Há pouco tempo, o jovem político Juan Guaidó, de 35 anos, era um desconhecido da comunidade internacional. No dia último dia 11, ao proclamar-se presidente interino da Venezuela, o líder da apagada Assembleia Nacional chamou a atenção internacional e angariou simpatia e apoio. Mas na quarta-feira 23, ao fazer seu juramento como sucessor de Nicolás Maduro, Guaidó foi reconhecido como legítimo ocupante do posto máximo do executivo venezuelano pelos Estados Unidos, União Europeia e mais sete países.
Pela primeira vez, desde 2014, a chance de derrocada do regime de Maduro surge amparada na movimentação da população venezuelana em favor de Guaidó, expressa nas manifestações em Caracas e em 23 estados na quarta-feira, e no apoio internacional.
“Hoje, 23 de janeiro de 2019, na minha condição de presidente da Assembleia Nacional, juro diante de Deus todo poderoso, da Venezuela e dos colegas deputados assumir formalmente as competências do Executivo Nacional como presidente interino da Venezuela”. jurou Guaidó ao se declarar presidente interino aos manifestantes da capital.
Criado em La Guaira, cidade portuária a 32 quilômetros de capital Caracas, o venezuelano terminou há pouco seu primeiro mandato como congressista, iniciado em 2015. Em 5 de janeiro, foi empossado como presidente da Assembleia Nacional e seis dias depois, já se declarava presidente interino da nação, amparado no artigo 333 da Constituição venezuelana.
Sua iniciativa acabou com o papel neutra da Assembleia Nacional, de maioria da oposição, que desde 2017 perdera a sua autoridade oficial e atribuições, transferidas para a Assembleia Constituinte, eleita por determinação de Maduro e exclusivamente ocupada por seus apoiadores. Perdida em meio a perseguições e a conflitos internos, a oposição se enfraqueceu e facilitou a continuidade do governo bolivariano.
Guaidó insistiu em não mais se conformar com o regime autoritário de Maduro, que levou o país a crises econômica e humanitária sem precedentes na América do Sul, e vem convocando o povo venezuelano a tomar novamente as ruas para pedir a renúncia do ditador e a realização de novas eleições.
Na segunda-feira 21, em breve ato de resistência, militares do Exército já haviam se rebelado em Caracas. Mas acabaram presos, e o caso foi denunciado por Maduro ora como uma interferência dos Estados Unidos, ora como uma traição da oposição.
O presidente da Assembleia Nacional segue os passos de seu mentor, Leopoldo López, que também ascendeu precocemente à liderança da oposição em 2013. Fundador do partido Vontade Popular, principal legenda da oposição, à qual Guaidó é filiado, López comandou as manifestações de 2014. Mas acabou preso e sentenciado a mais de 13 anos de prisão sob a acusação de ser responsável por mortes ocorridas durante os protestos. Atualmente, está em prisão domiciliar.
Guaidó e López se encontraram nos protestos de 2007 contra o então presidente Hugo Chávez. Naquela época, o atual presidente interino como líder estudantil. Na época, o governo havia acabado de fechar a emissora de televisão mais antiga do país, em uma guerra contra a imprensa, e tentava aprovar emendas para concentrar mais poder nas mãos de Chávez.
Submetidas a um referendo nacional, as propostas causaram a única derrota de Chávez durante seus 14 anos de presidência e serviram de combustível para a oposição. Guaidó construiu seus 12 anos de vida pública sobre um discurso em favor da redemocratização do país, da economia de mercado e da autonomia fiscal para os governos regionais.
A oposição venezuelana acredita que sua ascensão tem potencial para derrubar Maduro e colocar o país novamente na via democrática. A mulher de López, Lilian Tintori, definiu Guaidó como “um trabalhador, humilde e que pode nos unir”. Mas ela destaca o risco iminente de uma repressão violenta. “Eles (o governo de Maduro) podem fazer a Juan o mesmo que fizeram a Leopoldo: colocá-lo na cadeia.”
No dia 13 de janeiro deste ano, Guaidó já foi brevemente detido por membros da temida Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin), dois dias depois de declarar-se pela primeira vez como presidente interino. O governo alegou que a prisão fora feita por agentes insubordinados, sem ordens superiores. Guaidó afirmou que os agentes que o prenderam pareceram simpáticos à oposição.
“Ele foi incrivelmente corajoso e agora corre o risco de ser preso, torturado ou ter que ir para o exílio”, disse David Smolansky, um dos líderes da oposição venezuelana, que foi forçado a sair do país e agora vive nos Estados Unidos. “Mas de qualquer forma, ele decidiu ir em frente. Ele é parte da minha geração, uma geração destemida que cresceu sob uma ditadura.”
Entrevistada depois da detenção, a mãe de Guaidó, Norka del Valle Márquez, disse que a postura crítica do filho a deixava preocupada sobre seu bem-estar. “Se eu tenho medo? Claro. Mas têm sido anos difíceis para Juan. Ele nunca quis deixar este país. Ele tem suas raízes aqui”, afirmou Márquez.
As adversidades não são um elemento inédito na vida de Guaidó. Sua família sobreviveu a um deslizamento de terra que matou cerca de 30.000 pessoas em sua terra natal. Ele já relatou que carrega cicatrizes de balas de borracha no pescoço, as marcas da repressão contra os manifestantes em 2007. Na quarta-feira, em discurso à multidão que protestava em Caracas, ele reiterou estar dando um passo potencialmente perigoso, mas importante.
“Nós sabemos que isso terá consequências e, para podermos terminar esta tarefa e reestabelecer a Constituição, nós precisamos de um acordo entre todos os venezuelanos”, disse, destacando a importância de um consenso popular sobre a mudança do governo.
Para Maduro, seus opositores são “menininhos” e peões do governo de Donald Trump. Antes, no dia 11 da janeiro, quando Guaidó anunciou sua intenção de ser presidente interino, María Iris Varela Rangel, figura importante do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), ameaçou o político em seu perfil no Twitter.
“Já tenho sua cela pronta com o uniforme certo e espero que você nomeie seu gabinete rápido para saber quem vai te fazer companhia, sua criança estúpida.”
Autoridades estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos, enxergam a idade e as origens humildes de Guaidó como vantagens do governo transitório. Filho de um taxista, que continua dirigindo para se sustentar, o presidente interino contrasta com as lideranças oposicionistas tachadas como “oligarcas” por Maduro.
Depois de se formar em engenharia industrial, Guaidó recebeu uma oferta de emprego no setor privado que o obrigaria a se mudar para o México. Mas segundo Juan Carlos Michinel, um amigo do político, ele recusou a vaga pois “queria começar a mudança” em seu país. Com um gosto por dançar em público e discursar ao ar livre, ele tende a ser o novo nome da renovação ambicionada em muitas nações da América Latina.
“O povo tem se frustrado com a oposição e se cansou dos velhos rostos dos políticos da velha ordem, que falharam”, disse Margarita López Maya, cientista política da Universidade Central da Venezuela, ao jornal The New York Times.
Agora, Guaidó pede apoio da comunidade internacional para se manter no poder paralelo ao de Maduro e para evitar outras retaliações do Palácio de Miraflores. Maduro assumiu um novo mandato de seis anos no último dia 10 de janeiro, com base na sua vitória nas eleições fraudulentas de maio de 2018, e ainda mantém o apoio das Forças Armadas e da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), além do controle sobre o Judiciário e a Assembleia Constituinte.
“O relacionamento entre a Venezuela e seu estado, hoje, é de terror. Quando isso acontece, as vozes e esperanças do mundo, suas mensagens, são o que encorajam a resistência diária aos problemas – o sonho de uma democracia, e de um país melhor”, afirmou Guaidó.