Há quatro meses, um influente ministro de Jair Bolsonaro procurou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com uma proposta inimaginável para quem acompanhava a cena política àquela altura. Ele perguntou se o deputado aceitaria passar uma borracha nas rusgas colecionadas com o presidente da República, e nos ataques que sofria das hostes bolsonaristas nas redes sociais, para assumir um ministério de peso. Ou seja: se toparia trocar o papel de adversário público e notório pelo de aliado do governo. Maia, que há tempos trabalha pela construção de uma candidatura de centro capaz de rivalizar com Bolsonaro na próxima corrida presidencial, recusou o convite, mas o assunto não foi esquecido. Numa tentativa de reduzir a influência do parlamentar na eleição para o comando da Câmara e garantir a vitória de um aliado no pleito, marcado para fevereiro, auxiliares do presidente retomaram o projeto, que ganhou tração depois que o próprio deputado rechaçou num evento com investidores a possibilidade de disputar um novo mandato à frente da Casa.
Pela Constituição, tanto Maia quanto Davi Alcolumbre (DEM-AP), o presidente do Senado, não podem concorrer à renovação de seus cargos, mas há uma ofensiva para que o Judiciário garanta a ambos o direito de tentar a recondução. Mesmo que o assunto esteja de fato encerrado para Maia, o deputado é considerado um ator importante na sucessão. O temor do governo é que um nome apadrinhado por ele vença na Câmara o candidato escolhido pelo presidente. Por isso, a tentativa de cooptá-lo com um cargo voltou à mesa de negociação. Oficialmente, em nome da harmonia e da independência entre os poderes, o governo não se envolve em eleições no Legislativo. Na prática, Bolsonaro considera prioridade número 1 conquistar a chefia da Câmara. Os motivos são compreensíveis. Cabe ao presidente da Casa definir a pauta de votações, o que é decisivo para o futuro das reformas que precisam ser feitas, instalar comissões parlamentares de inquérito e, (por último, mas não menos importante) decidir sobre pedidos de impeachment.
Além da oferta de uma cadeira na Esplanada dos Ministérios, governistas falam em oferecer uma embaixada a Maia. Seria uma forma de agradar-lhe, mas mantendo-o convenientemente a distância. Outro canto de sereia que chegou a ser entoado prega a possibilidade de o parlamentar ser o vice na chapa à reeleição de Bolsonaro. “Essa seria uma espetacular obra de engenharia política para o Brasil”, diz um influente congressista que goza da intimidade de Rodrigo Maia e que recentemente se juntou à corte de Jair Bolsonaro. Essa proposta, porém, é levada tão a sério quanto uma nota de 3 reais. Desde o início do seu mandato, Bolsonaro considera Maia um adversário, que usaria o seu cargo para desestabilizar o governo e pavimentar a candidatura presidencial do governador de São Paulo, João Doria, numa chapa formada pelos antigos parceiros PSDB e DEM. Quando o presidente participou de um ato que pregava o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), Maia e o ministro do STF Gilmar Mendes se reuniram na residência oficial do presidente da Câmara. A aliados, naquele modo delirante que às vezes assume, Bolsonaro disse ter certeza de que o encontro serviu para discutir a sua derrubada.
Apesar do recente armistício com o governo e de ter saído da alça de mira do bolsonarismo nas redes sociais, Maia ainda trabalha para que um candidato seu vença a disputa na Câmara. O deputado costuma andar acompanhado do líder do MDB na Casa, Baleia Rossi, postulante ao cargo. Também mantém boa relação com Aguinaldo Ribeiro, que sonha com uma candidatura dita independente pelo PP. A colegas, Maia já admitiu que ficaria por mais um mandato se houvesse unanimidade em torno de sua reeleição — e essa unanimidade resultasse na aprovação de uma mudança na Constituição que permitisse a sua candidatura. A chance de isso ocorrer é praticamente nula. Mesmo se ocorresse, ele jura, em público, que pensaria duas vezes antes de abraçar a oportunidade, porque uma nova reeleição poderia arranhar a sua imagem. “O Fernando Henrique Cardoso ficou com uma marca. Como a gente fala muito em democracia e em alternância de poder, não é uma construção simples”, costuma alegar.
Líder do notório Centrão, que agora faz as vezes de base governista no Congresso, o deputado Arthur Lira (PP-AL) circula como o principal candidato de Bolsonaro. A cada semana, ele participa de reuniões com empresários e investidores para convencê-los de que, se assumir a função, se dedicará a dar andamento às reformas estruturantes e proteger as contas públicas. Lira tem prometido aos colegas usar o cargo para fortalecê-los politicamente, seja distribuindo poder a eles, seja trabalhando para que as demandas de cada parlamentar sejam atendidas pelo governo. Detalhe: Lira tem fama de bom pagador de promessas, daqueles que cumprem o que dizem. Como não custa nada tentar, ele ensaia também uma aproximação com os partidos de esquerda, que têm mais de 100 dos 513 deputados. Trata-se de uma tentativa de costura de um grande acordo entre antigos conhecidos, já que o PP foi da base de apoio de Dilma Rousseff antes de embarcar no impeachment e na aliança governista de Michel Temer. Até aqui, os esquerdistas torcem o nariz para o pupilo do presidente. O fato é que o futuro comandante da Câmara pode servir de âncora da estabilidade política ou o contrário. Bolsonaro, que é candidato à reeleição, sabe muito bem disso. Maia também.
Publicado em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710