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Trump subverte a diplomacia, confronta o Judiciário e eleva tensão global

Na semana em que o republicano completou dois meses na Presidência, uma coleção de turbulências e atritos expôs a era de incertezas que se descortina

Por Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ernesto Neves Atualizado em 21 mar 2025, 17h23 - Publicado em 21 mar 2025, 06h00

Em seu discurso de posse no dia 20 de janeiro, extraordinário pela franqueza das afirmações e promessas, beirando a grosseria, Donald Trump listou as metas de seu governo: tratar a ferro e fogo os imigrantes, romper parcerias com aliados que “sugam” os Estados Unidos, travar uma guerra comercial planetária, encerrar conflitos sob seus termos, doa a quem doer, e varrer da máquina governamental trilhões em gastos e tudo o que cheirasse a demandas woke. O plano da Casa Branca seria levado a cabo mesmo se fosse necessário desrespeitar a Constituição, burlar leis, desafiar a Justiça e, no plano internacional, impor a vontade do mais forte sem nuances diplomáticas. Na época, soou como insanidade. Mas a cartilha trumpista se tornou realidade e, na semana em que Trump completou dois meses na Presidência, uma coleção de turbulências e atritos expôs a era de incertezas que se descortina.

Seguindo no propósito de tratar com Vladimir Putin, mano a mano, o fim da guerra na Ucrânia (a quem restou papel secundário na negociação), o presidente americano conversou por duas horas com o colega russo, tentando convencê-lo a aceitar uma trégua de trinta dias durante a qual se discutiriam os termos da paz duradoura. Putin concordou em suspender os ataques de parte a parte a instalações de energia e infraestrutura — o que o terceiro elemento do esquema, Volodymyr Zelensky, sem cartas na manga e dependente do suporte americano, prontamente acatou. Nas redes sociais, Trump disse que a ligação foi “muito boa e produtiva” e mencionou uma incipiente “divisão de bens”. Há indícios de que Putin ficará com os 25% do território ucraniano que controla, mas concordaria em devolver a usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa e peça essencial para o projeto americano de explorar minérios na Ucrânia, atividade que consome grande volume de energia.

A DOIS - Trump e Putin: cessar-fogo parcial acordado em telefonema
A DOIS - Trump e Putin: cessar-fogo parcial acordado em telefonema (Fotos Mandel NGAN/AFP e Maxim Shemetov/AFP)

Com a colher e o caviar na mão, a Rússia, além de manter a área ocupada, exige que Estados Unidos e demais aliados ucranianos “encerrem completamente” a ajuda militar ao país. “Os termos de paz preferidos por Putin preveem uma Ucrânia desarmada e indefesa, com praticamente nenhum Exército próprio e nenhuma chance de receber qualquer assistência significativa da comunidade internacional”, diz Peter Dickinson, do think tank americano Atlantic Council. “Seria apenas questão de tempo até uma nova invasão.” Para a Europa Ocidental, a perspectiva é um pesadelo: Putin mal disfarça sua gana expansionista, e a Otan, frente militar reforçada no governo Joe Biden, é hoje uma aliança desidratada. Não à toa, o Parlamento alemão, na mesma e movimentada semana, aprovou uma medida que rompe um até então inabalável teto de gastos do governo justamente para incrementar a defesa nacional.

Enquanto Trump e Putin discutiam a situação da Ucrânia, o Oriente Médio, outro palco da diplomacia pouco ortodoxa e repleta de idas e vindas de Washington, voltava a pegar fogo. Após quarenta dias de trégua, Israel bombardeou a Faixa de Gaza e despachou tropas para posições ao longo do corredor que separa o país ao meio. O ataque, justificado oficialmente pela recusa do Hamas em devolver os 59 reféns, entre vivos e mortos, teria tido o aval dos Estados Unidos. Embora a maioria dos israelenses se oponha à retomada dos bombardeios, ele serve a dois propósitos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu: refazer sua coalizão de governo com a volta de Itamar Ben-­Gvir, líder partidário extremista que se opôs ao cessar-fogo, e alfinetar o governo Trump, que deixou de lado (mais uma vez) a santidade das alianças e abriu um canal de negociação direta com o Hamas. No livro de regras de Trump, a política externa é um campo de experimentações para sua abordagem de “alto risco e alta recompensa”, a exemplo das tarifas contra parceiros e rivais — uma nova e expressiva leva, aliás, está marcada para o dia 2 de abril, com ondas de choque mundo afora (leia a coluna de Alexandre Schwartsman, na pág. 51).

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CONFRONTO INÉDITO - Protesto contra prisão de aluno de Columbia (à esq.) e deportação sumária de imigrantes: o Executivo desafia o Judiciário
CONFRONTO INÉDITO - Protesto contra prisão de aluno de Columbia (à esq.) e deportação sumária de imigrantes: o Executivo desafia o Judiciário (Mostafa Bassim/Anadolu/Getty Images; Salvadoran Government/Getty Images)

Enquanto estremece a ordem internacional, a Casa Branca, internamente, desafia as instituições que sustentam a democracia americana. Ao longo da existência dos Estados Unidos, com raras exceções, o Congresso legislou, o Executivo governou e o Judiciário deliberou sobre a constitucionalidade dos atos. Agora, a Casa Branca trava com a Justiça um pernicioso cabo de guerra, infiltrado em diversos atos. Invocando uma lei de 1798 que permite a expulsão sumária de estrangeiros em tempos de guerra, o serviço de imigração despachou para prisões em El Salvador 261 imigrantes venezuelanos, supostos integrantes de uma gangue criminosa.

A medida foi contestada na Justiça e um juiz ordenou o cancelamento dos voos e o retorno dos aviões que estivessem no ar. A ordem não foi cumprida e Trump, em rede social, pediu o impeachment do magistrado. Chocado, o juiz John Roberts, da Suprema Corte, veio a público lembrar que nunca houve um pedido do gênero em dois séculos de democracia americana. “É um desafio sem precedentes ao Poder Judiciário”, diz Steve Vladeck, professor de direito na Universidade de Georgetown.

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Em outra frente, afrontando a Primeira Emenda da Constituição, que assegura a livre expressão e é assiduamente brandida pela direita trumpista, o governo prendeu e tenta deportar (o caso, de novo, está na Justiça) o ativista palestino Mahmoud Khalil. Estudante de pós-graduação que tem green card, agora revogado, ele é casado com americana e participou de uma ocupação na Universidade Columbia contra a guerra em Gaza. “Esta é apenas a primeira de muitas prisões que virão”, disparou Trump, acusando Khalil de ser um radical pró-­Hamas. Na Universidade Brown, outra escola de elite, o governo deportou a médica libanesa Rasha Alawieh, que tinha visto válido e liminar contra expulsão, por suspeita de ser simpatizante do grupo xiita Hezbollah. Além de mirar professores e alunos, a Casa Branca esgarça a antes inquebrantável independência das universidades, ameaçando vastos cortes de verba contra aquelas que não se adequarem à sua exigência de extinção de programas de diversidade e inclusão.

DE NOVO - Gaza sob ataque israelense: diplomacia do vai e vem
DE NOVO - Gaza sob ataque israelense: diplomacia do vai e vem (Moiz Salhi/Anadolu/Getty Images)

Os contenciosos brotam com velocidade, especialmente no âmbito dos cortes de verbas e funcionários nas agências do governo capitaneados por Elon Musk. A Justiça ordenou a reintegração de cerca de 15 000 servidores em período de experiência dispensados, e na terça-feira 18 o juiz federal Theodore Chuang, de Maryland, determinou o bloqueio das demissões da Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), praticamente extinta pelo grupo de Musk, por considerar que os cortes praticados “provavelmente ferem a Constituição”. “Parte das ordens executivas de Trump é construída sobre uma base legal frágil. O tom das decisões dos juízes reflete essa percepção”, diz Gillian Metzger, professora na Faculdade de Direito de Columbia.

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Na ânsia de impor sua vontade, sem apresentar até agora resultados significativos, Trump perde popularidade. Pela primeira vez, a desaprovação passou à frente da aprovação: 48,5%, a 47,8%. Mais relevante, uma pesquisa mostrou que 56% desaprovam a condução da economia. De rasteira em rasteira na ordem estabelecida, Trump segue em frente — sem que ninguém saiba onde vai parar, em um mundo sobressaltado de dúvidas.

Publicado em VEJA de 21 de março de 2025, edição nº 2936

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