A vez do Zero Quatro: a nova aposta política de Jair Renan
Na esteira do pai e dos três irmãos, que ganharam protagonismo na política, o quarto filho de Bolsonaro vai tentar ser vereador em reduto da direita no Sul
Patriarca político da família, Jair Bolsonaro começou a vida pública como um discreto vereador do Rio de Janeiro, em 1989, em um mandato-relâmpago que serviria de trampolim para voos maiores e nacionais. Embalado por um discurso conservador e em defesa da classe militar, de onde viera, elegeu-se deputado federal pouco mais de um ano depois. Ficou no cargo por quase três décadas até chegar ao posto mais alto da República, a Presidência, em 2019. Três filhos seguiram a mesma vocação: o vereador Carlos, o deputado federal Eduardo e o senador Flávio — todos rezando pela mesma cartilha do chefe do clã, como porta-vozes da direita e membros da oposição mais radical a Lula. Agora chegou a vez de o filho Zero Quatro, Jair Renan, de 26 anos, entrar em campo, numa empreitada marcada pelo improviso, pelas gafes e pelas polêmicas que também davam o tom nas campanhas do pai.
O mais novo membro da família com pretensões políticas já tem um reduto e um projeto para chamar de seus. Em março, anunciou a filiação ao PL e a pré-candidatura a uma vaga como vereador em Balneário Camboriú, no litoral norte de Santa Catarina. É lá onde Jair Renan mora, em um apartamento alugado desde o ano passado, quando foi contratado como auxiliar parlamentar no escritório do senador Jorge Seif Jr. (PL-SC), na vizinha Itapema, com salário de 9 500 reais. Ao ter a ficha de filiação assinada pelo governador Jorginho Mello, presidente do PL no estado e um dos aliados mais próximos de Bolsonaro, Renan se disse honrado em fazer parte da legenda e saudou os “compatriotas sulistas”. O mote, inclusive, tem sido frequente nas aparições do Zero Quatro nas redes sociais: em suas publicações mais recentes, afirma ser “catarinense por opção” e dispara ataques contra o PT e a esquerda. Um ato falho, no entanto, despertou a revolta dos seguidores. “Somos um povo trabalhador, honesto. Por isso eu saí do Rio de Janeiro e vim para cá”, disparou. “Que tiro no pé em falar mal do Rio”, comentou um seguidor. “Isso é alguma indireta pro Flávio e pro Carlos?”, ironizou outro, em alusão ao principal reduto eleitoral da família.
Os atos desencontrados têm incomodado até mesmo vereadores do PL e de partidos da base. Recentemente, Renan decidiu fazer um pronunciamento no plenário da Câmara Municipal criticando o fato de o espaço estar vazio em plena tarde de um dia útil e esculhambando o trabalho dos parlamentares — que na verdade estavam na Casa participando de reuniões de comissões. Apesar do desconforto, os correligionários evitam fazer críticas públicas ao jovem herdeiro, que, bem ou mal, tem atrás de si o apoio de um senador, do governador e, é claro, de Bolsonaro. Além da claque política, o Zero Quatro também foi apadrinhado por empresários importantes de Balneário Camboriú e região, sendo o principal deles Emílio Dalçoquio, que atua no setor de transportes e foi apontado pela Polícia Rodoviária Federal como um dos financiadores de bloqueios de estradas pelo país após a vitória eleitoral de Lula, no final de 2022.
Jair Renan escolheu a dedo o local onde lançaria a sua carreira e que pode lhe dar o impulso para voos maiores, como a disputa a uma vaga na Câmara dos Deputados, em 2026. A cidade de quase 140 000 habitantes, conhecida como a “Dubai brasileira” pelos altos índices socioeconômicos, arranha-céus e empreendimentos de luxo, é um reduto bolsonarista. Por lá, o ex-presidente teve 74,6% dos votos no segundo turno das últimas eleições — percentual maior até mesmo que o estado, cuja população deu 70% dos votos a Bolsonaro. Em julho, Balneário Camboriú sediará a CPAC Brasil, principal conferência da direita no país, promovida pelo Instituto Conservador-Liberal, comandado por Eduardo Bolsonaro. Na cidade, o responsável pelo evento é Guilherme Colombo, casado com a deputada Júlia Zanatta (PL-SC), que integra o núcleo duro bolsonarista em Santa Catarina e no Congresso. O estado tem sido frequente no roteiro de viagens de Bolsonaro. Na Páscoa, o ex-presidente esteve na cidade, onde reuniu milhares de apoiadores. O ato foi marcado por um constrangimento: irritado com o séquito de pré-candidatos no palanque, mandou todos descerem, inclusive Renan. “Quem é candidato a qualquer coisa aí, desce. Não é comício político”, gritou. O ex-presidente já anunciou que deve voltar à cidade no fim deste mês.
Enquanto até vereadores de esquerda concordam que, mesmo com toda a inexperiência, o Zero Quatro será um forte “canhão de votos”, paira na direita uma dúvida sobre o benefício de ter um forasteiro desse quilate na disputa. “O PL tem eleito muita gente em nível nacional, mas não sabemos se isso vai acontecer com a eleição municipal”, afirma o vereador Marcos Kurtz (Podemos), aliado do prefeito Fabrício Oliveira (PL). “Ele vai ser o vereador mais votado da história, mas há um constrangimento interno porque, por mais que faça muitos votos, vai tirar a cadeira de alguém”, diz outro vereador, reservadamente.
Apesar de ainda não ter estreado na carreira política, Renan já segue a mesma pegada dos outros membros do clã em um outro aspecto: a relação conturbada com a polícia e com a Justiça. Em março, o Zero Quatro tornou-se réu por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica após a Polícia Civil do Distrito Federal apontar em investigação que ele usou informações falsas de sua empresa de eventos para conseguir empréstimos junto a bancos. O inquérito mostra que Maciel Alves, sócio e instrutor de tiro de Renan, inventou um laranja para abrir uma conta bancária, além de a empresa ter informado uma receita fictícia de 4,6 milhões de reais — com a qual os empréstimos eram aprovados. A defesa afirmou que Renan foi vítima de um golpe e que esclareceria os fatos “no curso do processo”. Na última semana, o banco pediu a apreensão de bens de Renan após os credores não conseguirem entregar a intimação para a dívida de 360 000 reais. Com a repercussão negativa, o ex-presidente decidiu que vai quitar o débito do filho, afirmam aliados. Até a última quinta-feira, 11, o pagamento ainda não havia sido feito. Em 2021, ainda no governo Bolsonaro, Renan e seu preparador físico, Allan Lucena, foram alvos de investigação da Polícia Federal por suspeitas de tráfico de influência e lavagem de dinheiro após a dupla ter recebido um carro elétrico de representantes de uma empresa e, pouco tempo depois, a marca ter conseguido encontro com o então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. A investigação concluiu que não houve crime.
Seguindo o exemplo dos membros mais velhos da família, Jair Renan se diz vítima de perseguição política por ser um Bolsonaro e segue em frente. Enquanto não se torna político com mandato, ele se descreve como “influenciador digital” e empresário. Em 2019, começou a cursar análise de desenvolvimento de sistemas em uma faculdade particular de Brasília — onde morava com a mãe, Ana Cristina Valle, ex-esposa de Bolsonaro —, mas não chegou a se formar. Também ingressou em direito, mas novamente deixou o curso. Com a fama de filho-problema de Bolsonaro, Renan tem histórico de festas, mulheres, paixão por armas e declarações polêmicas na internet. Na pandemia, a exemplo de Jair pai, chamou a doença de “gripezinha”, incentivou o chamado “tratamento precoce” da doença e se posicionou contra a vacina. No que depender de Jair filho, tudo isso são águas passadas. Ele quer agora mostrar ao eleitorado do balneário catarinense que filho de peixe peixinho é.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888