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“É um erro estar com Lula”, diz Sebastião Melo sobre MDB

Reeleito após a tragédia em Porto Alegre, prefeito critica o seu partido por integrar o governo federal e defende candidatura presidencial de oposição

Por Ramiro Brites Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 nov 2024, 09h40 - Publicado em 8 nov 2024, 06h00

Nascido em Goiás, Sebastião Melo chegou a Porto Alegre em 1978, quando tinha 20 anos, e logo se filiou ao MDB, única legenda na qual militou em sua trajetória. Foi vereador, vice-prefeito e deputado estadual e diz que é “o cara que mais quis ser prefeito” da capital gaúcha. A realização do sonho veio em 2021, mas a gestão foi turbulenta. Aliado ao PL de Jair Bolsonaro, foi criticado na pandemia por adotar vermífugos e remédios contra a malária para combater a covid-19, apesar da falta de respaldo científico. No ano em que iria tentar renovar o mandato, deparou-se com o principal desafio de sua vida pública. Assim como a maioria do Rio Grande do Sul, o município ficou debaixo d’água na mais devastadora enchente registrada em uma cidade marcada por cheias históricas. A crise espalhou 13 000 pessoas por 130 abrigos (hoje há 377 em um local), deixou cinco mortos, levou o caos à cidade e fechou o aeroporto Salgado Filho por 170 dias. Apesar das críticas pelas falhas no sistema anticheia, o que virou tema óbvio de campanha, ele surpreendeu ao derrotar Maria do Rosário (PT) com alguma facilidade. A VEJA ele diz que o eleitor julgou os quatro anos de mandato, afirma que a centro-direita venceu em todo o país porque a esquerda não entendeu que “o cidadão da periferia quer liberdade em tudo” e diz achar um equívoco o MDB participar do governo Lula.

O senhor enfrentou a maior tragédia climática de Porto Alegre, foi muito criticado e acabou reeleito. A que atribui a vitória nesse cenário? O resultado foi um julgamento dos quatro anos de mandato e de todas as políticas públicas que liderei com a equipe e a sociedade, porque muitas transformações foram provocadas pela prefeitura, com grandes parcerias. E povo também me julgou, incluindo a minha atuação em relação às enchentes. A votação no Brasil, do Oiapoque ao Chuí, reelegeu prefeitos que dialogam com a cidade, com os cidadãos, que enfrentam os problemas e têm transparência nos atos.

Sobre a inundação, faltou manutenção ou investimento da prefeitura no sistema de prevenção? Por que a estrutura antienchente não funcionou? O sistema foi concebido e executado após a grande enchente de 1941, baseado naquele volume de água. Ele nunca tinha sido testado com a ferocidade dessa tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Quando aconteceu, vimos que diques que deveriam ter sido construídos no passado, não foram; estruturas que deveriam ter uma altura, não tinham. Todos os prefeitos que me antecederam fizeram a sua parte na manutenção, eu fiz a minha também, mas a verdade é que tivemos vazamentos de água em 21 lugares, portões que romperam, contenções que não funcionaram. O sistema não foi revisado durante todos esses anos, e, quando veio aquela quantidade de chuva, se mostrou insuficiente.

Diante disso, por que a população não o responsabilizou nas urnas? A campanha fez um diálogo franco e mostrou qual é a responsabilidade de cada um. A limpeza dos arroios é uma competência do município, e nenhum deles transbordou, porque estamos gastando dinheiro com isso desde 2021. A Constituição diz que a proteção contra calamidades também diz respeito à União. Quem mais me atacou, que foi o PT, governou a cidade por dezesseis anos; o sistema era o mesmo e não fizeram nenhuma obra para refazê-lo. E o culpado de tudo é o Melo? Esse discurso ficou frágil.

“O MDB tem que desenhar um caminho para a sucessão presidencial. Se o partido não tiver um candidato próprio, defendo uma aliança de centro-direita para 2026”

O governo federal cumpriu o que prometeu na retomada pós-enchente? Existem anúncios feitos e que se concretizaram e outros que foram feitos e não se confirmaram. É importante dizer: o governo Lula anunciou 6 bilhões de reais para a proteção contra cheias na bacia metropolitana. Falei sobre esse assunto no Ministério das Cidades, mas ainda não saiu do anúncio. Tem que fazer uma portaria, e essa portaria tem que gerar a criação de um fundo, que vai ser gerido pelo governo do estado. Para Porto Alegre é meio bilhão de reais. Quando os ministros estavam aqui, disseram: “Essas obras emergenciais nós também vamos bancar”.

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O que fazer diante dessa demora? Eu não podia esperar. Já lancei algumas licitações. Tem empréstimos também que estão a caminho. Para o Pronampe (linhas de crédito para pequenas empresas), veio dinheiro, mas sempre vai ser insuficiente. No Auxílio Reconstrução se inscreveram 278 000 pessoas, mas o governo reconheceu só umas 70 000. As obras mais pesadas dependem de estudos que não são só do meu município, parte depende da bacia. Se você olhar a quantidade de sujeira que tem no Guaíba, é uma coisa assustadora, mas a limpeza é competência única e exclusiva do governo do estado.

Se pudesse voltar no tempo, o que o senhor teria feito de diferente? O sistema de monitoramento até a enchente era muito frágil. Um meteorologista previa que iria chover nas próximas 24 horas de 80 a 100 milímetros, mas, ele nunca dizia se a chuva seria na primeira hora, na segunda hora ou espaçada nas 24 horas. Não é porque ele não é competente, é porque não tinha elementos suficientes para isso. Se eu pudesse voltar no tempo, faria o que estamos fazendo: uma sala de monitoramento, porque você pode ter mais precisão na sua tomada de decisão.

De quanto tempo Porto Alegre vai precisar para se recuperar totalmente dos estragos da tragédia? Temos um longo caminho que envolve gestão e dinheiro. Esse é um tema central. Não dá para determinar um tempo, se é no meio ou no fim do ano que vem. O certo é que toda a força de trabalho está sendo colocada para devolver a cidade à normalidade o mais rápido possível, porque isso dá dignidade e segurança. Em uma cidade recuperada, a economia volta mais rápido. Se, por um lado, setores perderam muito, por outro, sempre alguém vai ganhar dinheiro. A construção pesada no Rio Grande do Sul está com um faturamento extraordinário. Pontes foram derrubadas, sistemas de proteção de cheias também foram derrubados.

O MDB tem três ministérios no governo Lula, mas nas eleições as críticas do senhor ao governo federal eram bem frequentes. Não é uma contradição? Sou um prefeito que governou por dois anos com o presidente Jair Bolsonaro e tive um entendimento bom. E com o atual governo tive um diálogo antes e durante a enchente, quando o presidente esteve aqui, e com os ministros. Agora, acho um equívoco o MDB estar no governo Lula, mas essa é uma decisão nacional.

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O senhor defende ir para a oposição? Nós disputamos a eleição de 2022 (com Simone Tebet) e perdemos. Não sou bolsonarista, mas votei no Bolsonaro no segundo turno. Tenho uma aliança com o PL desde a disputa passada, o que estava em jogo aqui era a municipalidade. O MDB tem que desenhar um caminho para a sucessão presidencial, um projeto para liderar o Brasil. Vou trabalhar por isso.

Como se articularia esse projeto? Conversei rapidamente com o presidente do partido, Baleia Rossi, tenho conversado com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. A primeira coisa é que o MDB precisa se reunir. Sempre discuti ideias e convivi bem com divergências partidárias e com as decisões tomadas, desde que sejam democráticas. Sem uma candidatura presidencial, vamos nos dividir. Temos que lutar pela unidade, sob a coordenação do Baleia. Quero ajudar. Mas, se o MDB não tiver candidato próprio, defendo uma aliança de centro-direita em 2026.

Qual a chance de esse movimento prosperar? A contribuição de um prefeito de capital tem limite. Vou defender minha posição, assim como outros emedebistas vão entender que tem que ser uma candidatura de centro-esquerda. Mas essa discussão tem que acontecer.

O MDB foi o partido que mais venceu em capitais, com cinco, mesmo número do PSD. Por que acha que teve esse desempenho? O brasileiro foi pragmático, deixou um pouco os extremos de lado. Há um eleitor que tem definição ideológica, de um lado e de outro, mas que nunca vai ser suficiente para ganhar a eleição. O MDB escolheu bem seus candidatos, fez uma boa eleição municipal, e nossa responsabilidade aumentou. Na medida em que temos mais representações, temos também mais condições para tomar uma decisão na eleição que vem.

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“Talvez o PT tenha perdido a periferia por apostar muito em política paternalista. O cidadão, mesmo de áreas pobres, quer liberdade em tudo. O desenvolvimento leva riqueza, não o contrário”

E a que atribuiu a ampla vitória dos partidos de centro-direita? O maior problema social de um governo é o baixo desenvolvimento econômico. Talvez o PT tenha perdido a periferia por apostar muito em política paternalista. Quando o partido começa a ganhar na classe média alta, já é sinal de que as coisas mudaram. O cidadão da periferia quer liberdade em tudo. Cuidamos muito da liberdade econômica, levamos inovação aos bairros, regularização fundiária, sem olhar partidos; é fazer o que tem que ser feito. O desenvolvimento leva riqueza à periferia — e não o contrário. Esse é um caminho demonstrado a cada eleição e por isso a centro-direita está cada vez maior nas capitais.

O eleitor está recebendo melhor essa visão econômica? Não só em relação à economia, mas também com a participação popular verdadeira. Não fizemos do orçamento participativo um aparelho de governo, como era com o PT. Fomos aos bairros para debater o tema daquele local. Coloca-se uma caixa de som, dez, quinze pessoas falam, e o secretariado escuta tudo. Claro que o orçamento tem limites, mas dá credibilidade dizer para a pessoa “isso dá para fazer”, “isso é para daqui a um ano”. Ou seja, isso é participação popular sem ser paternalista. Ganhamos as eleições em todas as urnas e, especialmente, nas classes mais baixas. O discurso identitário da esquerda pega parte da sociedade, mas nós conversamos com todos.

O antipetismo ajudou o senhor a ganhar as eleições? O meu discurso foi a favor da cidade, mas, no enfrentamento político, especialmente no segundo turno, a chapa esquenta. Alguns votaram em mim por profunda convicção, outros porque não queriam que o PT voltasse. O segundo turno é um mano a mano. A soma disso deu o resultado da eleição. E teve ainda a questão da abstenção, que mostrou o desencanto de milhares de pessoas no Brasil inteiro. Em Porto Alegre, não foi diferente. É preciso fazer com que esses brasileiros que não têm votado voltem a participar das eleições.

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O senhor pretende deixar a prefeitura para disputar o governo em 2026? Não. Estarei aqui prefeiturando. Aliás, vou ser o prefeito, depois da redemocratização, com mais tempo no cargo em Porto Alegre. Fui o cara que mais quis ser prefeito. E serei outra vez.

Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918

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