“Paramos o mar”, anunciou com triunfalismo o prefeito de Veneza, Luigi Brugnaro, ao celebrar os primeiros bons resultados da cadeia de barreiras artificiais construída para evitar as enchentes da Sereníssima. “Hoje está tudo seco.” No sábado 3 de outubro, os registros marcaram maré de 1,3 metro, e não de devastador 1,87 metro, como aconteceu em novembro do ano passado, quando a acqua alta subiu agressivamente. A diferença pôde ser vista a olhos nus — em anos de muita água, o Adriático avança e transforma pontos vulneráveis como a Praça de São Marcos em mar. Desta vez, as passarelas artificiais não foram cobertas. Houve alívio, mas muito exagero. O Moisés — eis o nome nada modesto do recurso de engenharia, o Mose, acrônimo em italiano para módulo experimental eletromecânico — não é à prova de erros, e já falhou. Especialistas recomendam dezenas de outros testes até que as comportas possam ser realmente aprovadas. Convém atribuir o tom laudatório ao histrionismo do prefeito, que ficou famoso por medidas de restrição a turistas, como os projetos de pôr catracas para controlar o acesso ao centro histórico e a cobrança de 5 euros para quem não dormir na cidade. Ah, se fosse no Brasil a celebração prematura que pode vir a se transformar numa vitória de Pirro… Convém lembrar que, até chegar aonde chegou, o Moisés do Vêneto atravessou escândalos de corrupção e levou para a cadeia, inclusive, um antigo alcaide. Não deve mesmo ser fácil viver em Veneza.
Publicado em VEJA de 14 de outubro de 2020, edição nº 2708