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Relâmpago: Revista em casa por 8,98/semana

O cineasta Paul Thomas Anderson a VEJA: ‘Os extremos são ridículos’

O diretor que investigou a alma americana em 'Magnólia' e 'Sangue Negro' fala da polarização ao lançar novo filme, 'Uma Batalha Após a Outra'

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 set 2025, 11h32 - Publicado em 26 set 2025, 06h00

Em 1998, Steven Spielberg foi questionado em entrevista a VEJA sobre o que pensava do futuro de Hollywood. Atento a uma nova leva de diretores independentes, ele cravou que o porvir pertencia a um jovem talento em especial: Paul Thomas Anderson. “Ele é brilhante”, disse o cineasta. Herdeiro da Nova Hollywood, movimento dos anos 1960 que revelou Francis Ford Coppola, Martin Scorsese e o próprio Spielberg, o americano Anderson se impôs desde então como um crítico afiado do American way of life. Ele chamou atenção com o filme Boogie Nights (1997), um mergulho sem preconceitos na indústria pornográfica, e se consagrou com Magnólia (1999), drama psicológico sobre família, ambição e solidão. Ao narrar a corrida pela riqueza do petróleo em Sangue Negro (2007), conquistou oito indicações ao Oscar — incluindo a de direção. Hoje, aos 55 anos, Anderson transita entre gêneros retratando a ganância que gera violência, além de questões éticas sem respostas fáceis. A fórmula chega ao ápice em seu novo filme, Uma Batalha Após a Outra, que estreou nos cinemas na quinta 25 e já é forte concorrente ao Oscar de 2026. Na trama, um revolucionário de esquerda (Leonardo DiCaprio) trava disputa com um militar neofascista (Sean Penn), à sombra de um conflito paternal. A seguir, Anderson fala sobre a polarização atual, a resiliência da família e os rumos do cinema.

Toda a narrativa de seu novo filme, Uma Batalha Após a Outra, se dá ao redor de personagens posicionados em lados opostos e extremos da polarização política atual. Por que essa escolha? Usei essa disputa entre dois lados como um pano de fundo para a história que eu verdadeiramente queria contar. Meu ponto de partida é sempre pensar nos temas que considero importantes e universais. Nesse filme é a história de uma família e de um pai que quer proteger a filha adolescente — uma garota que tenta sobreviver aos pecados dos antepassados. Encurralada pelas confusões da família, ela paga o preço pelo que fizeram antes mesmo de ela nascer. O filme é, em suma, sobre uma família tentando sobreviver em meio às forças opostas do nosso mundo atual. Mas considero a parte política em si de menor importância na trama.

Ainda assim, é difícil negar o elemento político: a cena inicial segue os revolucionários libertando imigrantes latinos ilegais presos em um acampamento nos Estados Unidos. O filme parece talhado para a era Donald Trump, não? Na verdade, a história que narro no filme é clássica. Ela poderia se passar no espaço sideral, na Idade Média, em qualquer lugar, em qualquer época. Ela não está ligada a um governo ou a uma conjuntura política específica. Todos os empecilhos e eventualidades no caminho dos personagens estão ali para propósitos dramáticos. Acredito que, quando o cinema tenta ser muito político, ele afasta as pessoas. Eu não gosto quando me convidam para ver filme político: eles costumam ser entediantes. O que me interessa mesmo são os dramas humanos.

Como descreveria então Uma Batalha Após a Outra? Vejo como um filme de ação, uma odisseia épica. Tem perseguição de carros, tensão, vilões, tiroteios, paisagens típicas do deserto americano. É quase um faroeste.

“Quanto mais a gente convive com os extremistas, mais absurdos e ridículos eles se tornam. Eles são perigosos, sim, mas também são tão pueris. Ficam gritando e se contradizem”

O senhor é autor de sucessos épicos do cinema, de Magnólia a Sangue Negro. O que o motiva a fazer produções grandiosas sobre os dilemas da alma americana? Sou da teoria de que quem faz cinema não deve fazer filmes para satisfazer o próprio ego ou suas ambições. Não almejo ser grandioso. O que importa no cinema é fazer histórias que sejam atemporais. Para isso, a parte mais importante é o ser humano. Eu não sei se minha filosofia está certa, mas é como eu escrevo meus filmes.

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Suas tramas sempre se passam na Califórnia, ainda que em épocas distintas, e são uma espécie de crônica da vida e das frustrações do sonho americano. Por que esse tema lhe interessa? Eu escrevo sobre histórias e pessoas que me interessam e que me preocupam. Se alguém se propõe a fazer um filme que tente resumir o que é um país inteiro, provavelmente vai fracassar. Então, é preciso olhar para o micro. Começar pequeno, com o que você entende.

No novo filme, os lados opostos são representados por Sean Penn, um general neofascista, e Leonardo DiCaprio, um revolucionário de esquerda aposentado. Ambos são um tanto cômicos, mesmo em momentos dramáticos. O que o levou a retratá-los assim? Quanto mais a gente convive com os extremos, mais absurdos e ridículos eles se tornam. Eles são perigosos, sim, mas também são tão pueris. Todos os extremistas ficam gritando o que querem e se contradizem, são ridículos. Então, achei que seria engraçado mostrar isso nessa história. O personagem do Leo, por exemplo, começa como um jovem revolucionário que acredita que vai mudar o mundo. Os jovens sempre acham que vão mudar o mundo. Mas, quando chegam à meia-idade, eles ficam entediados, apáticos, ranzinzas — e tornam-se parecidos com os próprios pais, ou até piores. Cada geração tem a crença de que isso nunca vai acontecer, mas acontece.

Aconteceu com o senhor essa identificação com o personagem de DiCaprio quando chegou à maturidade? Sim, o pior é que sim.

No filme, os personagens que simbolizam opostos políticos acabam se encontrando no meio do caminho, tanto da violência quanto da paixão, ao se envolverem com a mesma mulher. Por que o filme investe nesse paralelo? Porque as possibilidades cômicas dessa comparação são ótimas. Filmamos no norte da Califórnia e lá descobrimos um termo que costuma ser aplicado a pessoas como o Bob (personagem de DiCaprio): são os hipnecks — mistura de hippie com redneck (apelido pejorativo dado aos americanos brancos e conservadores das áreas rurais). Os hipnecks são pessoas que se veem como opostas aos rednecks. Mas a verdade é que, no fundo, são muito parecidos com os próprios. Eles são paranoicos, não ligam para mais nada além de seu umbigo e se isolam do mundo. Culpam o governo por tudo, culpam todo mundo por tudo — menos eles mesmos, claro.

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Como o senhor analisa a era dos extremos atual? Minha teoria é de que hoje o que acontece é que as vozes que mais se fazem ouvir são as dos extremistas — e falo das pessoas nos dois lados da moeda. A maioria de nós está no meio do caminho entre esses extremos, em um lugar mais calmo, mais racional. Somos pessoas que só querem viver um dia de cada vez. Infelizmente, as vozes que fazem mais confusão são aquelas que falam alto demais e acabam abafando a nossa.

Há um salto de tempo de dezesseis anos no filme até os dias de hoje, e a narração diz que o mundo não mudou em nada nesse período. Essa também é a sua impressão da vida real e dos Estados Unidos hoje? Sim, infelizmente. Eu sinceramente acredito que o mundo continua como sempre foi, e os humanos continuam cometendo os mesmos erros. Tem muita coisa acontecendo neste momento nos Estados Unidos e as pessoas se apressam em falar que o mundo piorou, que tudo se perdeu, mas não acho que isso seja realista. É uma visão egocêntrica. As pessoas me perguntam sobre as coincidências do filme com a vida real, dizendo: como você sabia que isso ia acontecer? Eu não sabia. Eu sei o que já aconteceu e o que se repete.

“Eu estou muito otimista com o cinema. Estamos testemunhando o que tem tudo para ser o início de uma nova onda de criatividade e produções relevantes vindas de Hollywood”

Pode dar um exemplo? Você destacou a frase sobre a passagem do tempo e que nada mudou. Vou destacar outra fala também. Em determinado ponto do filme, as forças armadas invadem uma pequena cidade repleta de imigrantes onde Bob (militante esquerdista vivido por DiCaprio) está escondido. Quando ele é ajudado pelo sensei Sérgio (papel de Benicio Del Toro), Bob pede desculpas por ser o responsável por trazer “toda aquela loucura” para a porta daqueles imigrantes latinos — muitos deles ilegais e socorridos pelo sensei. O Benicio então responde: “Calma aí, estamos plantando essas sementes há 100 anos, não é tudo culpa sua. Não seja egocêntrico”. Os dilemas de hoje não nasceram ontem.

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Como se sente em relação aos próximos anos — é pessimista ou otimista? Difícil dizer. Queria muito ter uma bola de cristal para dizer que vai ficar tudo bem. Mas tenho esperança de que talvez um dia nós, humanos, possamos aprender a ter um pouco mais de bom senso e decência.

Neste ano, o estúdio Warner Bros. surpreendeu Hollywood ao disparar na frente das bilheterias impulsionado por produções originais — ou seja, que não são franquias, caso do thriller de vampiros Pecadores e do terror A Hora do Mal. Agora, Uma Batalha Após a Outra é o lançamento da vez da empresa. Como analisa essas apostas? Eu fiquei muito feliz com esse sucesso da Warner Bros. e tudo que eles conquistaram até agora. Se você procurar matérias do ano passado sobre o mercado cinematográfico, vai encontrar um monte de artigos sobre como eles supostamente estavam condenados ao fracasso e iriam à falência. Que não sabiam o que estavam fazendo ao apostar em materiais originais. Foi muito penoso para mim acompanhar aquilo de perto, pois eu sabia de todos os filmes incríveis que eles estavam fazendo. No fim, deu tudo certo: o público respondeu bem às apostas em novidades.

Repetindo a pergunta de VEJA feita a Steven Spielberg em 1998 sobre o futuro do cinema, qual a sua opinião sobre os rumos da indústria? Estou muito otimista com o cinema. Fico extasiado de pensar que estamos testemunhando o que tem tudo para ser o início de uma nova onda de criatividade e de produções relevantes vindas de Hollywood. Quando filmes inovadores ganham popularidade com os espectadores, isso é um grande passo na direção certa.

Seu filme, aliás, já vem sendo apontado como um forte concorrente ao Oscar de 2026. Como se sente com esse tipo de previsão? Eu sempre me sinto muito lisonjeado com esse tipo de comentário tão generoso. Mas agora tudo o que desejo é que as pessoas assistam ao filme nos cinemas. O Oscar ainda está longe.

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Nem sempre os ditos “filmes de Oscar” se dão bem na bilheteria. Como pretende mudar isso? Pois é, eu quero muito, antes de tudo, que as pessoas vejam o meu filme nos cinemas. Entendo que é difícil hoje em dia o espectador tomar a decisão de sair da casa dele, gastar seu dinheiro e ir para uma sala de exibição. Entendo o que se passa na cabeça das pessoas. Porém, gostaria de quebrar essa apatia. Venha nos oferecer seu tempo, compartilhe dessa experiência coletiva com a gente em uma sala de cinema. Nos dê a chance de entreter você. Prometo que vai valer a pena.

Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963

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