Uma nova carta para o Chile
Sob o impacto dos protestos e das greves que paralisam a capital, Santiago, Piñera promete uma outra Constituição
Um mês depois do início da maior crise social do Chile desde o fim da ditadura, o presidente Sebastián Piñera anunciou que atenderá a uma das principais reivindicações dos manifestantes que não arredam pé das ruas: uma nova Constituição. O anúncio feito pelo ministro do Interior, Gonzalo Blumel, na noite do domingo 10 tem, além de reflexos práticos, enorme efeito simbólico, por ser o começo do fim da Carta produzida em 1980 (embora só aprovada formalmente dez anos depois) e herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006). O texto já sofreu cerca de 200 alterações, mas na essência mantém diretrizes imutáveis em setores nos quais a população exige reformas, como saúde, educação e Previdência Social.
Sob o impacto dos protestos e das greves que paralisam a capital, Santiago, Piñera prometeu que a nova Carta será produzida por um Congresso Constituinte, com ampla participação popular, e o texto final irá a plebiscito. Deixou no ar se os congressistas constituintes virão da atual legislatura ou da próxima, a ser eleita em 2021, e se o texto será elaborado por eles ou pelo governo, que o encaminhará para aprovação. Adiantou, porém, que o conjunto de propostas para uma nova Constituição formulado no governo de sua antecessora, Michelle Bachelet, e dispensado quando ele assumiu vai ser tirado da gaveta e reaproveitado.
Se de fato o Chile vier a ter uma nova Constituição, será a primeira do país concebida em um regime democrático — as três anteriores, de 1833, 1925 e 1990, são produto de períodos de exceção. Com apenas 13% de aprovação e o saldo das manifestações em vinte mortos, 5 600 presos e 2 000 feridos, Piñera não para de inflar seu pacote de bondades: suprimiu o aumento de tarifas de transporte que começou tudo, elevou o valor das pensões e do salário mínimo e prometeu baixar o preço de medicamentos e o salário dos parlamentares. Agora, aposta na nova Constituição para acalmar os ânimos.
Publicado em VEJA de 20 de novembro de 2019, edição nº 2661