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Matthew McConaughey a VEJA: “Eu desafiei Hollywood”

O astro americano fala das tensões que superou para a guinada na carreira que lhe rendeu o Oscar e diz que não fecha portas à política

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 set 2024, 11h34 - Publicado em 13 set 2024, 06h00
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  • São poucas as personalidades relevantes o suficiente no mundo para que suas carreiras sejam divididas em eras. Matthew McConaughey é uma delas. O termo McConaissance — mescla do sobrenome do ator e da palavra renascença, em inglês — se popularizou em Hollywood para definir o antes e o depois da virada de McConaughey, de galã de comédias românticas a protagonista de dramas de alta voltagem. Os frutos da transição do texano de 54 anos são notáveis. Em 2014, ele conquistou o Oscar ao interpretar um caubói com HIV no filme Clube de Compras Dallas. Desde então, deu vida a personagens memoráveis, do investigador da série True Detective ao astronauta de Interestelar. Casado com a modelo brasileira Camila Alves, com quem tem os filhos Levi, 16, Vida, 14, e Livingston, 11, não parou de expandir horizontes: virou professor de atuação e roteiro na Universidade do Texas e escritor bem-sucedido. Em 2020, publicou o best-seller Greenlights, autobiografia sincerona e motivacional. Agora, lança no Brasil pela editora Sextante o livro infantil Só Porque…, no qual faz rimas sobre a liberdade de cada um ser o que é — e mais. “Não somos uma coisa só”, disse ele a VEJA. Na entrevista, o astro não descarta também um flerte futuro com a política.

    Como surgiu o desejo de se aventurar na escrita? Eu sempre gostei de escrever. Desde os 15 anos de idade, não saio na rua sem um caderninho. Em casa, tenho dezenas deles. São diários com reflexões, ideias e desenhos, de todos os tamanhos, de países distintos, quase todos com capa de couro, é uma coleção linda. Há uns dez anos, a Camila me questionou o que eu faria com tudo aquilo. Tentei empurrar para ela a responsabilidade. Falei: “Quando eu morrer, você pega esses diários, edita, veja se tem algo neles que valha a pena dividir com o mundo”. Ela me cortou de modo enfático e disse: “Sem chances. Se quiser publicar isso, então você que se vire”.

    Uma postura direta e bem brasileira, não é? Exatamente. E que bom que ela agiu assim, pois é um fardo enorme para se entregar a alguém. Imagina só, deixar situações inacabadas para seus parentes resolverem depois da sua morte. Esses escritos começaram a me assombrar. O que vai acontecer com esse material? Serão arquivados? Jogados fora? Daqui a 200 anos alguém vai encontrá-los e pensar que ainda são relevantes? Por isso escrevi Greenlights (Sinais Verdes, em tradução direta, sem edição no Brasil).

    Greenlights foi um sucesso que vendeu mais de 4 milhões de cópias. Além de descrever momentos marcantes de sua vida pessoal, como a relação conturbada de seus pais, o senhor fala da virada profissional, quando declinou uma oferta de 14 milhões de dólares para atuar em um filme de comédia porque queria fazer drama. Quão difícil foi essa transição? Muito difícil. Muito mesmo. Eu fazia um monte de comédias românticas e todo trabalho que me ofereciam era do filão. Mas eu queria ir além, queria encarar novos desafios e fazer papéis dramáticos. Depois de muito tempo pedindo por esses trabalhos, sem sucesso, tomei uma decisão categórica: se não me deixassem fazer o que queria, eu não faria mais nada. Larguei tudo e voltei para o Texas. Na época, a Camila e eu estávamos fortalecendo nossa relação. Ela estava grávida do nosso primeiro filho, o Levi, então o anseio por experimentar a paternidade me ajudou a ficar firme e equilibrado. Mas eu estava com medo.

    “Pensei que nunca mais trabalharia como ator. Mas há algo poderoso em dizer não. Isso deixa as pessoas intrigadas. Se você é bom no que faz e estabelece limites, pode se tornar mais respeitável”

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    Por que tinha medo? Porque chegou um momento em que pensei que nunca mais trabalharia como ator novamente. Ao recusar aquela oferta, eu desafiei Hollywood. Comecei a pensar em alternativas, como virar professor, ou talvez voltar para a faculdade de direito que abandonei no passado, pois o telefone não tocava. Ninguém me oferecia nada. Lembro de um dia que liguei para meu agente e perguntei: “Tem algo em vista para mim?”. E ele respondeu: “Matthew, faz três meses que não escuto ninguém citar seu nome”.

    De onde tirou forças para se manter firme na decisão de mudar o rumo da sua carreira? Primeiramente, tenho a sorte de ter a Camila, que me dá forças. Eu tinha fé na minha decisão. Sabia que era uma postura aparentemente egoísta, mas apostei em mim mesmo e decidi acreditar na minha capacidade. Tinha na época uma criança chegando ao mundo, então havia ainda um horizonte para almejar. Eu também estava forte espiritualmente. Mas, ao mesmo tempo, sentia medo, pois atuar era meu propósito, meu sonho, o ofício ao qual eu me dedicara por décadas até ficar bom naquilo. Tudo podia ir por água abaixo para sempre. Mudar não foi fácil.

    Como superou essa situação? Bem, como todos sabem, o telefone finalmente tocou — dois anos depois. Eu estava no deserto, numa seca total. Acho que o fato de que fiquei firme na minha decisão e deixei claro para Hollywood que não, eu não voltaria a fazer os mesmos trabalhos de sempre até que eu pudesse fazer dramas foi uma prova de que eu não estava blefando. Foram dois anos que fiquei firme na minha palavra. Acho que deixei os estúdios chocados. Hollywood pensou: “Parece que o McConaughey está falando sério”. Há algo poderoso em dizer não. Em mirar com foco no que você quer. Isso deixa as pessoas intrigadas. Se você é bom no que faz e estabelece limites, então pode se tornar mais respeitável e atraente aos olhos dos demais. Pelo menos foi o que aconteceu comigo.

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    Tanto essa transição quanto sua aposta na carreira acadêmica e na escrita, que vieram em seguida, parecem resultado da maturidade que vem com a idade. Enxerga esse elemento nessas decisões? Se por maturidade estamos falando de confiança e da capacidade de acreditar em si mesmo, então, sim. Com certeza. A escrita, por exemplo, eu comecei a praticar muito jovem. Não tinha a coragem, nem a convicção de que meus pensamentos valeriam para algo. Demorei a pensar que minha história poderia tocar e ecoar na vida de outras pessoas. Que alguém poderia se ver em minhas experiências.

    O livro infantil Só Porque… nasceu de suas experiências como pai? O Só Porque… me veio em um sonho. Talvez inspirado em conversas que tive com meus filhos na mesma época. Acordei com esses versos musicados na mente. “Só porque parece ótimo, não significa que é tão bom assim”, “Só porque… etc. etc.”. Três horas depois, eu tinha mais de duzentos versos. Selecionei trinta que estão no livro e que me ajudaram a conversar com meus filhos. Espero que esse livro promova diálogos em família. Eu aprendo mais sobre mim mesmo enquanto ajudo meus filhos a descobrirem quem eles são.

    Pode dar um exemplo? Sou sempre tomado pela reflexão de como ser um bom pai. Camila e eu nos esforçamos para ajudar no processo de amadurecimento das crianças, neste momento em que elas estão tentando descobrir quem são, do que gostam e quais são as regras do jogo na vida real. Tivemos uma conversa com o Livingston sobre o esporte que ele estava praticando. Que ele não precisava se preocupar em ser um profissional e fazer aquilo por toda a vida. Que era bom ele praticar um esporte, mas que deveria se divertir. Ele tem só 11 anos, não tem de decidir agora o que vai fazer para o resto da vida. Temos essa ideia, em várias fases da vida, de que quando escolhemos um caminho ele deve ser algo absoluto. Mas não precisa ser assim. Não somos uma coisa só, nem somos os mesmos para sempre.

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    Acha que essa cobrança de se autoafirmar de forma drástica aumentou em um mundo politicamente polarizado? Com toda a certeza. Não é acidental que a mensagem desse livro, desse “livro infantil” (ele faz as aspas com os dedos), seja sobre as contradições humanas. Também quero falar com os adultos enquanto eles leem para seus filhos. Quero espalhar a ideia de autoaceitação, que possamos nos perdoar e abraçar as nossas contradições enquanto humanos e como sociedade. Hoje, nós nos polarizamos antes mesmo de pensar de forma racional no que acreditamos e em quais são as outras opções, para refletir sobre elas. A polarização política não se baseia nas crenças de alguém, mas, sim, na reação emocional de se opor ao que o outro pensa. Essa é uma sociedade que não se esforça para entender o próximo, nem a si mesma.

    Como assim? Só podemos dizer que nos conhecemos de verdade a partir do momento em que olhamos para o outro e temos empatia por ele. Ouvir o que as pessoas sentem, dialogar, dar as mãos são atitudes essenciais para nossa sociedade evoluir e dar um bom exemplo às nossas crianças. Em meio a esta confusão que vivemos, não damos chances aos jovens de praticarem esse autodesenvolvimento.

    “A polarização não se baseia nas crenças de alguém, mas na reação emocional de se opor ao que o outro pensa. Essa é uma sociedade que não se esforça para entender o próximo”

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    O senhor e sua esposa criaram uma instituição chamada Just Keep Livin’, com atividades educativas e esportivas para jovens de baixa renda. O que os motivou a abraçar a causa de cuidar de jovens? Se queremos um mundo melhor, precisamos de pessoas melhores. O caminho ideal para isso é apostar nos jovens e nas crianças, dar a eles ferramentas para se desenvolverem de forma saudável. Todos podemos ajudar. Todo dia podemos ser pais um pouco melhores, professores e mentores melhores.

    Em 2021, o senhor flertou com a possibilidade de concorrer ao cargo de governador do Texas. A política ainda o interessa? Essa é uma vertente que ainda estou analisando se faz sentido para mim. Se posso ser útil e se vou sentir prazer em exercê-la. Gosto de sentir alegria enquanto trabalho. Neste momento, tenho prazer em ser um artista, um contador de histórias e um pai. Sobre a política, continuo analisando, entendendo que líder eu poderia ser. Esse é um exercício, aliás, que todos deveriam fazer.

    Em que sentido? Todos nós podemos nos imaginar na política. Faz com que você entenda os desafios e pense em como suas decisões vão afetar a vida de diversas pessoas. Pessoas que você nem conhece. Como podemos impactar de forma positiva a vida da população? Trata-se de um exercício que nos ajuda a ser menos egoístas.

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    De volta ao cinema, tem algum projeto a caminho? Acabei de rodar um filme com o diretor Paul Greengrass chamado The Lost Bus (O Ônibus Perdido). É sobre um ônibus escolar em meio ao maior incêndio da história da Califórnia, em 2018. Neste momento, aliás, estou no set de outro filme, ajudando um amigo. Mas esse é um segredo — e no ano que vem vocês vão ficar impressionados com ele.

    Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910

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