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Soberana à moda antiga: não se fazem mais rainhas como Elizabeth II

No trono há setenta anos, ela dominou a arte de ser popular e querida sem perder um milímetro da majestade

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 11h51 - Publicado em 28 Maio 2022, 08h00
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  • Entra primeiro-ministro, sai primeiro-ministro, entra presidente, sai presidente, entra polêmica, sai polêmica, entra escândalo, sai escândalo, a terra treme sob o impacto da Guerra Fria, do 11 de Setembro, do #MeToo, do Brexit, das redes sociais — e lá está ela, imutável e intocável. Elizabeth II, a soberana do Reino Unido, 96 anos recém-completados, celebra setenta anos no trono — seu Jubileu de Platina — na condição não só de rainha mais longeva do planeta, mas também de última de sua estirpe. Depois dela, que monarca terá estatura, popularidade e confiança para passar a vida planando acima dos demais, isolada em magnífico esplendor, eventualmente honrando os comuns mortais com um sorriso, um aceno, uma palavra simpática — exatamente o que se espera de uma rainha, apesar de todos os sinais incompatíveis com os tempos atuais?

    POMPA - Coroação em 1953: ela já era rainha havia mais de um ano -
    POMPA - Coroação em 1953: ela já era rainha havia mais de um ano – (Universal Images Group/Getty Images)

    Em pleno século XXI, Elizabeth, graças justamente ao fato de ter passado incólume por um sem-número de baques, perrengues e reviravoltas, consegue continuar sendo uma soberana à moda antiga e essa permanência é o alicerce de sua aprovação geral e irrestrita. Quem vier depois dela será obrigado a dar um tom próprio e contemporâneo à função, com as cobranças e os escorregões que isso acarreta. “Cada reinado deve se adaptar à personalidade do rei e às condições culturais da época. A monarquia representa a tradição, mas ela tem de fazê-lo com o consentimento e o aplauso da população”, diz William Kuhn, historiador especializado em realeza. Em outras palavras: Charles, o herdeiro, vai ter de rodar muito o manto de arminho para se ajustar à sombra de Elizabeth.

    Os longuíssimos setenta anos de reinado da segunda era elizabetana se completaram em 6 de fevereiro, o dia em que, sete décadas atrás, o rei George VI morreu e sua filha mais velha herdou a coroa. Na época casada há cinco anos com o príncipe Philip, morto no ano passado, mãe de dois filhos (depois teria mais dois), a jovem Elizabeth viria a suplantar os dois recordistas recentes, a rainha Vitória (1819-1901) e o imperador Hirohito (1901-1989) do Japão — ambos reinaram por 63 anos. O Palácio de Buckingham reservou quatro dias para os festejos, de 2 a 5 de junho. A agenda do feriadão inclui o plantio de árvores em todo o país, o Queen’s Green Canopy, um concurso para eleger a melhor sobremesa criada para a ocasião e cerimônias para acender 1 500 fogueiras — sendo a principal a da Árvore das Árvores, escultura de 21 metros feita com 350 espécies nativas e postada em frente ao palácio. Enfrentando problemas de saúde, a rainha só vai confirmar na véspera a presença nos três eventos em que é esperada: a parada militar que culmina com a família real reunida no balcão principal de Buckingham, a missa de ação de graças na Catedral de St. Paul e a corrida de cavalos. No sábado 4, à noite, um show monumental no Hyde Park juntará uma legião de famosos. Já se sabe que Elizabeth não estará na carruagem dourada, ponto alto do desfile que encerra a festa no domingo.

    PARENTES SERPENTES - Harry (com a família), que saiu do palácio batendo a porta, e Andrew, amigo de um predador sexual: não faltou drama -
    PARENTES SERPENTES – Harry (com a família), que saiu do palácio batendo a porta, e Andrew, amigo de um predador sexual: não faltou drama – (instagram @meghanmarkle_official; Facundo Arrizabalaga/EFE)
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    Apesar do oba-oba, a organização do Jubileu pisa em ovos Fabergé. Desde que contraiu Covid-19, em fevereiro, Elizabeth diminuiu o ritmo dos compromissos, cancelou encontros e só aparece raramente, de bengala e caminhando com evidente dificuldade. Na tradicional exposição de flores que abre a primavera, circulou em um carrinho de golfe adaptado, imediatamente apelidado de “rainhamóvel”. A busca de meios de locomoção alternativos tem um motivo: embora se diga que use cadeira de rodas em casa, ela se recusa terminantemente a aparecer em público sentada em uma, traumatizada pelas últimas imagens da irmã, Margaret, enfraquecida e imobilizada. Também favorece ataques de nervos a presença confirmada da família radicada nos Estados Unidos: Harry, Meghan, Archie e a pequena Lilibeth, que nunca pisou em solo britânico. Eles não estarão no balcão do palácio, reservado aos “royals que desempenham uma função”, mas como serão recebidos, e como vão reagir, nas ocasiões a que vão comparecer? E a que distância será mantido Andrew, o tóxico terceiro filho, posto no ostracismo por sua ligação com a rede de abuso de menores do amigo americano Jeffrey Epstein? A rainha flana por esses potenciais constrangimentos com total aplomb. O resto da família, nem tanto.

    Elizabeth chega ao final de seu reinado com 84% de aprovação, segundo pesquisa do instituto YouGov, sem diploma universitário, sem instalar painéis solares nos palácios, sem optar por Rolls-Royces elétricos, sem conceder medalhas a minorias por serem minorias e sem emitir opinião sobre assunto algum, a não ser os óbvios — solidarizou-se com as vítimas da pandemia e emitiu sinais de apoio à Ucrânia, por exemplo. Situa-se assim a anos-luz de sua colega mais idosa, a rainha Margrethe II da Dinamarca, 82 anos — no trono há cinquenta, a despachada monarca que não dá bola para pompa e circunstância, é pintora que já teve quadros expostos, arqueóloga diletante que já participou de escavações, fez com que as orelhas palacianas ardessem quando manifestou restrições a imigrantes e, por cima de tudo, fuma como uma chaminé. De modo geral, as Casas reais remanescentes da Europa são fruto dos novos tempos, modernas, tolerantes e defensoras de causas variadas. O rei Harald da Noruega, 85 anos, faz discursos em defesa da abertura e do caráter multicultural do país. Carlos XVI, da Suécia, e a rainha Silvia, filha de brasileira, participam de fóruns de discussão sobre proteção à criança e desenvolvimento econômico e social.

    LONGEVIDADE - Nagako e Hirohito: ele foi imperador do Japão durante 63 anos -
    LONGEVIDADE - Nagako e Hirohito: ele foi imperador do Japão durante 63 anos – (Kyodo/AP/Image Plus)

    Os descendentes de Elizabeth vão pelo mesmo caminho, e não poderia ser diferente, como manda o figurino. Charles, por mais que nunca tenha posto pasta na própria escova de dentes (inconfidência de um assessor desgostoso), posiciona-se claramente em relação a questões de meio ambiente. Aos 73 anos, já ocupando o lugar da rainha em alguns compromissos, ele se prepara para finalmente ser rei sabendo que seus domínios vão encolher: a Escócia chega cada vez mais perto da opção pela saída do reino e vários países do Caribe que têm Elizabeth como soberana se movimentam para proclamar a república. Em nome do pragmatismo, prevê-se que ele vá reduzir o número de royals que ganham para isso, visando um corte nas despesas com a monarquia.

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    Sem chegar nem perto do carisma da mãe, também é consenso que vai dar espaço aos moderninhos William e Kate — que conversam sobre a educação dos filhos (já declararam não ver problema em ter algum dos três inserido na sigla LGBTQIA+), clima e outros assuntos terrenos. Será a vitória final da última rainha com R maiúsculo: dois homens e uma mulher para dar conta do trono que ela deixou vazio.

    Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791

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