Como manda o figurino de regimes autoritários, na costura da mão de ferro com o populismo, o Irã velou o presidente Ebrahim Raisi com grande comoção pública. Milhares de pessoas prestigiaram o cortejo, que passou por quatro cidades, empunhando fotos e cartazes do líder ultraortodoxo morto em um acidente de helicóptero, no domingo 19. O choro e as orações, porém, são moldura frágil das incertezas em torno do episódio. A primeira delas, relacionada à queda da aeronave, que cruzou a fronteira com o Azerbaijão sob intensa neblina. Israel, recentemente atacado pelos persas, se apressou em negar qualquer envolvimento no caso. As autoridades iranianas culparam o embargo americano, que não teria permitido a reposição de peças da aeronave, em evidente boutade. A maior dúvida, contudo, ronda o futuro do regime xiita. Raisi era apontado como o sucessor de Ali Khamenei, o aiatolá de 85 anos que comanda o país. Juiz de formação, ele conquistara a confiança do líder supremo depois de condenar à morte 5 000 opositores da Revolução Islâmica, no final dos anos 1980, o que lhe rendeu o apelido de “carniceiro de Teerã”. A sucessão ocorrerá no momento em que a comunidade internacional se esforça para impedir que a guerra na Faixa de Gaza se espalhe pelo Oriente Médio. Novas eleições já foram convocadas para 28 de junho. Até lá diversos personagens tentarão se credenciar junto a Khamenei, incluindo seu filho Mojtaba, gatilho para uma nova dinastia na região. Não há sinal de moderação no horizonte.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2024, edição nº 2894