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Uma missão quase impossível: os desafios da fase 2 do cessar-fogo em Gaza

As metas são dificílimas: a devolução de todos os reféns, a retirada total das forças israelenses e a instalação de um novo governo no território

Por Amanda Péchy Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Ernesto Neves Atualizado em 28 fev 2025, 15h58 - Publicado em 28 fev 2025, 06h00

Quando Israel e Hamas enfim acertaram um cessar-fogo em três fases, em janeiro, os termos anunciados apontavam para um desenrolar previsível. A etapa inicial, de trégua nos combates na Faixa de Gaza, devolução de 33 reféns em mãos do Hamas e libertação de milhares de palestinos detidos em prisões israelenses, tinha chances de ser cumprida, sobretudo por ser essa a vontade irrecusável do governo Donald Trump. A terceira, que trata da reconstrução do território arrasado por bombas, era viável, por depender de negociações de terceiros. O nó estava no estágio do meio, que requer o quase impossível: entrega dos últimos 66 sequestrados, vivos e mortos, ainda enfurnados nos túneis de Gaza, retirada total de Israel do território e instalação de uma nova administração sem nenhum vínculo com o Hamas. O que parecia difícil vem se mostrando na prática ainda mais complicado do que as autoridades imaginavam.

Prevista para durar 42 dias, a primeira fase termina no sábado, 1º de março, sem sinal de avanço na direção dos novos objetivos. As negociações que deveriam estar se desenrolando não saíram do lugar (apesar dos relatos de encontros secretos nos bastidores) e o Oriente Médio mais uma vez prende a respiração à espera dos próximos movimentos no jogo, mais embaralhado ainda pela entrada em campo do imprevisível e perturbador novo ocupante da Casa Branca. Enquanto se negocia uma extensão da primeira fase, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu busca uma fórmula capaz de equilibrar a volta dos reféns restantes com sua promessa de eliminar o Hamas — grupo que teve seu poder de fogo reduzido drasticamente, mas mesmo assim montou um espetáculo de força e unidade na entrega dos reféns e não tem substituto no governo, ou desgoverno, de Gaza, por ele dominada durante dezesseis anos.

“RIVIERA” - Vídeo repostado por Trump: brinde com Netanyahu no ridículo resort
“RIVIERA” - Vídeo repostado por Trump: brinde com Netanyahu no ridículo resort (./Reprodução)

Steve Witkoff, enviado do governo Trump para o Oriente Médio, iniciou um périplo pela região com o declarado propósito de, com ou sem ampliação da fase 1, manter o cessar-fogo enquanto se busca um avanço nas discussões. “Apesar de os negociadores terem definido claramente o que cada lado deveria cumprir, o acordo se revelou muito frágil desde o início”, diz Mark Chandler, especialista em defesa da Coastal Carolina University. Em paralelo, o Egito planeja uma reunião em Riad com outros países árabes para expor um plano de reconstrução de Gaza e criação de uma entidade multinacional para administrar o território na transição.

O encontro é reação à descabida ideia lançada por Trump de remover os 2 milhões de palestinos de Gaza, alojá-los em outros países e transformar o território, à beira do Mar Mediterrâneo, na “Riviera do Oriente Médio”. “É um bom plano. Mas não vou forçar nada”, assoprou o presidente dias depois, só para morder de novo ao republicar em suas redes sociais um bizarro vídeo gerado por inteligência artificial de como seria o Gaza Resort, com cenas em que Elon Musk come homus e faz cair uma chuva de dólares enquanto ele mesmo, sem camisa, com Netanyahu ao lado, bebe um coquetel em uma praia cercada de arranha-céus. “O plano esdrúxulo da Riviera deve ser uma tática de negociação. Primeiro, aperta, depois, afrouxa, apresentando uma proposta mais razoável”, afirma Robert Shapiro, professor de ciência política da Universidade Columbia.

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AINDA AQUI - Multidão no funeral de líder do Hezbollah morto por Israel no Líbano, em setembro: demonstração de força
AINDA AQUI - Multidão no funeral de líder do Hezbollah morto por Israel no Líbano, em setembro: demonstração de força (Oliver Marsden/MIDDLE EAST IMAGES/AFP)

Também está na mesa, com aval não declarado de Israel, a formação de um órgão governamental composto por chefes de clãs locais sem vínculo com o Hamas — que neste momento, por razões óbvias, é altamente impopular entre a população desabrigada e desamparada, instalada em barracas enquanto aguarda o início da remoção de toneladas de escombros nas cidades, uma empreitada com custo estimado de 50 bilhões de dólares e duração de quinze anos.

O cessar-fogo ainda em vigor e o resgate parcial dos reféns pouco arrefeceram o clima de tensão entre israelenses e palestinos. Dois dias depois da pausa nos bombardeios em Gaza, a IDF, sigla em inglês para as Forças Armadas de Israel, investiu contra campos de refugiados na Cisjordânia e, pela primeira vez em vinte anos, uma unidade de tanques entrou na área ocupada em 1967. O ministro da Defesa, Israel Katz, adiantou que a ação seguiria o mesmo manual de Gaza, como parte de uma luta contra grupos terroristas apoiados pelo Irã. “Atacaremos os braços do polvo até que eles se quebrem”, prometeu. Em Jenin, terceira maior cidade da região e local de um dos mais explosivos campos, 40 000 pessoas tiveram de deixar suas casas e oitenta morreram em uma operação prevista para durar até 2026. “Faz parte do cálculo político de Netanyahu. Setores de ultradireita religiosa que mantêm seu governo em pé estão insatisfeitos com o cessar-fogo, e as operações na Cisjordânia são uma espécie de concessão a eles”, avalia Mairav Zonszein, do International Crisis Group.

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DESTRUIÇÃO - Palestinos em cidade bombardeada: 50 bilhões de dólares e quinze anos para remover escombros
DESTRUIÇÃO - Palestinos em cidade bombardeada: 50 bilhões de dólares e quinze anos para remover escombros (Mahmoud Hamda/Anadolu/Getty Images)

Ao norte, na fronteira com o Líbano, que as forças militares também invadiram e de onde se retiraram em parte, resistindo a uma remoção total de tropas, o Hezbollah, milícia a serviço do Irã igualmente fragilizada por bombardeios, organizou um funeral assistido por uma multidão para o seu líder Hassan Nasrallah, morto há cinco meses em um ataque israelense. Durante a cerimônia, o novo comandante, Naim Qassem, jurou “continuar a lutar contra Israel”. No ambiente de alta ansiedade, a população israelense saiu às ruas para acompanhar, emocionada, o enterro dos meninos Ariel, sequestrado aos 4 anos, e Kfir, aos 9 meses, junto com a mãe, Shiri Bibas, todos capturados no bárbaro ataque do Hamas em 2023, que desencadeou a guerra atual, e mortos no cativeiro (o pai sobreviveu e foi resgatado).

Mestre da sobrevivência política, no poder há quase dezesseis anos, Netanyahu conta com Trump — que lhe prometeu apoio incondicional, mas, como se sabe, joga mesmo é no seu próprio time — para superar seus vários problemas em casa. Impopular, com vantagem de apenas dois votos no Parlamento, ele se desdobra para agradar aos partidos radicais religiosos que sustentam sua coalizão e são contra concessões em Gaza em meio a intensas pressões, inclusive dos Estados Unidos, para pôr fim ao conflito que se estende por mais de um ano e já matou, em números oficiais, quase 50 000 palestinos. Para piorar, nas últimas semanas o primeiro-ministro teve de comparecer onze vezes a um tribunal para se defender de acusações de suborno, fraude e tráfico de influência. Neste cenário, avançar para a fase 2 do acordo de cessar-fogo exige trilhar um caminho tão esburacado e cheio de obstáculos quanto as estradas da Faixa de Gaza.

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933

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