Gilson Machado diz que assume Turismo no ‘pior momento possível’ da área
Sanfoneiro das lives do presidente da República é mais novo membro da Esplanada
Na postura e nas declarações, o ex-presidente da Embratur, sanfoneiro das lives presidenciais e novo ministro do Turismo, Gilson Machado, de 52 anos, chega ao primeiro escalão de Jair Bolsonaro tocando a música que o chefe gosta de ouvir. Critica a legislação ambiental, põe na conta da mídia e “de ONGs” as ranhuras na imagem do Brasil no exterior e se dispõe até a defender seu antecessor, Marcelo Álvaro Antônio. O antigo titular da cadeira conseguiu se manter no posto mesmo após as denúncias sobre seu envolvimento no laranjal do PSL durante as eleições de 2018. Só perdeu o emprego ao bater de frente com Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Na ocasião, acusou Ramos de pedir ao presidente que entregasse o cargo principal do ministério do Turismo ao Centrão, o bloco fisiologista de apoio ao governo. A promoção inesperada, ocorrida em dezembro, impõe a Machado enormes desafios. Na entrevista a seguir, ele traça o cinzento horizonte do turismo nos próximos anos e admite que os números do setor que comanda são de republiqueta. Nosso país recebe cerca de 6,5 milhões de estrangeiros por ano — menos do que o elevador da Torre Eiffel. “É vergonhoso”, admite.
O convite para ser ministro o surpreendeu? Eu não esperava. O Marcelo Álvaro, meu antecessor, vinha fazendo excelente trabalho, muito alinhado comigo na Embratur. Fomos companheiros de transição, fizemos várias coisas que mudaram o turismo no Brasil, como a liberação de vistos e várias medidas provisórias. O Brasil tem um detalhe problemático: é exportador de turismo. Mandamos ao exterior 11 milhões de turistas por ano, que, às vezes, têm pudor de dizer que vão viajar pelo Brasil. Acham mais importante dizer que vão conhecer outros países.
O turista brasileiro tem vergonha do Brasil? Acho que é desconhecimento, principalmente por parte das pessoas de maior poder aquisitivo. Sentir vergonha do Brasil é algo muito forte, porque o Brasil é o país mais bonito do mundo. Quem diz que sente vergonha do Brasil precisa se internar.
Qual será a prioridade da sua gestão? A manutenção dos empregos. Nós fomos o país, graças a Deus, que mais fez pela manutenção do emprego da América Latina. Enquanto outros destinos turísticos perderam até 60% dos empregos, alguns até mais, como o Caribe, que perdeu 70%, nós perdemos em torno de 25%, segundo a associação nacional da indústria de hotéis. Fizemos medidas duras, mas o maior capital de uma empresa de turismo é o capital humano. Eu sei porque sou um pequeno operador turístico em São Miguel dos Milagres (nota da redação: o ministro tem uma pousada numa cidade do interior de Alagoas).
Nessa nova cadeira, o que dá para prometer no meio de uma pandemia? Estou assumindo o ministério no pior momento possível. Posso prometer trabalho. Mas tudo vai depender de como será a pandemia. Aproveito para fazer um apelo aos governadores: o setor não aguenta outro lockdown. O empresário está com muito medo, não consegue se programar. De repente vem um decreto e…
O lockdown não salva vidas? Precisamos salvar vidas, mas adotamos protocolos sanitários que estão tendo sucesso. Vamos salvar os empregos também. Pode fiscalizar quem está usando máscara, fazendo protocolo, distanciamento. Mas a gente já viu que o lockdown não funcionou. Em países desenvolvidos, as pessoas pegaram o coronavírus mesmo com o lockdown em vigor. Tem de adotar medidas de segurança.
“A gente já viu que o ‘lockdown’ não funcionou. O setor não aguenta mais isso. Em países desenvolvidos, as pessoas pegaram o coronavírus mesmo com o ‘lockdown’ em vigor”
Como obter sucesso num ministério que depende tanto de outras áreas, como segurança e economia? Já estamos entregando resultado. O turismo começou a se recuperar, a economia já está se recuperando, as companhias aéreas já começam a ter fluxo.
Qual região do Brasil tem o maior potencial de crescimento do número de turistas? A que tem o maior potencial ainda é o Rio de Janeiro. É preciso resolver a questão da violência, outra prioridade do nosso governo, mas, quando você pensa em turismo na América Latina, a imagem que vem é a do Cristo Redentor. Para o estrangeiro, o Rio é a porta de entrada do Brasil. E, além do Rio, os lugares onde há ecoturismo, como os pampas gaúchos, o Pantanal de Mato Grosso, a Amazônia. Eu mesmo não me perdoo de não ter conhecido a Amazônia antes. Em 2019, a cada 100 buscas por turismo no mundo, dez eram por turismo de natureza. Em 2020, a cada 100, 54 são por turismo de natureza. E o problema de segurança existe em cidades específicas. Em Jericoacoara, no Ceará, por exemplo, não tem. Os índices de segurança nesses locais são os mesmos da Suécia. Eu já tive problemas nos Estados Unidos, fui assaltado em Miami.
Por que o Brasil recebe apenas 6,5 milhões de turistas por ano? Pois é. Perdemos até para o elevador da Torre Eiffel. Esse número é vergonhoso, inadmissível. Em 1966, o Brasil tinha 90 milhões de habitantes, o mundo emitia 400 milhões de turistas ao ano e recebíamos 4 milhões deles. Em 2019, o Brasil tinha cerca de 210 milhões de habitantes, o mundo emite 1 bilhão de turistas, e o Brasil recebe apenas 6,5 milhões. Era para estarmos com pelo menos 15 milhões.
Qual é o maior gargalo da área? Dinheiro para investir na promoção internacional, para botar o país na prateleira. O México tem 500 milhões de dólares para investir por ano, a Argentina tem 120 milhões de dólares, e o Brasil, no ano passado, teve 8 milhões de dólares.
Esses números são da gestão Bolsonaro. É culpa do governo? É culpa dos governos anteriores, é o orçamento aprovado no ano anterior. Assumimos em 2019 sem recursos para divulgar o Brasil. Íamos colher em 2020, mas fomos impedidos de fazer qualquer feira no exterior. Companhias aéreas pararam. A previsão do setor é que o turismo externo só voltará ao patamar de 2019 em 2023.
Como vê a conflituosa relação do presidente com governadores do Nordeste? Isso não atrapalha o seu trabalho? Poderia ser melhor. Estou fazendo meu trabalho e, para ter resultado, preciso conversar com todos e transitar em todos os lugares. E a popularidade do presidente está aumentando no Nordeste. Você sabe: o nordestino é cristão, patriota, trabalhador e está se identificando cada vez mais com o jeito do presidente.
A forma como o presidente se comporta diante da pandemia prejudica a imagem do Brasil externamente? Não. O que prejudica a imagem são narrativas criadas pela grande mídia, pelas ONGs, que falam que o Brasil pegou fogo, por exemplo. O Brasil é o país mais preservado do mundo. Estive em Gotemburgo, na Suécia, na maior feira de ecoturismo do mundo. Eu cheguei lá, o pessoal pensava que São Paulo estava sem operar voos por causa da fumaça na Amazônia. O Brasil é o país mais sustentável do mundo, é o único onde os produtores rurais têm área de preservação permanente. Vá à França para você ver onde eles plantam a uva, até dentro do rio, se puderem.
É possível salvar o turismo sem uma vacina? Se não chegar a vacina, nossa população já está aprendendo a lidar, a fazer os protocolos de segurança. A gente já vê o turismo em plena recuperação. Vá ao aeroporto: já tem fila para comprar tudo…
Considera que o presidente agiu bem diante do resultado das eleições nos Estados Unidos, um dos três países que mais mandam turistas para o Brasil? Agiu bem, sim. Com todos os problemas, suposições que a gente viu na mídia americana, de fraudes, ele foi muito prudente. Eu concordo com a prudência dele.
A Secretaria Especial da Cultura está dentro da sua pasta. Ela trata os artistas brasileiros como eles merecem? Acabei de assumir, não posso dar uma resposta aprofundada. Mas acredito no Mario Frias, que é o responsável pela Secretaria. Ele tem a maior boa vontade, é competente e do ramo. A gente tem de levantar tudo, ver como eram feitas as prestações de contas antigas, botar lupa e não cometer injustiças.
O senhor pretende passar um pente-fino no ministério para identificar possíveis malfeitos de seu antecessor Marcelo Álvaro Antônio? Marcelo Alvaro vinha fazendo um trabalho excelente, com resultados. Não vou fazer pente-fino algum, nem tenho intenção de mudar uma equipe que está funcionando. Vou dar continuidade ao trabalho que construímos juntos.
Se chegarem indicações políticas do Centrão, o que o senhor fará? O presidente me deu carta branca. Qualquer indicação vai passar pelo meu crivo, e vou dar preferência a indicações técnicas. Se houver algum político com capacidade técnica para trabalhar, será muito bem-vindo.
“O Brasil é o país mais sustentável do mundo. Aqui, os produtores rurais têm área de preservação. Vá à França para você ver onde eles plantam a uva, até dentro do rio, se puderem”
Bolsonaro já falou em federalizar Fernando de Noronha para estimular o turismo na ilha. O senhor é a favor desse plano? Ele falou em dar a oportunidade ao povo de Fernando de Noronha escolher, fazer um plebiscito para ver se quer continuar com o governo de Pernambuco ou quer a autonomia de um município. Por que não pode ter um prefeito eleito e sua autonomia? Acho que a federalização tem de ser mais bem avaliada, tem de ser escolhido pelo povo.
A legislação ambiental estimula ou amarra o turismo no país? Amarra totalmente. Uma licença às vezes demora vinte anos para sair. Estamos lutando para destravar, facilitar para quem quer investir no país e se comprometer com o meio ambiente. Muita coisa pode ser digitalizada. Nos Estados Unidos, para tirar uma licença, você preenche um formulário na internet e praticamente já tem uma pré-licença. Aqui não é fácil. E outra: cada turista é um fiscal do meio ambiente. Hoje tem Booking, Tripadvisor, Expedia. Se o turista pesquisar e descobrir que tal praia não tem peixe, que a água está suja, ele não vai.
O senhor conversa sobre outros assuntos com Bolsonaro além de trabalho? A gente fala de pescaria e futebol. Ele é louco pelo Palmeiras e eu sou louco pelo Náutico.
Agora ministro, o senhor vai continuar tocado sanfona nas lives? Se eu não tocar sanfona todo dia, não consigo ter um dia normal. Todo dia de manhã toco meia horinha de sanfona. Nas lives foram só algumas vezes.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721