Total de refugiados tem recorde histórico de 70,8 milhões, diz Acnur
Aumenta número venezuelanos em fuga para o exterior e de deslocados internos na Etiópia; regresso à Síria não é aconselhado
Nos últimos 70 anos, nunca houve tantas pessoas obrigadas a deixar seus lares e países por causa de conflitos, perseguições e guerras. Em 2018, o recorde de 70,8 milhões de seres humanos nessas condições, dos quais a metade tem menos de 18 anos de idade, foi registrado pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), conforme os dados do relatório anual Tendências Globais, divulgado nesta quarta-feira, 19.
De acordo com a Acnur, esse contingente de refugiados é 100% maior do que o total verificado em 1999 e 2,3 milhões maior do que o de 2017. Trata-se do número equivalente de habitantes da Turquia, da Tailândia e do somatório das populações dos estados brasileiros de São Paulo, Minas Gerais e do Distro Federal.
O relatório informa que, em média, 37.000 pessoas foram forçadas a deixar seus lares ou países em cada dia de 2018. Do total de 70,8 milhões, 58,3% ou 41,3 milhões de pessoas estão deslocadas dentro de seus países. De cada cinco refugiados, quatro estão abrigados em países vizinhos, o que faz da Turquia, do Paquistão, de Uganda e do Sudão os maiores receptores de migrantes forçados.
O quinto maior, Alemanha, está distante dos principais países de origem dos refugiados – Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Mianmar e Somália – que, juntos, respondem por 67% desse universo.
Crise da Venezuela
A Acnur constatou, em 2018, o avanço do número de refugiados da Venezuela no exterior e dos deslocados internos na Etiópia. O caso da Venezuela mereceu, no Tendências Globais deste ano, um capítulo especial. Conforme a própria Organização das Nações Unidas (ONU) adiantara, o total de refugiados venezuelanos em outros países, inclusive o Brasil, ultrapassou 4 milhões neste ano. Até o final de 2018, porém, chegava a 3 milhões.
“As pessoas estão deixando a Venezuela por muitas razões: violência, insegurança, temor de ser alvo por suas opiniões (reais ou aparentes), desabastecimento de comida e remédios, falta de acesso aos serviços sociais e incapacidade de sustentar a elas mesmas e seus familiares”, resume. “Vários fatores interconectados estão forçando os venezuelanos a deixarem o país, mas dada a deterioração das condições política, sócio-econômica e de direitos humanos, está claro que as considerações internacionais de proteção, conforme os critérios da Convenção de 1951, do Protocolo de 1967 e da Declaração de Cartegena sobre Refugiados de 1984 são aplicáveis para a maioria dos venezuelanos”, completa.
A Agência da ONU destaca o fato de o fechamento de fronteiras, determinado pelo regime de Nicolás Maduro, tem levado os venezuelanos buscar rotas “irregulares e perigosas”, até mesmo em áreas dominadas por grupos armados e guerrilhas, o que os expõem aos riscos de exploração sexual, abuso e sequestro.
Até o final de 2018, a América Latina continuava a ser o principal destino dos refugiados venezuelanos. A vizinha Colômbia foi o país que mais acolheu, com 1.174.400 abrigados em seu território. O Brasil é o sexto país receptor de venezuelados da região, com 120.800.
Amargo regresso
A Acnur constatou que, ao longo de 2018, 593.800 refugiados regressaram a seus países de origem, apesar do aumento de 2,3 milhões de deslocados internos e ao exterior. No ano anterior, esse total fora maior, de 667.400 in 2017. O regresso é sempre um cenário desejável, mas nem sempre possível, dada a continuidade de conflitos e perseguições em vários países.
A Síria é um caso interessante a ser observado. Dos 6,7 milhões de sírios forçados a deixar o país desde o início da guerra civil, em 2011, 210.900 regressaram apenas em 2018, em especial os que estavam refugiados na vizinha Turquia. A Acnur, entretanto, adverte não haver garantias e condições suficientes no país para um retorno em larga escala, seguro e com dignidade.
“Riscos significativos continuam para os civis em todo o país, e o retorno prematuro pode ter impacto negativo sobre os refugiados e, se for em grande volume, pode desestabilizar ainda mais a região”, alertou. “A ACNUR não promoveu nem facilitou o regresso para a Síria em 2018. Entretanto, muitos retornos organizados pelos próprios refugiados, pelos países que os abrigavam e outros atores ocorreram, e os regressados receberam assistência de programas humanitários em curso.”
O regresso, em especial no caso da Síria ainda em deflagração, é uma questão preocupante para a ACNUR. Uma das razões está no resultado de pesquisa, que mostra 76% dos refugiados desse país esperançosos em regressar. Em 2017, esse porcentual era de 51%. Dos 6,7 milhões, apenas 4% dos refugiados está decidido a voltar para a Síria nos próximos 12 meses, 11% estão indecisos e 85%, preferem esperar mais tempo.