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A estratégia de Bolsonaro para criar um partido em tempo recorde

Em crise com o PSL, presidente e aliados tentam viabilizar uma nova sigla para 2020, mas o prazo é muito curto e os obstáculos são grandes

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h12 - Publicado em 8 nov 2019, 06h00

Os casamentos de Jair Bolsonaro com os partidos não costumam chegar às bodas de madeira (cinco anos) — duram em média 3,8 anos. Ele está em sua oitava sigla desde que entrou na vida política, em 1988, e já caminha para uma nova — o que, segundo ele, tem “90% de chances” de acontecer. Com isso, reforçará a sua condição de presidente recordista em troca-troca partidário desde a redemocratização, à frente de Fernando Collor (sete siglas) e Itamar Franco (cinco). “Sou menina bonita sem namorado”, disse Bolsonaro recentemente, falando sobre a procura por pretendentes. Para ele, a opção favorita, mas não menos complicada, é a produção independente: uma legenda completamente nova, que começaria do zero. Como o prazo para a filiação de candidatos às eleições de 2020 acaba em abril, Bolsonaro entrou em uma verdadeira corrida contra o tempo.

Na semana passada, o advogado Marcílio Duarte Lima, que já participou da criação de sete partidos, entre eles o PSL, recebeu a visita de interlocutores do presidente que lhe pediram um estudo sobre a viabilidade de tornar real o sonho de uma nova sigla. “Possível é, ainda mais tratando-se do presidente, que tem uma grande rede de apoiadores, entre corporações militares e igrejas evangélicas. Mas não é algo para amadores”, disse. Pelos seus cálculos, com cerca de 200 pessoas trabalhando em todo o Brasil, em três turnos, para reunir 20 000 assinaturas por dia, ele conseguiria protocolar o processo no Tribunal Superior Eleitoral em um mês. Seria um feito inédito. Os partidos criados em tempo mais curto — o PSD e o Solidariedade, este também com a atuação de Marcílio — demoraram cerca de oito meses. No TSE, o tempo médio é de três anos.

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UM EX-MINISTRO DO TSE… – Admar Gonzaga ajuda bolsonaristas a sair do PSL (Evaristo Sá/AFP)

De profissionais, o presidente já se cercou. Um deles é o advogado Admar Gonzaga, ministro do TSE até abril passado e auxiliar do ex-ministro Gilberto Kassab na criação do PSD, em 2011. Outro nome fundamental na empreitada é o da advogada Karina Kufa, que virou aliada de primeira grandeza de Bolsonaro e seus filhos depois de ter salvado a candidatura dos parlamentares de São Paulo de irregularidades administrativas em 2018. Gonzaga e Karina vêm reunindo argumentos para viabilizar junto à Corte o recolhimento de assinaturas — a etapa mais demorada — por meio digital, com o uso de redes sociais ou mecanismos de reconhecimento de face e voz. Para eles, esse modelo, inédito no Brasil, seria mais seguro que a coleta de assinaturas, que podem ser falsificadas, e bem mais ágil. “Com a tecnologia, isso poderia ser feito rapidamente e ainda espalhado pelos territórios, como a lei prevê. Estamos pensando em fazer até um aplicativo”, diz o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara. Aliados que acompanham de perto as discussões dizem que na próxima semana o presidente deve bater o martelo e anunciar seu destino. Se este for a criação de um partido, os nomes favoritos para batizá-­lo serão Partido da Defesa Nacional ou Conservadores.

A equipe jurídica trabalha também para evitar que Bolsonaro e seus aliados saiam do PSL de mãos abanando, sem fundo partidário, sem tempo de TV e rádio e sem mandato. Os juristas apostam em dois caminhos — um pela expulsão, outro pela justa causa. Os parlamentares já têm na ponta da língua os argumentos que pretendem dar à Justiça. “O partido não tem transparência”, afirma o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), um dos primeiros a bater de frente com a direção da sigla. “Eles fizeram convenção às escondidas, o presidente (Luciano Bivar) foi visitado pela Polícia Federal… Nós temos mil e um motivos para justificar essa justa causa. Para mim, sair desse PSL, dinheirista e controlado por um déspota, é uma verdadeira honra”, completa. Na terça 5, ele e mais dezoito parlamentares do PSL receberam a notificação do processo de expulsão, informando que eles têm cinco dias úteis para a defesa.

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FOTO- TSE
…CONTRA OUTRO - Henrique Neves tenta manter o fundo do PSL com Bivar (//TSE)

A legislação eleitoral deixa claro que o mandato pertence ao partido, e não ao parlamentar. Além disso, com exceção dos supervotados Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann, a maioria foi eleita pelo quociente eleitoral — ou seja, contaram com votos dados a outros candidatos da sigla —, e muitos que hoje se queixam da falta de transparência de Bivar receberam dinheiro do fundo do PSL para promover eventos, caso de Eduardo Bolsonaro, o que dificultaria a argumentação de que são perseguidos. Diante disso, uma hipótese aventada é ir até o Supremo para tentar “ressuscitar” uma lei revogada na reforma eleitoral de 2015 que autorizava a saída de parlamentares — com mandato, fundo eleitoral e tudo — quando eles fossem para um partido recém-criado.

Não será fácil. Bivar, que chefia o PSL há mais de vinte anos e brigou feio com o filho, Sérgio, para trazer Bolsonaro para o partido em 2018, não pretende ceder. Para defender seus interesses, recorreu também a um ex-ministro do TSE, Henrique Neves — que passou oito anos na Corte, enquanto Admar ficou seis. Por ironia do destino, Neves foi relator de resoluções que agora podem ajudar Bolsonaro, como a que regularizava o recolhimento de assinaturas eletrônicas para a formação de partidos. Na terça 5, grupos bolsonaristas impulsionaram no Twitter a hashtag “EuassinoBolsonaro”. Apesar de o assunto ficar entre os mais comentados, com 40 000 tuítes, o número de assinaturas está longe do exigido pelo TSE — ao menos 490 000, que devem corresponder a 0,1% dos votos no Congresso em pelo menos nove estados. Outro obstáculo considerável é a corrida contra o tempo. O Judiciário entra em recesso em dezembro e só volta em janeiro. Como se não bastasse, de acordo com as regras atuais, as assinaturas por meio eletrônico precisam de certidão digital (500 reais por pessoa). Além disso, há um claro clima no TSE e no Supremo Tribunal Federal de que o Brasil não necessita de mais partidos — já há 32.

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Para o caso de não conseguir criar um partido, Bolsonaro já tem outras cartas na mão. Uma delas é ir para legendas em fase avançada de formação. Os advogados a serviço de Bolsonaro fizeram um levantamento dos 76 partidos que estão na fila para ser oficializados. Foi descartado de cara aquele que deve ser homologado mais rápido — o Unidade Popular, que é de extrema esquerda, defende a reforma agrária e a reestatização de empresas privadas. As atenções se voltaram para outro que se encontra prestes a cumprir o rito legal, o Partido Militar Brasileiro (PMB), do deputado Capitão Augusto, amigo de longa data de Bolsonaro e presidente da “bancada da bala”. “As portas estão mais que abertas. Bolsonaro já gravou vídeos pedindo apoio à gente e participou das nossas primeiras convenções. Agora que o homem está sem casa, estamos correndo para registrar o partido”, afirma. Na semana passada, o ex-deputado Alberto Fraga, que também era da “bancada da bala”, procurou Augusto, em nome de Bolsonaro, para saber em que pé estava a legenda.

Outra alternativa é Bolsonaro ir para partidos já formados, como o Patriota, com quem ele chegou a flertar antes do PSL, ou o PRTB, do seu vice Hamilton Mourão. “Eu disse a ele. Isso não faz sentido. Ele sai da mão do Bivar e vai para a mão do Adilson (Barroso, presidente do Patriota) ou do Levy (Fidelix, presidente do PRTB). Esses partidos são empresas na mão desses caras. Ninguém vai te dar a sigla de mão beijada”, diz Fraga. Diante da falta de definição, entraram na roda outras siglas, como UDN (União Democrática Nacional), que visa a ressuscitar o partido conservador extinto pela ditadura militar. O processo está sendo tocado pelo ex-PRP Marcus Alves de Souza.

O relacionamento conflituoso de Bolsonaro com os partidos não é nenhuma novidade. No PFL, ele não ficou nem um mês, tanto que parlamentares do atual DEM, sucessor da sigla, não se lembram de que ele passou por lá. Em comum entre as suas passagens está o fato de que ele nunca se interessou em ser líder de comissões ou de estruturas partidárias. Sempre se considerou independente, mais preocupado em agradar ao seu eleitorado. “Essa característica é da natureza do próprio bolsonarismo, de querer se manter minoritário e não fazer coligações com ninguém. Agrada ao seu eleitorado, mas também é um elemento de incerteza e de isolamento do Planalto. Partidos consolidados se protegem melhor das circunstâncias políticas e garantem um compromisso atemporal no exercício do mandato”, analisa Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências e professor da PUC-­SP. Apesar de a saída de Bolsonaro do PSL agradar ao seu eleitorado mais aguerrido, ela tende a criar complicações na construção da estabilidade do seu governo. Basta lembrar o destino de outro presidente que ficava pulando, sem se preocupar, de partido em partido: Fernando Collor.

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(./.)

Publicado em VEJA de 13 de novembro de 2019, edição nº 2660

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