‘Politizar o combate à corrupção não é caminho saudável’, diz ministro-chefe da CGU
Vinicius Marques de Carvalho garante que investigações seguem critérios puramente técnicos e defende transparência

Quando se reuniu com o presidente Lula para sacramentar sua nomeação como ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), o advogado Vinicius Marques de Carvalho recebeu a tarefa de trabalhar duro para evitar que casos de corrupção eclodissem no terceiro mandato do petista. Desde então, foi deflagrada quase uma centena de operações do órgão em conjunto com a PF. A mais barulhenta delas, batizada de Overclean, espalhou tensão por envolver empresários e políticos num esquema que movimentou mais de 1 bilhão de reais em contratos suspeitos — dinheiro oriundo das controversas emendas parlamentares. As investigações têm acertado alguns alvos da oposição, o que alimenta rumores de que o governo federal, além de estar sob blindagem, direcionaria as ações de fiscalização. Carvalho nega e diz que um dos desafios de sua gestão é dar o máximo de transparência a dados públicos sem expor a intimidade das autoridades — assunto que esquentou na quarta-feira 5, com a revelação feita pela coluna Radar, de VEJA, de que o MPF investiga o Planalto por omitir informações sobre filhos de Lula e da primeira-dama Janja. Confira a seguir os principais trechos da entrevista com o ministro.
Qual sua principal missão na CGU? Ao me convidar para o cargo, o presidente Lula foi explícito em dizer que eu tinha de trabalhar para que a gente não tivesse de conviver com escândalos de corrupção. Esse foi o principal pedido que ele fez. Desde o começo do governo enfrentamos o desafio de rever a Lei de Acesso à Informação (LAI) e os sigilos indevidos colocados pelo governo de Jair Bolsonaro. Essa agenda se mostrou decisiva. Por causa dela, descobrimos a fraude na carteira de vacinação do ex-presidente, que levou à prisão do (ex-ajudante de ordens) Mauro Cid. Depois, a Polícia Federal aprofundou as investigações e chegamos ao detalhamento da tentativa de golpe de Estado e ao plano de assassinato do presidente — toda essa loucura. É um trabalho histórico que começou aqui.
Apesar desse caso bem-sucedido, a CGU é criticada por manter sigilo sobre determinadas questões relativas ao atual governo, principalmente em relação à Presidência da República. É importante dizer que este governo restabeleceu que a transparência é a regra e o sigilo é exceção. Existem previsões legais de situações de sigilo e de restrição de acesso à informação. O que acontecia no governo Bolsonaro era uma deturpação dos sigilos impostos pela lei. Não se dava acesso, por exemplo, à entrada de visitas no Palácio Planalto ou nos ministérios, usando o argumento de que eram dados pessoais. Isso não existe mais.
“Desdobramentos políticos no sentido de atingir pessoas que tenham ou não mandato são uma consequência do trabalho técnico. Politizar o combate à corrupção não é um caminho saudável”
As críticas de falta de transparência feitas ao governo atual não são justas? Não concordo com as críticas. Posso assegurar que não existem mais abusos, o que não significa que não haja situações de restrição de acesso que sejam legítimas. A gente sabe que, onde não tem transparência, tem privilégio. Onde tem privilégio, tem corrupção. Onde tem corrupção, tem falta de confiança e perda de legitimidade. E, assim, há um risco democrático. É esse ciclo que a transparência permite interromper. Ela é um meio para garantir que a população possa ter instrumentos para confiar no Estado e no governo.
O que deve continuar com restrições de acesso em relação à Presidência da República? Considero que questões claramente relacionadas à segurança e, por exemplo, à alimentação do presidente e de seus familiares precisam ter acesso restrito. E não é assim apenas no Brasil.
Questões de segurança, porém, podem ser invocadas para impedir acesso a muitas informações. Os gastos com o cartão corporativo do presidente por exemplo. Qual seria o ponto de equilíbrio? As pessoas falam: “Abriu o do Bolsonaro, mas não abriu o do Lula”. Sim, porque a regra da lei é que esses gastos são liberados ao final do mandato. Não cabe à CGU definir as questões sobre o que é ou não segurança do presidente.
Não é abusivo manter em segredo informações sobre os gastos ou a agenda da primeira-dama? É importante ressaltar que alguns gastos são sigilosos pelo simples motivo de ela ser a primeira-dama. Isso é uma determinação do Gabinete de Segurança Institucional, vale para qualquer mandatário, e esses gastos são divulgados no final do governo. Sobre a agenda, é importante deixar claro que a primeira-dama exerce uma série de atividades relevantes para o país na defesa dos interesses das mulheres, na aliança global contra a fome e em outros temas. Essas agendas são públicas e, em muitas das situações, ela mesma as divulga.
O histórico médico do presidente não é de interesse público? É importante deixar claro que, quando se trata da saúde do mandatário, há um espaço de privacidade e outro que a população pode ter acesso. Eu não conheço nenhum presidente da República tão transparente quanto o presidente Lula em relação à própria saúde. As informações que ele e o gabinete da Presidência concedem deixam muito claro o estado de saúde e as condições que ele tem para exercer sua função, trabalhando intensamente do jeito que ele trabalha.
O senhor compartilha da opinião de que as emendas parlamentares alimentam as maiores estruturas de corrupção que operam hoje no país? Na medida em que as emendas parlamentares ocupam um espaço cada vez maior no Orçamento é natural que os órgãos de controle aumentem a atenção sobre a execução desses recursos. Nós esbarramos em problemas, cada um com uma dimensão. Em alguns casos, eles se transformam em operações em conjunto com a Polícia Federal. A chamada Operação Overclean, por exemplo, é produto de uma auditoria da CGU que identificou suspeitas de superfaturamento em obras. E essa foi só uma das 47 operações que nós fizemos com a PF no ano passado. Se acharmos novas suspeitas de superfaturamento em obras pagas por emendas parlamentares, não tenham dúvidas de que elas vão ser investigadas e apuradas com o devido rigor.
Algumas autoridades dizem que essas operações são dirigidas politicamente contra os adversários do governo. Como responde a esse tipo de crítica? Isso não tem nenhum fundamento. Nós fazemos auditorias com base em critérios técnicos e totalmente objetivos. Também há situações em que a CGU recebe denúncia ou que os auditores identificam possíveis superfaturamentos. Temos um robô que faz esse trabalho por meio de inteligência artificial e vasculha editais de licitação e outros tipos de informações, identifica possíveis desvios e aponta os problemas. Quando se trata de combater a corrupção, nós aplicamos a lei. Desdobramentos políticos no sentido de atingir pessoas que tenham ou não mandato são uma consequência do trabalho técnico que se faz. Politizar o combate à corrupção não é um caminho saudável. Tudo o que a gente não pode ter numa democracia é uma polícia política. Não tenham expectativa de que a CGU, na minha gestão, vai se desviar do foco de fazer investigações técnicas e bem organizadas.
Como explicar o fato de muitos casos de corrupção apontados pela CGU até este momento se referirem a fatos ocorridos no governo anterior? Existem investigações em curso de situações que podem lá na frente se transformar, ou não, em casos de corrupção. Nós estamos monitorando e investigando o tempo inteiro, mas não posso adiantar as nossas apurações. O que eu posso dizer é que é compromisso do presidente Lula que se tenha um governo ético, que combata a corrupção. É, como eu já disse, uma orientação expressa que recebi do presidente quando ele me convidou para a CGU.
“Se acharmos novas suspeitas de superfaturamento em obras pagas por emendas parlamentares, não tenham dúvidas de que elas vão ser investigadas e apuradas com o devido rigor”
Não é constrangedor ter no governo um ministro — Juscelino Filho, das Comunicações — indiciado por corrupção? A auditoria desse caso, inclusive, teve início na CGU. É importante ressaltar: nós não temos nenhum ministro indiciado por corrupção em função da sua atividade como ministro do governo Lula. Quer dizer, não existe nenhuma situação envolvendo algum ministro do governo relacionada à corrupção na sua atuação como ministro. Indiciamento, aliás, não é condenação. Nós temos que ter esse cuidado.
O governo teve dois ministros acusados de assédio — Silvio Almeida, demitido dos Direitos Humanos, e a ministra Cida Gonçalves, das Mulheres. A CGU defende que se apresentem provas em situações do tipo. Isso não pode coibir as denúncias? Nós viemos de um período em que praticamente não se tratava assédio moral e sexual como um problema público. Era quase como se fosse um problema da vida privada das pessoas. É importante ressaltar que é, sim, um problema público. Enfrentar o assédio é uma prioridade. É natural que um governo que se abre a isso viabilize que as denúncias sejam feitas. Mas também é necessário separar o joio do trigo. Eu já recebi denúncia de assédio moral porque o chefe não dava bom dia. É muito relevante dar valor à palavra da pessoa que está fazendo a denúncia. Isso não significa inverter o ônus da prova e dizer que quem tem de provar a inocência é o denunciado.
Como diferenciar então uma situação de falta de educação do assédio moral ou um galanteio do assédio sexual? Nesse contexto, dar espaço às pessoas que são alvo desse tipo de situação é muito relevante. Pode existir alguma subjetividade, mas nos casos concretos é possível separar, sim. Até porque tem coisas que não devem nem podem ser feitas no local de trabalho. No caso do assédio moral, por exemplo, a reiteração da conduta é uma variável relevante, mas não é uma condição necessária. Você pode ter um ato isolado que possa ser caracterizado como um assédio moral. A repetição ajuda a qualificar o crime.
O senhor já condenou as ações consideradas abusivas da Lava-Jato, particularmente as prisões preventivas alongadas, as delações premiadas e a concentração de investigações nas mãos de um único juiz. Como avalia as investigações do Supremo Tribunal em relação aos chamados atos golpistas? Eu não vou comentar uma investigação em curso no Supremo. O que eu posso dizer é que a Corte tem cumprido um papel decisivo na defesa do estado democrático de direito. Todas as medidas que o STF tem tomado estão acontecendo com respaldo na legislação e são discutidas pelos ministros. O Supremo teve um papel essencial na defesa da Constituição e da democracia nos últimos anos. A sociedade brasileira reconhece e a história certamente vai fazer jus a esse papel.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930