Tortura aumentou nas prisões de Israel durante guerra em Gaza, diz autor palestino libertado
Como parte do acordo de cessar-fogo, Nasser Abu Srour foi libertado com outras 150 pessoas que cumpriam prisão perpétua
Nasser Abu Srour, renomado escritor palestino que permaneceu 32 anos preso em Israel, afirmou nesta terça-feira, 4, que o uso de tortura aumentou nos centros de detenção israelenses desde o início da guerra em Gaza, em 7 de outubro de 2023. Ao jornal britânico The Guardian, ele disse que espancamentos e privação de alimentos e abrigo se tornaram comuns após a eclosão do conflito entre Israel e Hamas. Como parte do acordo de cessar-fogo, Abu Srour foi libertado com outras 150 pessoas que cumpriam prisão perpétua em outubro.
“O uniforme dos guardas prisionais mudou, com uma etiqueta no peito onde estava escrito ‘lutadores’ ou ‘guerreiros’, e eles começaram a agir como se estivessem em guerra e aquela fosse mais uma frente de batalha, e começaram a espancar, torturar e matar como guerreiros”, contou ele, que está no Egito, em entrevista por telefonema.
“Qualquer lugar sem câmeras era um lugar de brutalidade”, acrescentou ao The Guardian. “Eles amarravam nossas mãos atrás da cabeça, nos jogavam no chão e começavam a nos pisotear.”
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Livro de memórias
O palestino participou da primeira Intifada, entre 1987 e 1993. Ele foi preso sob acusações de cumplicidade na morte de um agente da Shin Bet, a Inteligência de Israel, que tentava coagir o primo de Abu Srour a se tornar um colaborador. Através de uma confissão obtida por tortura, Abu Srour foi condenado à prisão perpétua sem liberdade condicional em 1993. Na prisão, passou por longos períodos na solitária, obteve diploma e mestrado em Ciência Política, tornando-se autor de poesias e outros textos contrabandeados para fora da prisão.
Suas memórias foram transformadas no livro The Tale of a Wall: Reflections on Hope and Freedom (A História de um Muro : Reflexões sobre Esperança e Liberdade, em tradução livre) — lançado em abril do ano passado, quando ainda estava preso. O conteúdo, em grande parte, foi ditado para familiares por meio de conversas em ligações ao longo de dois anos. A obra foi traduzida do árabe para sete idiomas e é finalista do prêmio de literatura árabe concedido anualmente pelo Instituto do Mundo Árabe em Paris.
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Momento da libertação
Em declarações anteriores, o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, vangloriou-se que as penitenciárias haviam deixado de ser “campos de férias”. Com a eclosão da guerra, todos os materiais de leitura e escrita foram confiscados no confronto. Ele perdeu 12 quilos, já que os detentos passaram a receber rações diárias no limite da sobrevivência: “Toda a vida cultural na prisão acabou nos últimos dois anos, então só restava a vida biológica. Cada um tentava sobreviver à sua maneira. E estávamos sempre com fome”, disse.
“Nossos corpos eram fracos. Não conseguíamos suportar nem mesmo uma temperatura amena”, narrou Abu Srour, informando que eles recebiam apenas uma muda de roupas finas. “Sempre que alguém saía da prisão, todos tentavam se aproximar para conseguir uma camiseta, roupa íntima ou qualquer coisa do tipo.”
Ele admitiu que tinha perdido as esperanças: “Eles estavam gritando números de celular e eu estava sentado na minha cama, no quarto número 6, sentindo que não fazia parte daquilo. Houve tantas vezes em que eu deveria ter participado ao longo de todos esses anos. Mas tudo isso é tão grande e tão doloroso que eu não queria interagir. Era um mecanismo de defesa. Eu dizia que não tinha nada a ver comigo.”
“Mas então eles vieram à minha cela e disseram: ‘Nasser, prepare-se.’ A graça de Deus finalmente me alcançou. Meus amigos estavam me abraçando e me beijando, e eu estava incrédulo”, relatou Abu Srour.
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‘Choque vertiginoso’
Nas 24 horas que antecederam a libertação, os prisioneiros passaram por uma última rodada de espancamentos violentos. Eles não puderam abrir as janelas nas 48 horas de viagem de ônibus, que saiu de Israel e cruzou a passagem de Rafah. Abu Srour viu o céu pela primeira vez para além das grades quando chegou ao Egito.
O autor palestino também definiu como “choque vertiginoso” a sensação de ser transferido da prisão israelense, onde teria enfrentado condições brutais, para um hotel cinco estrelas no Cairo como convidado das autoridades egípcias junto aos outros 154 detentos.
“Eu nunca tinha estado em um hotel antes. Fiz tudo pela primeira vez como uma criança, desde entrar e sair do elevador até aprender sobre o serviço de quarto, como usar um chuveiro”, afirmou o escritor.
“De manhã, vimos o bufê e toda aquela comida. Os rapazes colocaram 2 kg de comida em seus pratos. Foi uma cena surreal. Ficamos constrangidos. Não sabíamos o que fazer com a faca e o garfo”, acrescentou. “Meus sentimentos estavam confusos e tensos. Eu estava envergonhado. Estou sem palavras, incapaz de explicar o que estava acontecendo ao meu redor.”
Ele também não soube lidar com o choque e o mix de emoções ao se reunir com os irmãos. “Esse foi mais um motivo de estresse para mim… Estivemos separados por uns 33 anos. Foi cruel porque nos foi negado por tanto tempo”, desabafou. Ele se lembra de ter pensado: “Será que posso abraçá-los?”
Acabamos de recibir la gran noticia de que Nasser Abu Srour, autor de «La historia de un muro» acaba de ser liberado después de décadas de prisión y ha podido reencontrarse con su familia. Una imagen sobrecogedora pero sobre todo, esperanzadora. pic.twitter.com/Gl5AVaLa0w
— Galaxia Gutenberg (@G_Gutenberg) October 15, 2025







