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“Não fabricamos o vírus”, diz embaixador chinês Yang Wanming

O diplomata acusa 'forças políticas' americanas de criar mentiras e diz que o objetivo do governo de Pequim é aprofundar as relações comerciais com o Brasil

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 15h41 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00

Diplomata dos mais discretos em Brasília, o embaixador da China, Yang Wanming, acabou ficando conhecido pela reação a manifestações contra seu país por parte de políticos e integrantes do governo Bolsonaro: reclamou e exigiu desculpas (que não foram dadas) nas redes sociais. No Brasil desde o fim de 2018, depois de passagens por Chile e Argentina, Yang, de 56 anos, tem a delicada missão de equilibrar a relação com um grande parceiro comercial que, ao mesmo tempo, posiciona-se como amigo dos Estados Unidos — hoje o rival mais hostil de Pequim no cenário mundial. Nesta entrevista concedida por escrito a VEJA, o embaixador afirma que seu país não tem interesse em se indispor com Washington, diz que “políticos americanos” espalham mentiras para prejudicar a China e garante que a lei de segurança baixada em Hong Kong, que desbaratou a oposição, tem o objetivo de “proteger os direitos legítimos dos cidadãos”.

A adesão automática de Jair Bolsonaro às políticas de Donald Trump causa mal-estar em Pequim? A parceria China-Brasil e a parceria Brasil-­Estados Unidos podem conviver sem nenhum problema. Não se trata de uma relação excludente. Agora, seria bom que os acordos com o lado americano promovessem uma real melhoria do padrão de vida do Brasil e da América Latina, em vez de ter como objetivo principal obstruir atos de cooperação que envolvam China e Brasil.

A relação entre China e Estados Unidos, que também afeta o Brasil, tem sido feita de idas e vindas. Este é um momento de retrocesso? Forças antichinesas nos Estados Unidos têm criado uma rivalidade ideológica de forma deliberada, pressionando outros países a tomar partido dos interesses americanos. No entanto, nenhuma nação que possua consciência e espírito independente cairá nessa manobra. As relações sino-americanas estão enfrentando agora seu maior desafio: as dificuldades criadas pelos Estados Unidos para frear o desenvolvimento da China.

Cada ato hostil de um lado é rebatido na mesma medida pelo outro. Há uma maneira de acabar com isso? Recentemente, os Estados Unidos, de forma unilateral e injustificada, criaram um problema ao exigir o fechamento do consulado chinês em Houston. Por trás disso estão as mesmas forças políticas que tentam provocar e cercear a China, movidas por interesses particulares e egoístas e pela necessidade de manter uma hegemonia unipolar. Um ato desses contraria os requisitos mínimos das normas internacionais e em resposta a China tomou as medidas cabíveis. Não é do interesse chinês que as relações sino-americanas regridam.

O deputado Eduardo Bolsonaro abraçou a versão do “vírus fabricado na China” e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub fez comentários de cunho racista sobre o país. Esses fatos impactaram a relação do governo chinês com o Brasil? Prefiro não comentar sobre isso. O importante não são casos pontuais, e sim o quase meio século de relações diplomáticas entre a China e o Brasil, um período de progressos significativos em todas as áreas. Não há atritos históricos nem conflitos de interesses essenciais entre os dois países, que compartilham uma vasta gama de objetivos comuns e mantêm sólida parceria. A disposição da China é de aprofundar o relacionamento com o Brasil no longo prazo.

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“Acredito que a decisão sobre o 5G no Brasil deva ser técnica. A questão não é se a Huawei vai ou não ganhar a licitação, mas a adoção de um critério único que valha para todas as empresas”

O governo Bolsonaro dá sinais de que vai afastar o gigante de telecomunicação chinês Huawei da implantação da rede 5G no Brasil. Como avalia a atitude? Eu acredito que a decisão neste caso tem de ser técnica. A questão não é se a Huawei vai ou não ganhar a licitação, mas, sim, a adoção de um critério único que valha para todas as empresas, chinesas ou não, na hora de fazer essa escolha. O que está em jogo é a capacidade de os governos criarem um ambiente de negócios e regras de mercado dentro dos parâmetros de equidade, imparcialidade e não discriminação.

Os Estados Unidos alegam que a Huawei dispõe de tecnologia e mantém laços com o governo chinês que podem vir a ameaçar a segurança nacional em países que adotarem seu produto. É uma guerra de espionagem? As acusações que os Estados Unidos têm feito contra a Huawei são mentiras completamente infundadas, para as quais jamais apresentaram uma única prova concreta. A Huawei está presente em mais de 170 países, com excelente histórico de confiabilidade em todos os seus negócios. Não existe na China nenhuma legislação que permita ao governo controlar dados aos quais qualquer empresa tenha acesso. A constante invenção de boatos por parte dos Estados Unidos e a politização de assuntos meramente comerciais e tecnológicos têm o objetivo de prejudicar fornecedores chineses de alta tecnologia e impedir que eles assumam a liderança nesse setor.

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O fundador da Huawei é ex-oficial do Exército, bem como vários altos funcionários. Isso não compromete sua neutralidade? Trata-se de uma companhia privada que cresce de forma independente, sem conexão militar. Há inúmeras empresas no mundo que mantêm projetos de cooperação com as Forças Armadas de diversos países e muitos empresários, políticos e acadêmicos com passado militar. Não faz sentido acusar um negócio de ter conexões militares só porque seu fundador esteve no Exército.

Hackers chineses foram acusados por três países de tentar roubar pesquisas sobre a vacina contra a Covid-19. Hackers passaram a fazer parte dos serviços de espionagem? Esta é mais uma mentira inventada por agentes políticos americanos para nos desacreditar. A China está na vanguarda mundial das pesquisas de um imunizante contra a Covid-19 e tem várias vacinas na fase final de ensaios clínicos, todas desenvolvidas de forma independente. Nós é que temos motivos para nos preocupar com a espionagem cibernética de pesquisas. Somos atualmente um dos principais alvos de ataques de hackers.

Há denúncias contra a China por omissões, desinformação e tentativa de tirar vantagem financeira do combate ao novo coronavírus. O que o senhor tem a dizer diante dessas acusações? Desde o início do surto, fizemos todas as devidas notificações com abertura e responsabilidade, sem nenhuma omissão ou demora. Há comunicações comprovadas entre o governo chinês e a Organização Mundial da Saúde (OMS) que mostram claramente que compartilhamos as informações de forma transparente.

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De onde o senhor acha que saiu a versão de que o vírus foi criado em laboratório chinês para servir de arma biológica e escapou por acidente? É uma teoria da conspiração completamente absurda, que nunca se amparou em dados. Tanto a OMS quanto cientistas de vários países já reiteraram que todas as evidências disponíveis mostram que o novo coronavírus tem origem natural e não seria possível criá-lo artificialmente. O contágio desconhece fronteiras, tampouco distingue cor de pele, sistema político ou ideologia. Neste momento crítico, o que a comunidade internacional mais precisa é de união, solidariedade e ciência.

Trata-se então de fake news? Sim. Distorcer os fatos para fazer ataques politizados ou estigmatizados é uma tática que atende aos interesses políticos de alguns e obstrui a cooperação global no enfrentamento da pandemia. Inclusive, como primeiro país atingido pela crise sanitária, fizemos grande esforço e enorme sacrifício para conter, em curto tempo, a propagação da doença no território nacional e para fora das fronteiras.

Como o senhor vê a denúncia de que a China aproveitou a pandemia para ficar mais forte no cenário geopolítico fornecendo equipamentos médicos? Sem fundamento algum. Nosso único objetivo é salvar vidas e ajudar o mundo a superar a pandemia o mais rápido possível. Temos uma pesquisa de vacina em situação avançada, com testes inclusive no Brasil. Posso adiantar que, quando ela estiver disponível, será um bem público global, com preço acessível aos países em desenvolvimento.

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Depois que começou a tomar medidas preventivas, a China conseguiu deter a disseminação do novo coronavírus com eficiência e rapidez. Como isso foi alcançado? Atribuo o sucesso a ações coordenadas e controle rigoroso. O país adotou medidas de contenção rígidas, abrangentes e minuciosas: hospitalizar e tratar todos os casos confirmados, colocar os suspeitos em isolamento total, rastrear todas as pessoas que tiveram contato com o infectado e interromper a cadeia de contágio o mais rapidamente possível, para reduzir a transmissão comunitária.

“A China está na vanguarda mundial das pesquisas de um imunizante contra a Covid-19 e tem várias vacinas na fase final de teste. Nós é que temos de nos preocupar com espionagem”

A nova lei de segurança aprovada pelo governo chinês para Hong Kong não viola o acordo de “um país, dois sistemas”, que garante semiautonomia à ilha? A estabilidade duradoura da China e a prosperidade no longo prazo de Hong Kong só podem ser garantidas se a segurança for mantida. O objetivo da legislação é prevenir e punir a ação violenta de elementos radicais, salvaguardar a soberania e os interesses nacionais e proteger os direitos legítimos dos cidadãos. Ela não muda o sistema social e o alto grau de autonomia de Hong Kong, não afeta as liberdades dos residentes e não atinge os interesses legítimos dos investidores estrangeiros. Com ela, Hong Kong terá mais solidez jurídica, mais estabilidade social e um melhor ambiente de negócios.

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São frequentes as acusações de desrespeito aos direitos humanos e perseguição de minorias por parte da China. Por que são tomadas tantas ações contra a etnia uigur, por exemplo? Desde a fundação da República Popular o governo vem garantindo, por lei, todos os direitos da população. Temos hoje o maior sistema mundial de educação, de previdência social, de saúde pública e de eleições democráticas locais. As pesquisas internacionais põem a China entre os países mais seguros e dinâmicos e seu governo entre os de mais altos índices de aprovação popular. O que se passa na província de Xinjiang não tem a ver com direitos humanos, etnias ou religião. É um combate à violência, ao terrorismo e a atividades separatistas. Nosso programa zerou os ataques terroristas nos últimos três anos e, por isso mesmo, tem forte apoio da população local, formada por 25 milhões de habitantes de diversas etnias. A realidade ali é completamente diferente do que a propaganda difamatória divulga.

Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

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