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A rede de intrigas dentro do Palácio do Planalto

Disputa entre dois grupos por mais espaço no governo envolve ministros em fofocas, dossiês-fantasmas e até denúncias de supostos grampos contra Bolsonaro

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h38 - Publicado em 30 out 2020, 06h00

Em outubro de 2018, o general Luiz Eduardo Ramos, então comandante militar do Sudeste, acompanhava ansioso a apuração dos votos da eleição presidencial. Confirmada a vitória de Jair Bolsonaro, ele se ajoelhou, fez uma oração e chorou copiosamente ao lado da esposa. Ele e o presidente eram amigos de longa data. Oito meses depois, o general foi convidado para assumir a Secretaria de Governo, um posto cuja principal e mais sensível atribuição é cuidar da articulação política. Na época, o presidente dava de ombros para o Congresso, relativizava a importância de acordos, desautorizava negociações e alimentava um ambiente conturbado que, em certo momento, chegou a ameaçar a continuidade de seu mandato. Ex-­asses­sor parlamentar do Exército, Ramos, com seu jeito afável, aceitou a missão de construir pontes com o Parlamento. Pragmático, convidou os partidos de centro para participarem do governo. Deu a eles cargos e verbas em troca de apoio político — uma parceria, em princípio, legítima, bem-sucedida, mas que, agora, está na raiz de uma barulhenta disputa de poder entre dois grupos.

No dia 21 de outubro passado, um importante assessor do presidente da República confidenciou a um amigo que Luiz Ramos estava com os dias contados no governo. O general, segundo esse assessor, guardava arquivos de áudios de conversas reservadas entre ele e Bolsonaro. O ministro teria feito isso com o intuito de registrar que suas ações, principalmente as que envolviam indicações políticas para cargos públicos, eram todas de conhecimento do presidente. Os arquivos em seu poder provariam isso.

Visto por outro ângulo, as gravações, se existissem mesmo, também trariam à tona um monumental escândalo e, sem sombra de dúvida, fulminariam a carreira do general. O fato é que esse enredo, narrado precisamente dessa maneira, chegou ao conhecimento da chamada ala ideológica do governo, grupo radical que disputa espaços nos ministérios, se opõe a acordos políticos com determinados partidos, prega o fechamento do Supremo Tribunal Federal e considera os militares como adversários (veja o quadro na pág. 30).

Jair Bolsonaro já deu mostras de como reage a supostas conspiratas em seu governo. O antecessor de Ramos na Secretaria de Governo, general Santos Cruz, foi demitido sumariamente depois de ter sido acusado de criticar o presidente e um de seus filhos. A prova do crime era a reprodução de uma tela de telefone em que aparecia uma mensagem de Whats­App na qual ele tecia comentários desairosos sobre os dois. Santos Cruz negou, em vão, ser o autor do texto. Tempos depois, a Polícia Federal descobriu que a mensagem era uma montagem grosseira. O ex-­ministro não tem dúvida de que foi vítima de uma armação patrocinada pela ala radical do governo. A acusação contra Ramos segue o mesmo roteiro. O grupo chegou a discutir uma estratégia para levar a denúncia ao presidente. O problema é que, desta vez, não apareceu uma mísera evidência de que o grampo de fato existiu.

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Em 22 de outubro, um dia depois de circular a informação sobre as gravações, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, um dos membros da ala ideológica, não gostou de uma notícia publicada pelo jornal O Globo segundo a qual ele estaria “esticando a corda” com a ala militar supostamente depois de ter recebido uma espécie de salvo-conduto do presidente da República. O ministro viu nela uma tentativa de intrigá-lo com Bolsonaro, responsabilizou Ramos pela informação e o chamou de “Maria Fofoca” em mensagem publicada numa rede social. A indelicadeza provocou uma daquelas crises que só servem para desviar a atenção das questões que importam e provocar desgastes ao próprio governo. Salles ganhou logo o apoio nas redes sociais do filósofo Olavo de Carvalho, guru dos bolsonaristas, e de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que Salles “resolveu destruir o próprio governo”. Ramos foi aconselhado a não reagir.

No fim de semana, por ordem do presidente, combinou-se um armistício. O ministro do Meio Ambiente ligou para Luiz Ramos, pediu desculpas pela grosseria e disse que se deixou levar por muitas coisas que ouviu nos últimos dias. Depois, publicou no Twitter uma retratação da briga. O chefe da Secretaria de Governo postou uma mensagem dizendo que uma “boa conversa apazigua as diferenças”. Mais tarde, divulgou uma foto dele lado do presidente no Palácio da Alvorada, antes de um passeio de moto. Nos bastidores, porém, as intrigas continuaram. Na noite da terça-feira 27, foi a vez de um militar procurar Ramos para avisá-lo de que “havia gente do governo” fazendo circular a informação de que um assessor do general estaria preparando um dossiê com denúncias graves contra ele. Intrigado com toda essa situação, o ministro levou o caso ao presidente da República, que manteve o tom apaziguador e disse que confia no trabalho do seu amigo de longa data. O tal dossiê também não apareceu.

Os termos usados por Salles para se dirigir a Ramos deixaram a ala militar bastante irritada. Um dos mais indignados é o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que disputa com o ministro do Meio Ambiente o protagonismo da política ambiental. A Amazônia está sob o decreto da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e, portanto, aos cuidados do Ministério da Defesa, que disponibiliza uma tropa de mais de 3 000 soldados para conter a devastação. Enquanto isso, dizem os militares, Salles dedica-se a negar os problemas, a digladiar-se com as ONGs e até a comprar briga com celebridades, como aconteceu com o ator Leonardo DiCaprio. Outro personagem que demonstrou insatisfação com a postura de Salles foi o general Braga Netto, ministro-­chefe da Casa Civil, que assumiu o cargo com a missão de coordenar as ações e os principais programas do governo. A ala radical viu nisso uma perda de espaço e de poder. Em julho, a coluna Radar, de VEJA, revelou que a filha do general foi indicada para ocupar um cargo na Agência Nacional de Saúde Suplementar, com salário de 13 000 reais. A nomeação acabou cancelada. O general atribuiu o vazamento e a amplitude que a história ganhou à ação do grupo ideológico. Braga Netto também foi convidado pelo presidente para o passeio dominical de moto, o que foi visto como um sinal de prestígio da ala militar.

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Desde o início do governo, Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois, acirra esse embate entre os dois grupos. Sem cargo ou delegação oficial, o vereador do Rio de Janeiro participa de reuniões de trabalho no Planalto, dá palpites e consegue até interferir em projetos. Uma dessas reuniões ocorreu durante as discussões sobre os decretos que flexibilizavam a posse e o porte de armas no país. O Exército, responsável pela fiscalização dos armamentos, defendia a criação de uma norma para rastrear armas e munições. Carlos, que participava do encontro, se pôs veementemente contra a medida, mas os militares não cederam. A contragosto do filho, a portaria foi editada, mas valeu apenas por um mês. Bolsonaro fez críticas à proposta no Twitter (que é, vale dizer, administrado pelo próprio Zero Dois) e, depois, revogou a medida. O militar responsável pela portaria foi afastado de suas funções.

Em um encontro com o presidente, Ricardo Salles reconheceu o exagero e queixou-se de que vem sendo bombardeado por intrigas que ele tem certeza de que partem do gabinete de Luiz Ramos. Bolsonaro proibiu ambos de falar com jornalistas. Para provar que o seu contato com a mídia é positivo, diferentemente do que alega a ala radical, o general fez um levantamento de suas principais entrevistas publicadas e de como elas tiveram um impacto positivo no governo. Nova intriga. Segundo um parlamentar com acesso ao gabinete do presidente e próximo a Ricardo Salles, o general, num certo dia, recebeu, em seu telefone, uma ligação endereçada a Bolsonaro. O ministro atendeu e repassou o aparelho ao chefe. Ao desligar, o presidente, sem querer, acabou esbarrando na lista de chamadas arquivadas, encontrou lá um rol de mensagens trocadas com jornalistas e, irritado, mandou o ministro trocar o número do aparelho. Essa história seria a origem do apelido usado por Salles para se referir ao desafeto. Ramos garante que isso nunca aconteceu.

Publicado em VEJA de 4 de novembro de 2020, edição nº 2711

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