Trump muda discurso e diz que poderia libertar imigrante deportado ilegalmente, mas não vai
Declaração vai contra a narrativa do governo, de que não poderia forçar ação de El Salvador, para onde Kilmar Abrego Garcia foi enviado

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contradisse seu próprio governo na terça-feira 29, ao afirmar que poderia repatriar Kilmar Armando Abrego Garcia, um imigrante deportado ilegalmente do país, mas que não está disposto a fazê-lo por acreditar que ele seja membro de uma gangue. Anteriormente, funcionários da administração haviam sustentado que não seria possível forçar El Salvador, para onde o homem foi expulso, a enviá-lo de volta a território americano.
A declaração ocorreu em entrevista com a emissora ABC News. Citando uma ordem da Suprema Corte à Casa Branca, para “facilitar” a libertação de Abrego Garcia, o correspondente Terry Morgan afirmou que bastaria um telefonema ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, para trazer o imigrante de volta aos Estados Unidos.
“Eu poderia. E se ele (Abrego Garcia) fosse quem você diz que ele é, eu faria isso. Mas ele não é”, respondeu Trump, acusando o homem de ter conexões com a gangue salvadorenha Mara Salvatrucha, conhecida como MS-13.
O salvadorenho está detido no Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT), a maior prisão de máxima segurança da América Latina, com capacidade para 40 mil detentos, construída pelo governo Bukele no contexto de sua guerra às gangues do país.
Quebra de narrativa
A declaração do presidente americano minou o posicionamento de seus principais assessores. Antes da entrevista à ABC News, o governo havia se mantido firme em sua recusa em acatar a ordem da Suprema Corte, justificando que, como ele se encontra agora em uma prisão salvadorenha, cabia ao governo de El Salvador libertá-lo ou não.
O Departamento de Justiça argumentou que só pode responder à demanda para “facilitar” a libertação de Abrego Garcia deixando-o entrar no país se conseguir se apresentar na fronteira.
“Isso cabe a El Salvador, se eles querem devolvê-lo”, disse a procuradora-geral dos Estados Unidos, Pam Bondi, durante uma reunião no Salão Oval entre Trump e Bukele neste mês. “Isso não depende de nós.”
Durante a mesma reunião, Stephen Miller, vice-chefe de gabinete de Trump e arquiteto de sua draconiana agenda imigratória, também argumentou que qualquer pergunta sobre a libertação de Abrego Garcia deveria ser direcionada a Bukele, e não a Trump.
“É muita arrogância até mesmo da parte da mídia americana sugerir que, como ponto de partida, diríamos a El Salvador como lidar com seus próprios cidadãos”, disse Miller.
Bukele, por sua vez, também se recusou a ajudar a trazer Abrego Garcia de volta aos Estados Unidos. Segundo com ele, a medida seria semelhante a libertar um terrorista da prisão.
Acusações infundadas
Várias autoridades do governo confirmaram que a deportação de Abrego Garcia foi um “erro administrativo”. O salvadorenho entrou ilegalmente nos Estados Unidos em 2012, foi preso em março de 2019 enquanto procurava trabalho, mas, em outubro do mesmo ano, um tribunal de imigração determinou que ele não poderia ser deportado de volta para El Salvador, porque enfrentava um temor crível de perseguição por parte da outra gangue dominante do país, a Barrio 18. Foi permitido que ele permanecesse em solo americano sob um status chamado “retenção de remoção”. Depois, recebeu uma autorização de trabalho.
Apesar da ordem proibindo sua deportação, o governo o prendeu em março deste ano, acusou-o de ter ligações com o grupo rival da Barrio 18 e o deportou para a prisão em El Salvador.
“Este é um membro de uma gangue da MS-13”, disse Trump na entrevista à ABC News.

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Abrego Garcia nunca foi condenado, nem sequer acusado, por ser membro de uma gangue. Durante seu processo de deportação, foram apresentadas algumas evidências de que ele pertencia à MS-13, que os juízes decidiram serem suficientes para mantê-lo preso enquanto o caso era resolvido. Mas outros magistrados expressaram dúvidas sobre as provas.
“As ‘provas’ contra Abrego Garcia consistiam em nada mais do que seu boné e moletom do Chicago Bulls, e uma alegação vaga e não corroborada de um informante confidencial, alegando que ele pertencia à facção ‘Western’ da MS-13 em Nova York — um lugar onde ele nunca morou”, escreveu a juíza Paula Xinis, que supervisiona os esforços para trazer Abrego Garcia de volta aos Estados Unidos.
Durante a entrevista à ABC News, Trump também argumentou que as mãos tatuadas do salvadorenho eram evidência de seus laços com gangues. Embora ele tenha tatuagens, especialistas em gangues não as conectaram com símbolos da MS-13.