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Mourão aposta que governo comprará vacina chinesa: “Lógico que vai”

O vice-presidente, que já esteve às turras com Bolsonaro, defende preservação da Amazônia e admite que pode concorrer a uma vaga no Senado em 2022

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 14h37 - Publicado em 30 out 2020, 06h00
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  • Aos 67 anos, Hamilton Mourão chega aos estertores do segundo ano de governo cada vez mais à vontade no papel de coadjuvante mais importante da República. Se lhe falta o poder da caneta do chefe, o general se agarra ao que Jair Bolsonaro não tem: a liberdade de ir e vir — com direito a chope no boteco e partidas de vôlei no fim de semana —, tempo para escrever um livro e até a tranquilidade de pensar em uma vida fora do Palácio. Assessores de Jair Bolsonaro já espalharam aos quatro cantos que o presidente não quer mais o general como companheiro de chapa na disputa pela reeleição. Ele garante que nunca ouviu isso do presidente, com quem diz manter uma relação absolutamente respeitosa, mas que já esteve estremecida em decorrência de intrigas e fofocas difundidas por pessoas que cercam o mandatário. Em entrevista a VEJA concedida no seu gabinete, ele evita falar de 2022, mas já trata como possibilidade uma candidatura ao Senado, caso seja varrido da chapa presidencial. Mourão também se recusa a endossar a torcida bolsonarista para Donald Trump, aposta que o governo federal vai comprar a vacina chinesa e diz que faz de tudo para não travar embates públicos com quem manda. “Sabe por quê? Eu tenho vida.”

    O senhor já conversou com o presidente sobre as acusações de ter conspirado contra ele? Eu preferi adotar a linha de ação de deixar o assunto rolar. O tempo é o senhor da razão. Pouco a pouco, esses ataques diminuíram, cessaram e o barco seguiu. Nunca fui encarar o presidente para apontar que fulano disse isso ou aquilo e questio­ná-lo por não ter rebatido. Ele já tem tanto problema, não posso levar mais.

    Há gente de confiança do presidente que conspira contra o senhor? Tenho quase certeza disso. Mas não me preocupa e não sei quem faz. É como diria o grande filósofo Ibrahim Sued: “Os cães ladram e a caravana passa”, meu amigo. Vamos seguir com essa caravana.

    O senhor se sente confortável para discordar do presidente? É lógico. Mas eu acho que a discordância não pode ser pública. Muitas vezes as polêmicas ocorreram porque falei algo sem saber o que ele estava pensando sobre o assunto. A partir do momento em que eu sei o que ele pensa, fico em silêncio, mesmo que discorde. Isso é uma questão de disciplina intelectual.

    E incomoda o senhor quando ele rebate publicamente? Não me incomoda. Sabe por quê? Eu tenho vida, cara. Você não entendeu: eu tenho vida.

    O que isso significa? Eu não estou preso nisso aqui. Infelizmente, o presidente Bolsonaro está preso. Ele não tem liberdade de ação e sofre para caramba com isso. São poucos os momentos que ele tem de liberdade. Já eu acordo às 5 horas, leio um pouco, faço o meu alongamento e meu exercício. Tomo meu café, vejo as notícias do dia. Fico pau da vida com alguém que fala algumas bobagens, isso é normal. Aí chega sexta-fei­ra à noite, pego minha mulher, vamos comer alguma coisa e tomar um uísque. Sábado tem o voleibol, depois a gente vai para o boteco e fica jogando conversa fora. Domingo saímos para almoçar ou vou à casa do meu filho para um churrasco.

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    E como é sair às ruas? A maioria da turma quer tirar foto, fazer um elogio, um afago. Às vezes surge algum inconveniente: ou alguém que quer dar conselho ou que resolve largar a raiva dele contra o governo. Fico quieto, não respondo. Vou bater boca na rua com alguém? Está doido…

    “Muitas vezes as polêmicas ocorreram porque falei algo sem saber o que o presidente estava pensando sobre o assunto. A partir do momento em que eu sei, fico em silêncio”

    Qual resposta o Brasil consegue dar para convencer as entidades estrangeiras de que está tudo bem na Amazônia? Não é questão de que está tudo bem. Mas está sendo vendida para o restante do mundo e para parcela da sociedade brasileira a ideia de que o governo brasileiro está de braços cruzados e, vou usar o termo da moda, mandou passar a boiada. Não é isso que está acontecendo. Na sexta passada, quando reuni os embaixadores, mostrei o nosso planejamento e o que nós estamos fazendo, aquilo para eles demonstra que o governo brasileiro está operando no sentido de buscar coibir que as ilegalidades avancem ou que elas extrapolem algo que nós podemos dizer que seria admissível.

    O governo faz algum mea-culpa, acha que errou em algo? Não. Nós estamos no terreno trabalhando. Esse é um jogo de gato e rato. Imagina uma área de 5,2 milhões de quilômetros quadrados. Você tem fogo em 100 000 quilômetros quadrados dela. É pouco quando você olha para o tamanho da área, mas é muito para aquilo que a gente quer entregar.

    Qual avaliação o senhor faz do Ministério do Meio Ambiente e do ministro Ricardo Salles? O ministro Ricardo Salles tem cooperado, expressando os pontos de vista dele, que, às vezes, são coincidentes com os meus. Outras, não. Até o momento, atende às minhas expectativas.

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    Pessoas próximas ao presidente garantem que ele terá outro vice em 2022. A minha tarefa hoje é ser vice-pre­sidente do Brasil. Não estou preocupado com 2022. E quanto ao que eu pretendo fazer, hoje não tenho nenhuma pretensão de ser candidato a nada.

    Levy Fidelix, presidente de seu partido, diz que o senhor é o Pelé do PRTB… É só o que ele tem, talvez.

    O senhor pretende encerrar a carreira política? É difícil. Eu vou me candidatar a governador? Complicado, já vou estar com quase 70 anos. Acho que para governar determinados estados aqui no Brasil o cara tem de ter uns quinze anos a menos. Também não me vejo deputado. Senado talvez, aí sim. O Senado tem um outro diapasão, uma outra forma de agir, de atuar. Pode ser uma possibilidade.

    O senhor torce para algum dos candidatos que disputam a eleição dos Estados Unidos? Independentemente de quem for eleito, os Estados Unidos são um parceiro histórico, então temos de buscar o diálogo com o governo de turno. O pessoal está falando muito que, se eleito, o Biden vai cobrar isso, vai cobrar aquilo. O Trump tem aquela empatia com o presidente, então há um relacionamento de Estado para Estado e há um relacionamento pessoal, o que pode levar a crer que a eleição dele seja melhor. Mas, tradicionalmente, os Estados Unidos jogam pelos interesses deles, seja o presidente seu amiguinho ou não.

    O senhor partilha da admiração que o presidente Bolsonaro tem por Trump? Tenho admiração pelos Estados Unidos da América, pela forma como o país foi construído, pelo sistema que eles fizeram, pelo tipo de federação, que é exemplo para todo mundo. Por isso eu tenho admiração, pela cultura, pela forma como os Estados Unidos souberam se posicionar ao longo de sua história, pela participação deles em todos o conflitos que ocorreram, pelo respeito que eles têm pelos símbolos nacionais.

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    Qual a sua avaliação se o governo brasileiro vetar a participação da Huawei e de outras empresas chinesas? Em relação ao 5G, há um tripé para as empresas participarem: soberania, privacidade e economia. Então, qualquer empresa, na minha visão, que mostrar que está comprometida com esse tripé, independentemente da cor de onde ela vem, tem condições de participar aqui.

    Alguns ministros do governo são críticos severos das relações que o Brasil mantém com a China. Acho que a gente tem de entender que a China hoje é uma potência global, que pratica um capitalismo de Estado. O modelo não é o do comunismo clássico. O Estado não é proprietário dos meios de produção ali. Agora, é partido único? É partido único. É um regime autoritário ditatorial? É um regime autoritário ditatorial. Mas é o regime deles. A gente tem de entender que a China nunca viveu sob um regime democrático, numa república como nós a entendemos.

    Essa polêmica em relação à vacina produzida na China tem razão de ser? Essa questão da vacina é briga política com o Doria. O governo vai comprar a vacina, lógico que vai. Já colocamos os recursos no Butantan para produzir essa vacina. O governo não vai fugir disso aí.

    O senhor teria algum receio de tomar alguma vacina que venha da China? Não, desde que esteja certificada pela Anvisa. Não tem problema nenhum.

    Num artigo recente, o general Rêgo Barros, ex-porta-voz do governo, chamou o presidente de piromaníaco. Os militares se arrependem do apoio a Bolsonaro? Vou sempre fazer o possível e o impossível para as Forças Armadas não se meterem em governo. Forças Armadas são Forças Armadas e política é política. Rêgo Barros é um cara de quem eu gosto muito. Entendo a mágoa dele, mas não é da minha cultura esse tipo de desabafo.

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    Não tem muito militar no governo, não? Existe uma falácia nisso aí. Volta e meia aparece aquele negócio de que são 6 000, 7 000. Eu desafio a colocarem esses números preto no branco. Estimo que tenhamos uns 3 000, metade do que estão falando.

    “Essa questão da vacina é briga política com o Doria. O governo vai comprar a vacina, lógico que vai. Já colocamos os recursos no Butantan para produzir essa vacina”

    O senhor partilha das fortes críticas de seus colegas de governo ao STF? A questão do STF é que, ao contrário de Legislativo e Executivo, não foi atingido por nenhum grande escândalo. Mas o STF passou a tomar algumas decisões que invadem a seara alheia. Além disso, sou contra a transmissão das sessões, até porque a maioria da população não entende o que os caras estão falando ali.

    Continua em andamento no TSE o processo que pede a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por abuso de poder econômico. Olha, eu sinceramente não estou preocupado com essa investigação. A minha campanha foi de uma pobreza franciscana. Ninguém disparou nada para mim. Foi de 20 000 reais o nosso gasto.

    O senhor acredita que tenha agregado um voto sequer à chapa? Uma parcela que achava necessária a presença de um militar votou por causa da minha presença, como vários já me disseram, mas é óbvio que a imensa maioria dos votos foi do Bolsonaro.

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    De zero a 10, qual nota o senhor dá para o Brasil no combate à Covid-19? Oito. O Brasil é um país desigual: não é a França, não é Alemanha, não é a Espanha. Não tivemos segunda onda aqui. Nós estamos na primeira onda e a doença vai morrer nessa onda. Nosso sistema de saúde suportou a crise. Diziam que as pessoas iriam morrer na rua.

    O senhor é um dos poucos do governo que não pegaram… Qual é a fórmula? Máscara, álcool na mão, álcool para dentro.

    Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711

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