Raúl Castro deixa poder em Cuba de forma simbólica mas orquestrada
Miguel Díaz-Canel deve assumir Presidência da ilha enfrentando grandes desafios econômico-diplomáticos, mas com menos poder que irmãos Castro
A anunciada partida de Raúl Castro, que passará o comando de Cuba para um líder da nova geração política, é uma substituição simbólica para o país, liderado pelos Castro durante os últimos sessenta anos. Pela primeira vez, o presidente não terá feito parte da geração “histórica” da revolução de 1959 e não vestirá farda militar. Também será a primeira vez que a liderança da governista e única sigla do país – o Partido Comunista de Cuba (PCC) – e a Presidência serão exercidos por duas pessoas diferentes.
Tudo indica que o primeiro-vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, será o próximo presidente da ilha caribenha, presidindo o Conselho de Estado, máximo órgão do governo de Havana. Homem formado no PCC, Díaz-Canel é o número dois do governo desde 2013 e foi preparado para assumir a posição.
A transição, entretanto, tem mais simbolismo do que peso político, sendo parte de um roteiro bem orquestrado pela atual gestão. A ilha continuará sendo comandada pelo Partido Comunista e, portanto, por Raúl Castro, que manterá a posição de primeiro-secretário da legenda, aos 86 anos.
“Ele não está abrindo mão do poder, está só trocando de posição política com Canel. É algo similar ao que Vladimir Putin vem fazendo na Rússia nos últimos anos”, explica o cubano Sebastian Arcos, diretor associado do Instituto Cubano de Pesquisa da Universidade Internacional da Flórida e ex-membro do Comitê Cubano para os Direitos Humanos (CCPDH), a primeira organização independente do tipo no país.
“Cuba não vai mudar seu sistema, tudo isso é apenas para dar uma aparência de transformação”, complementa.
Único general quatro-estrelas do Exército, Raúl Castro também deve continuar a exercer grande influência sobre as Forças Armadas Revolucionárias de Cuba. Desde meados da década de 90, os militares foram encarregados de administrar a economia do país e o Gaesa, um conglomerado de empresas estatais dos principais setores que gerencia cerca de 40% a 60% da economia da ilha.
Na opinião de especialistas, poucas grandes mudanças devem ser implementadas nos próximos anos. Qualquer nova política pode demorar a ser aprovada, já que Díaz-Canel ainda precisa assegurar sua legitimidade no país e dentro do PCC em seu novo cargo.
Desafios
O novo presidente terá muito menos poder nas mãos do que Raúl ou Fidel Castro, que comandou o país por quase cinquenta anos, mas enfrentará grandes desafios. A maior preocupação de grande parte dos cubanos é a economia debilitada, ainda um terço menor do que era em 1985, quando recebia subsídios da aliada União Soviética.
Raul ampliou e flexibilizou o trabalho privado em 2010, mas as licenças para novos empreendimentos foram suspensas em agosto para aperfeiçoar o modelo. Hoje, 580.000 cubanos, 12% da força de trabalho, exercem uma atividades autônomas, mas a economia ainda é extremamente dependente da exportação de serviços médicos e cada vez mais do turismo estrangeiro. Apesar de possuir terras extremamente férteis, Cuba importa grande parte dos alimentos que consome.
“Há muitos desafios geopolíticos também, com o declínio do apoio da Venezuela e o surgimento de novos atores, como Rússia e China”, diz Alana Tummino, diretora sênior de política da organização Americas Society/Council of the Americas, que promove o debate e o desenvolvimento social na América.
Raúl adotou algumas novas liberdades sociais ao assumir o cargo de seu irmão mais velho, mas manteve o sistema de partido único, que tem o monopólio da mídia e pouca tolerância com a dissidência.
Nada deve mudar por enquanto. Isso inclui o congelamento da tentativa de normalização das relações com os Estados Unidos. A Casa Branca de Donald Trump é abertamente contrária à reaproximação e a atual administração cubana também não tem feito esforços nesse sentido.
“A maioria das reformas deve continuar congeladas”, diz Sebastian Arcos, que também já aconselhou o Departamento de Estado americano sobre questões relativas aos direitos humanos em Cuba. “A não ser que algo aconteça e o governo seja forçado a desenvolver algum tipo de abertura, principalmente porque a pressão econômica só está aumentando”.
Quem é Miguel Díaz-Canel?
Conhecido por ser “bom ouvinte” e “extremamente simples”, de acordo com aqueles que o conhecem, Miguel Díaz-Canel é engenheiro eletrônico, funcionário do PCC desde sua juventude, professor universitário e, desde 1994, primeiro secretário do Partido em sua província natal, Vila Clara.
Foi ministro da Educação de 2009 a 2012 e é o primeiro líder nascido depois do triunfo da revolução de 1959 a alcançar o cargo de primeiro vice-presidente do Conselho de Estado, o órgão executivo da ilha, presidido por Raúl Castro.
“Ele é jovem, mas se esforçou para progredir dentro do Partido Comunista. Parece alguém capaz de se conectar mais com as pessoas, ser mais aberto”, diz Alana Tummino. Apesar disso, defende a continuidade do sistema de partido único e a centralização da economia.
A expectativa ao redor do novo presidente, o primeiro que não carrega o sobrenome Castro em quase sessenta anos , é grande. “Não é um novo-rico ou um candidato improvisado”, declarou Raúl no domingo, ao apresentá-lo publicamente ao novo cargo.
Díaz-Canel ainda deve ser nomeado oficialmente pela Assembleia Nacional de Cuba, que se reúne a partir desta quarta-feira, 18, para uma sessão de dois dias. A função prática dos legisladores, contudo, é apenas referendar as políticas do regime, por isso não há surpresas quanto a sua escolha, totalmente apoiada pelo PCC.
(Com informações de Reuters e AFP)