Síria retira tropas do sul após dias de conflito com minoria, que atraiu ataques de Israel
Governo sírio anunciou novo cessar-fogo com os drusos, uma minoria árabe, após intervenção dos EUA e bombardeios israelenses à capital, Damasco

O governo da Síria afirmou nesta quinta-feira, 17, que seu Exército se retirou de Suweida, uma cidade no sul do país que viu, nos últimos dias, confrontos intensos entre os drusos, uma minoria árabe, tribos beduínas e as forças governamentais – que desencadearam ações militares de Israel.
Depois do governo anunciar um novo cessar-fogo na região, o presidente sírio, Ahmed al-Sharaa, que substituiu o longevo Bashar al-Assad após o grupo rebelde por ele liderado derrubar a ditadura, declarou que o país “não tem medo da guerra”. No entanto, disse que optou por colocar seu povo “acima do caos e da destruição”.
A trégua ocorreu após a intervenção dos Estados Unidos e ataques israelenses à capital síria, Damasco, que atingiram um quartel-general do Exército sírio e seu Ministério da Defesa. Tel Aviv justificou que estava agindo para proteger os drusos, uma ramificação do islamismo cujos seguidores estão espalhados pela Síria, Israel e Líbano.
Por enquanto, a trégua parece estar se mantendo, mas não está claro se, ou quanto, vai durar. Um acordo anterior, alcançado na segunda-feira 14, fracassou em apenas algumas horas. E desta vez, embora o cessar-fogo tenha sido costurado por representantes de todas as partes do conflito, um importante líder druso o rejeitou.
Segundo comunicado do governo sírio, sob o novo cessar-fogo, em paralelo à paralisação completa das operações militares, será formado um comitê de monitoramento com os líderes drusos e membros da comunidade, que vai liderar a segurança na província. Um líder espiritual druso que representa uma das facções em Suweida, Youssef Jarbou, confirmou o acordo. No entanto, Hikmat al-Hijri, um poderoso xeque druso, rejeitou a trégua, conclamando seus apoiadores a continuarem lutando.
Síria-Israel
Em discurso à nação transmitido pela TV na manhã desta quinta-feira, Sharaa pintou o seguinte cenário – a Síria tinha duas opções: “uma guerra aberta” com Israel “às custas de nossos cidadãos drusos”, ou permitir que os clérigos drusos “voltassem à razão e priorizassem o interesse nacional”. Ele também prometeu proteger os direitos da minoria árabe, que ainda nutre extrema desconfiança em relação ao novo governo da Síria (liderado por islâmicos).
A Síria informou na noite de quarta-feira que seu exército começou a retirada de Suweida, onde confrontos eclodiram no último fim de semana entre milícias drusas e tribos beduínas, levando as forças do governo a intervir. Um vídeo na TV síria mostrou o que parece ser um comboio de veículos militares saindo da cidade.
Mais cedo no mesmo dia, ataques aéreos israelenses contra a capital síria, Damasco, atingiram vários prédios do governo. Autoridades afirmaram que pelo menos três pessoas morreram. Um vídeo de um canal de TV sírio mostrou o prédio do Ministério da Defesa sendo atingido ao vivo, forçando o âncora a fugir do estúdio.
Em seu discurso, al-Sharaa acusou Israel de tentar dividir o povo sírio. “A entidade israelense, conhecida por suas repetidas tentativas de nos desestabilizar e semear a divisão, busca mais uma vez transformar nossa terra em um campo de batalha de caos e desmantelar a estrutura do nosso povo”, disparou.
Israel intensificou os ataques contra o país vizinho, apesar da pressão dos Estados Unidos, que têm tomado medidas para pôr fim ao isolamento internacional da Síria após a tomada do poder pelos rebeldes no fim do ano passado. O secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou na quarta-feira que o governo de Donald Trump se engajou com todas as partes no conflito para encerrar os confrontos.
“Concordamos com medidas específicas que porão fim a esta situação preocupante e terrível esta noite. Isso exigirá que todas as partes cumpram os compromissos assumidos e é isso que esperamos plenamente que façam”, escreveu Rubio no X, antigo Twitter. Ele descreveu a tensão entre Israel e a Síria como um “mal-entendido”.
Desafio para o novo governo
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma ONG com sede no Reino Unido, informou anteriormente que 116 pessoas foram mortas desde o início dos combates no domingo 13 — 64 drusos, incluindo quatro civis, e 52 membros das forças governamentais e tribos beduínas. O Ministério da Defesa listou 18 mortes entre militares.
O aumento da violência destaca um dos principais desafios de Ahmed al-Sharaa, que substituiu Bashar al-Assad após o grupo rebelde por ele liderado derrubar a ditadura. Seu passado causa reticência em grande parte da população, uma vez que esteve ligado à rede terrorista Al Qaeda. A pressão é alta para que ele prove que é capaz de governar uma democracia, e ele tem lutado para assumir o controle da área próxima à fronteira israelense.
Embora Sharaa tenha sido impulsionada pela rápida melhora dos laços com o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que retirou as sanções contra a Síria, a violência evidenciou tensões sectárias persistentes. A maior parte da população segue a vertente sunita do islã, defendida por Sharaa e suas forças, mas há diversas minorias, como alauítas, drusos e curdos.
A desconfiança entre grupos minoritários em relação ao seu governo persiste – desconfiança essa que foi aprofundada pelos assassinatos em massa de alauítas em março, que deixaram 1.600 mortos. A violência foi interpretada, em parte, como uma vingança, já que a família Assad é alauíta.
Há ainda a questão do que fazer com os curdos no norte do país. As forças curdas foram fundamentais no combate à ditadura de Assad e exigem que seu sacrifício seja recompensado com algum grau de autonomia, e existem negociações para incorporá-los ao Exército.
A expectativa é de que Sharaa altere o alinhamento internacional sírio e entre em algum tipo de acordo de normalização com Israel. Não deve ser nada fácil. Os dois países têm uma rivalidade histórica, incluindo a tomada israelense das Colinas de Golã na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Após a queda de Assad, Israel aproveitou para fazer mais de 700 ataques aéreos na Síria nos últimos meses e ocupou parte do território na fronteira.