“Virei um turista espacial por acaso”
Premiado em um sorteio, o engenheiro mineiro Victor Correa Hespanha, 28 anos, já está na base de El Paso, no Texas, para embarcar em um voo da Blue Origin
Como boa parte das pessoas, sempre fiquei encantado com um céu muito estrelado e várias vezes me imaginei desbravando o espaço. Mas, claro, era um sonho inatingível – era! Sou engenheiro de produção e do tipo de pessoa pragmática, organizada, que costuma planejar bem as coisas. Como me casei durante a pandemia e não dava para viajar, o mais longe que imaginava ir nos próximos meses era a França, local programado para a lua-de-mel. De uma hora para a outra, minha vida virou de cabeça para baixo. Em apenas duas semanas, fui de um investidor novato em criptomoedas a dono de um assento na missão espacial NS-21 da empresa Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos, fundador da Amazon. Posso dizer que virei um turista espacial por acaso.
Custo a acreditar até agora que tudo isso esteja acontecendo comigo. Estou experimentando uma ansiedade enorme. Nesta sexta-feira (20), às 10h30 de Brasília, eu, uma pessoa absolutamente normal, estarei dentro de um foguete-cápsula decolando da base da Blue Origin, em El Paso, no Texas, nos Estados Unidos, rumo ao espaço. Será um voo suborbital de apenas dez minutos, mas que, com certeza, se transformará na experiência mais surreal da minha vida. Com isso, me tornarei também o segundo brasileiro a ir ao espaço – o astronauta Marcos Pontes realizou o feito em 2006, em uma parceria da Agência Espacial Brasileira com a agência russa Roscosmos.
Antes de embarcar na nave New Sheppard, terei que passar por um intenso treinamento na “Vila dos Austronaustas”, junto à base da Blue Origin. Eu e a minha mulher – Marcela, também engenheira –, que veio comigo para o Texas, estamos hospedados em um trailer no meio do deserto. Não me pediram nenhum exame médico especial, mas acho que isso não será um problema. Estou com a saúde em dia, faço musculação e estava me preparando para uma meia maratona correndo três vezes por semana. A orientação nestes dias que antecedem o voo é que eu mantenha o meu peso e durma bem. Como o espaço na cápsula é limitado, não poderei levar muitas coisas, mas pretendo carregar comigo uma bandeira do brasil.
Pelo o que já sei, nos dez minutos de voo, a nave New Sheppard percorrerá mais de 100 quilômetros de distância, chegando a ficar um pouco acima da linha da atmosfera terrestre. Nesse momento, terei a chance de observar pelos janelões da cápsula, bem maiores do que de um avião, a curvatura da terra em contraste com a escuridão do espaço. Durante alguns minutos, também poderei me soltar do assento e ficar flutuando dentro do foguete, como a gente vê nas imagens dos astronautas em missões espaciais. Nesse momento, vou experimentar a gravidade zero.
A minha vida começou a mudar radicalmente na tarde do dia 29 ade abril. Estava em casa com a minha mulher quando resolvi dar uma olhada no Twitter, no qual foi divulgado o sorteio realizado pela Crypto Space Agency (CSA), empresa que une a tecnologia da indústria espacial com o mercado de criptomoedas. Passei a tarde toda daquele dia sem acreditar que era realmente o premiado. Sou uma pessoa controlada, ainda sem filhos e que costuma aplicar suas reservas em fundos bem conservadores. Quatorze dias antes, estudando o mercado, vi a oportunidade de investir na CSA. Com 12 000 reais comprei três dos 5 555 NFTs (token não fungível, um tipo de ativo digital) disponibilizados e ainda passei a concorrer ao sorteio. Só me dei conta que iria mesmo ao espaço depois que recebi um telefonema de Londres com os representantes da empresa e, no mesmo dia, um e-mail com o contrato da Blue Origin para assinar.
Só depois disso, telefonei para contar a novidade aos meus pais. “Como assim?”, “Isso não pode ser verdade?”, “Você vai viajar numa nave espacial?”, disseram. A reação deles, como de todos ao meu redor, foi de um espanto com um pouquinho de apreensão. Mas estou seguro quanto ao voo. Essa é a 21º viagem espacial da Blue Origin, a quinta tripulada. A primeira com passageiros ocorreu em 11 de julho de 2021. Se não fosse seguro, o Evan Dick – engenheiro e investidor americano – não iria pela segunda vez embarcar em uma dessas missões.
Além do Evan Dick, estarão a bordo da nave New Shepard eu e mais quatro pessoas (a youtuber e apresentadora de TV mexicana Katya Echazarreta, o empresário Hamish Harding e os também investidores Jaison Robinson e Victor Verscovo). Desde que cheguei à base da Blue Origin, já fui apresentado aos outros tripulantes dessa missão. Engraçado lembrar que, como tudo aconteceu tão de repente, quando foi divulgado nas redes sociais que eu seria um dos seis turistas espaciais da missão NS-21, mandei a foto para vários amigos e colegas de trabalho. Todos acharam que era uma montagem. A Blue Origin não divulga o valor que cobra para uma pessoa embarcar numa experiência destas (sabe-se, porém, que em um leilão realizado, em 2021, para um assento no primeiro voo da empresa de Bezos, o vencedor pagou 28 milhões de dólares).
Embora eu seja aficionado por inovação e quando criança, como muita gente, sonhasse ser astronauta, só tive a oportunidade de viajar de avião pela primeira vez aos 15 anos. Ainda hoje sinto um friozinho na barriga quando vou embarcar. Até naqueles elevadores de parques de diversão, eu sinto a mesma coisa. Agora, mesmo sabendo que uma ida ao espaço implica em muito mais variantes e tecnologia, não estou com medo. Pelo contrário, estou ansioso para chegar logo a hora. Na última semana tive a chance de conversar por telefone com o astronauta americano Michael Good, que agora trabalha para a Blue Origin, e ele me tranquilizou bastante. Acredito que como aconteceu com aviação tradicional lá trás, os voos espaciais, com certeza, vão se popularizar no futuro. Estou tendo a chance única não só de realizar o meu sonho, mas o de muitos brasileiros.