Alexandre Silveira tem convivido com o bônus e o ônus de ser o mais lulista de todos os ministros do governo — muito mais do que os próprios petistas. Ex-senador do PSD, ele assumiu o cargo por conta de um arranjo político e admite que não tinha grande afinidade com assuntos relacionados a gás, petróleo ou mineração quando decidiu topar o desafio de comandar o Ministério de Minas e Energia. Agora está à frente de uma ambiciosa agenda que promete colocar o país no trilho do desenvolvimento econômico e sustentável, uma demanda que se impõe aos olhos do mundo, acompanhada de avanços na área social, a histórica bandeira do petista. Na última semana, Silveira lançou um pacote de medidas voltadas à transição para uma economia verde e um novo programa que pretende ampliar o acesso ao gás de cozinha para cerca de 80 milhões de brasileiros. Planejado para se consagrar como a maior marca do Lula 3.0, o Gás para Todos foi inaugurado sob aplausos e pompa do presidente, num desfecho que encerrou uma batalha de cerca de um ano com a equipe econômica, preocupada com as contas que não fecham, já que o custo estimado pode chegar a 13 bilhões de reais por ano. Reza a lenda que Silveira é um dos únicos auxiliares do presidente que desafia abertamente a equipe econômica, particularmente o ministro da Fazenda. Reza a mesma lenda que ele faz isso com a autorização expressa do próprio Lula. Dizendo-se um “atacante” disposto a fazer gols, Silveira já entrou em vários embates — e é alvo de disparos amigos. Em resposta, saca uma frase que atribui ao presidente: “Firula não me para. Sei aonde quero chegar”, afirma. Confira a entrevista.
O governo lançou a Política de Transição Energética que olha para o futuro num momento em que o país arde em chamas como no passado. Não é um paradoxo? As queimadas nos preocupam demasiadamente e demonstram, mais uma vez, a necessidade de aperfeiçoarmos os nossos mecanismos de controle e de apuração de responsabilidades. Mas é importante dizer que esses acontecimentos não são consequência da falta de política pública. A transição energética vem para tentar minimizar os impactos de efeitos climáticos que você não controla. Se há algum aperfeiçoamento de legislação ou alguma tipificação criminal que precisa ser acrescentada ao Código Penal, os acontecimentos vão nos levar a refletir. Mas são fatores que fogem ao controle humano. Daí a importância das medidas que estamos anunciando.
Como as adaptações às energias limpas estão aliadas ao crescimento econômico e social? Eu tenho defendido que não há salvação fora da nova economia, que é a economia verde. Achavam que passar a boiada seria um bom negócio, mas o que estamos vendo é a necessidade de um desenvolvimento econômico sustentável e com frutos sociais. Precisamos desse equilíbrio, sabendo que, fora da sustentabilidade, nós vamos para o isolamento internacional. Projetos que estamos avançando, como o do combustível do futuro, significam colocar 250 bilhões de reais nessa indústria. Acredito muito que os biocombustíveis são para o Brasil o que o petróleo é para a Arábia Saudita.
“Sempre lembro ao mercado que o projeto de país que ganhou as eleições foi o do presidente Lula, cuja prioridade é resgatar os programas sociais e reestruturar as políticas públicas”
O senhor disse recentemente que o setor elétrico brasileiro está à beira do precipício. Por quê? Nós temos o maior e melhor sistema energético do mundo. Uma dessas queimadas atingiu uma linha de transmissão e interrompeu o abastecimento do Acre e de Rondônia. Em três horas nós restabelecemos a luz. Se isso tivesse acontecido no Texas, nos Estados Unidos, teriam ficado no escuro, no mínimo, por três ou quatro dias. O meu comentário sobre o precipício foi em relação à tarifa. E repito: há uma esquizofrenia na questão tarifária do Brasil. Nós temos uma das melhores matrizes do planeta. Mas, em contrapartida, temos uma das tarifas mais caras.
O governo pretende intervir nesse setor como fez a ex-presidente Dilma? O que acontece é que o presidente Lula não consegue conceber o fato de a grande indústria pagar menos do que o consumidor regulado, que é o pobre e a classe média. Por isso, estamos concluindo o que chamamos de reforma do setor elétrico, com justiça tarifária, liberdade para o consumidor e equilíbrio do setor. Se nós não contivermos os interesses individuais dos segmentos que representam a geração de energia — interesses republicanos, porque é uma disputa de mercado —, vamos caminhar para o colapso do setor elétrico.
O governo também lançou o programa Gás para Todos. Não é contraditório isso acontecer num momento em que se busca corte de gastos? Hoje já temos o Auxílio Gás, que atinge 5,6 milhões de famílias e tem 3,6 bilhões de reais de custo. Notamos que esse recurso acabou sendo absorvido como parte do Bolsa Família, e as pessoas não compram o gás e continuam cozinhando com lenha, álcool e serragem, que trazem riscos de acidente e à saúde. Agora, todos vão passar a retirar o botijão na distribuidora. Estamos falando de 20 milhões de famílias beneficiadas, um total de 80 milhões de pessoas, a um custo de 13,6 bilhões de reais. Isso não é nada para um país como o Brasil.
Foi fácil convencer a equipe econômica? Boa pergunta. Tivemos um ano de negociações na Esplanada, discutindo os impactos regulatórios e financeiros. O presidente tem total visão de que há que manter o equilíbrio das contas, há que melhorar a qualidade do gasto, que fazer os abatimentos devidos na dívida pública. Sempre lembro ao mercado que o projeto de país que ganhou as eleições foi o do presidente Lula, cuja prioridade é resgatar os programas sociais e reestruturar as políticas públicas. E é isso que vamos fazer. O início do programa é imediato, e até dezembro de 2025 tem de estar 100% implantado. Estamos falando de atender um terço das famílias do país que cozinham com botijão de gás. Em paralelo, estou lançando um outro programa de fornecimento de fogão e geladeira. Será um investimento de algo em torno de 3 bilhões de reais a mais por ano. Juntos, serão os maiores programas sociais desta gestão.
Esses aumentos de despesas são vistos como uma derrota do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. No governo Bolsonaro, quem mandava era o ministro da Economia, Paulo Guedes. Eu não vou dizer que o Haddad é o oposto do Paulo Guedes, mas posso dizer que o Brasil tem um presidente da República, o Brasil tem quem decide, e o nome dele é Lula. O mercado dizer que o ministro da Fazenda é quem tem de decidir a política econômica do país, me desculpe, é errado. Na minha opinião, o ministro da Fazenda tem de ser o auxiliar do presidente para a construção da política econômica do país. O ministro que procura constranger o presidente — e não estou falando do ministro Haddad, estou falando de forma geral — não é correto com o país, com a consciência dele, e não tem lealdade ao presidente da República. Era o que o Guedes fazia.
Como define a sua relação com o presidente Lula? Só nós conhecemos as nossas origens e como cada um se edificou. Eu sou filho de um operário e de uma dona de casa, meu pai nunca dirigiu um carro. A maior alegria dele era chegar em casa carregando duas sacolas com legumes e comprar a carne para fazer o churrasquinho no final de semana. A gente morava literalmente na boca de uma favela. Quando o presidente Lula me convidou para o cargo, disse a ele que eu seria ministro com o único objetivo de ajudar o país. É preciso ter respeito. Aprendi que a última palavra é a dele. Ou seja, você pode conversar com o presidente da República sobre o que você pensa, dar sugestões, palpites — claro que tem momentos e formas para isso, e não precisa falar com plateia. É química pura entre nós, porque tem respeito, porque tem leitura de país e tem lealdade.
A sua proximidade com o presidente incomoda e, consta, também gera intrigas por parte de alguns aliados. Trato isso com extrema naturalidade, sabendo que são coisas do embate político. O ciúme dessa minha proximidade com o presidente vem das próprias pessoas que já o conhecem há muitos anos. Sou bom de briga, mas tem hora para brigar. Dentro do processo eleitoral, você briga. Fora do processo eleitoral, você é servidor público. Aqui, o que me realiza é fazer gol.
“O Brasil tem quem decide, e o nome dele é Lula. O mercado dizer que o ministro da Fazenda é quem tem que decidir a política econômica do país é, me desculpe, errado”
O senhor foi responsável pela demissão do ex-presidente da Petrobras, Jean Paul Prates? Quem sou eu? Jamais teria essa intenção ou força com o presidente Lula. Para mim, lealdade é um traço de caráter. Eu nunca tratei do nome Jean Paul com o presidente que não fosse na presença dele. Nunca. Todos os embates ou foram públicos ou foram na presença do Jean. Agora, eu sei o que o presidente quer para o Brasil. Nunca aceitaria fazer algum tipo de aliança que contrariasse o presidente. Quem for ao gabinete do Lula achando que vai induzi-lo ou convencê-lo a errar já entra derrotado.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, seu aliado, é um potencial candidato ao governo de Minas com o apoio do Planalto. Hoje, segundo alguns políticos do estado, o senhor seria o principal adversário dele. Isso é fato? O Rodrigo é uma das pessoas mais bem preparadas que eu conheci, alguém com estofo para ocupar qualquer cargo na República, e eu acho que pode ser candidato a governador no eleitorado do Lula. Mas, para a sobrevivência política, é importante que você tenha clareza de que o Brasil ainda está dividido. Então, é importante que você se posicione de um lado ou de outro. O Rodrigo, injustamente, paga um preço muito caro por ter sido um freio aos arroubos do Bolsonaro. Dizem que eu sou o mais paulista dos mineiros. O Rodrigo nasceu em Rondônia, ele é o mais mineiro dos rondonienses. Porque o Rodrigo faz as coisas do jeito dele, de forma cirúrgica, com o jeito elegante. Inclusive deve incomodá-lo muito o meu jeito de agir. O que eu penso, eu falo.
O presidente Lula será candidato à reeleição? O presidente Lula é uma necessidade para o Brasil. Ele só conseguirá entregar um país menos atritado e mais pacificado depois da reeleição, em 2030. Não temos ninguém que o substitua. Do outro lado, também não temos nenhum líder capaz de assumir o Brasil. Claro que isso tudo depende da popularidade do presidente até lá. Tem muita gente falando bobagem. Quero aproveitar para criticar a leitura equivocada da Faria Lima, quando começa a cogitar que fulano é opção, sicrano é opção a Lula. Não há opção a Lula. O único líder neste momento da história que tem voto no Brasil é o presidente Lula. Todos os outros são o retrato do que estamos vendo na eleição de São Paulo: políticos sem conexão com a realidade.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908