um mar de incertezas. O complexo sistema eleitoral, que favorece a formação de coalizões, precisará absorver a nova realidade: o domínio do bipartidarismo perdeu a validade. Cabe agora ao presidente Sergio Mattarella solicitar aos líderes da maior coligação, a centro-direita, que tentem formar um novo gabinete.
“O sistema não está desenhado para recompensar os partidos mais votados neste pleito, que são o Movimento Cinco Estrelas (M5S) e a Liga. Mas tudo pode mudar, especialmente se as coalizões forem quebradas e surgirem novas alianças”, diz a VEJA o economista Filippo Taddei, diretor do programa de Risco Global da Universidade Johns Hopkins (SAIS) em Bolonha, que serviu como assessor econômico no governo do Partido Democrata até abril de 2017.
A votação de domingo, 4, confirmou a rejeição aos partidos tradicionais e solidificou a ascensão do M5S, fundado pelo comediante Beppe Grillo há nove anos, com ideais antissistema e propostas descoladas da realidade. O partido obteve o maior número de votos, com 32% de apoio popular, e é liderado pelo inexperiente Luigi de Maio, de 31 anos.
O outro grande vencedor do pleito foi a Liga, legenda de extrema direita que simpatiza com o francês Frente Nacional, de Marine Le Pen, e Donald Trump. O partido é liderado por Matteo Salvini, de 44 anos, e foi o mais votado na coalizão de centro-direita que soma 37% dos votos. Já Silvio Berlusconi, que era apontado como o mais poderoso da coalização, deverá se contentar em ser um parceiro de menor importância.
Tanto a Liga quanto o M5S pretendem abandonar o apoio aos imigrantes e questionam os benefícios da União Europeia. “Como o mais provável é um prolongado período de incerteza política, é mais fácil que os partidos mostrem serviço com medidas simbólicas e baratas, como a rejeição aos imigrantes”, diz Taddei.
Cenários
Há pelo menos cinco cenários possíveis para os próximos meses e poucos devem tranquilizar os mercados ou os parceiros europeus da Itália.
No primeiro, os verdadeiros vencedores do pleito, a Liga e o M5S, concordam na formação de um governo. Isso requer que ambos abram mão de muitos dos itens de suas campanhas, uma vez que a Liga tem maior suporte nas regiões do norte do país, de direita, enquanto o M5S prevalece no sul. Outras disputas pelo poder entre os partidos podem agravar as divergências. Tanto Salvini quanto Luigi de Maio reclamarão protagonismo. Este cenário, que reúne os dois partidos antissistema, seria o pior para os mercados. Contudo, refletiriam em boa medida a temperatura do sentimento italiano em relação aos partidos tradicionais, à imigração e à União Europeia.
“As reformas econômicas exigidas pela União Europeia devem ficar ainda mais distantes e a pressão de Bruxelas será usada pelos populistas para ganhar legitimidade”, diz o cientista político Erik Jones, diretor da faculdade de estudos europeus da Universidade Johns Hopkins (SAIS).
Em um segundo cenário, a centro-direita consegue formar um governo aliado a partidos menores. As projeções dão entre 247 e 257 assentos na Câmara (são necessários 316 para obter maioria) e entre 128 e 140 no senado (onde 158 compõem o grupo majoritário). Neste caso, Salvini teria chances de se tornar primeiro-ministro e ser um parceiro difícil para Bruxelas.
As outras alternativas seriam um governo de partidos de esquerda aliados ao M5S. A renúncia do ex-primeiro ministro Matteo Renzi, que liderava o Partido Democrata, pode facilitar esse processo. Renzi havia defendido que a legenda permanecesse na oposição.
O presidente italiano tem ainda autoridade para estabelecer um governo temporário que evite a paralisia completa do Executivo, bem como a formação de uma grande coalizão ao estilo alemão, que permitiu a permanência de Angela Merkel no governo. Contudo, ainda que a centro-direita e a centro-esquerda se aliem, não teriam maioria, fazendo com que novas eleições, em um relativo curto período de tempo, não possam ser descartadas.