A aliança de Jair Bolsonaro com o chamado Centrão avança em etapas. Primeiro, o presidente abandonou sua promessa de campanha de não negociar com os partidos desse grupo, que eram considerados por ele a essência do fisiologismo. Depois, ele distribuiu cargos às legendas e apoiou a eleição de um expoente do bloco, o deputado Arthur Lira (PP-AL), para a presidência da Câmara. O ato mais recente foi ainda mais ousado. Bolsonaro levou o Centrão para dentro do Palácio do Planalto ao nomear Flávia Arruda (PL-DF) para o cargo de ministra da Secretaria de Governo, pasta que cuida da articulação política e da relação com o Congresso. Deputada de primeiro mandato, Flávia tomou posse na terça-feira 6, numa solenidade reservada, diante do olhar atento dos principais responsáveis por sua indicação, entre eles o ex-deputado e mandachuva do PL Valdemar Costa Neto, que, apesar de ter passado uma temporada na cadeia após ser condenado no processo do mensalão, se tornou o mais novo aliado de Bolsonaro.
Ao escalar Flávia para a sua equipe, o presidente desatou vários nós. Com 42 deputados, o PL reclamava de não ter uma pasta na Esplanada dos Ministérios. Essa questão foi superada. A escolha da deputada também ajudou a baixar a fervura de outro ponto considerado crucial. Havia tempos que o Centrão queria que um dos seus quadros assumisse a Secretaria de Governo e a coordenação de uma de suas principais atribuições: a distribuição de cargos e emendas parlamentares. Com a passagem de bastão para o Centrão, Bolsonaro deu mais um passo em sua tentativa de amarrar o grupo a seu projeto de reeleição. A aliança está bem encaminhada, mas há obstáculos pelo caminho. Uma das primeiras missões de Flávia agora é tentar costurar um acordo entre seus colegas parlamentares, sobretudo os colegas de Centrão, e o Ministério da Economia, que duelam sobre o montante de emendas parlamentares que deve ser preservado no Orçamento da União deste ano.
Apesar de novata na Câmara, Flávia conhece bem as delícias e as agruras da vida política. Ela é casada com o ex-senador e ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Graças a esse relacionamento, o PL injetou 2,4 milhões de reais na campanha de Flávia em 2018, quase o dobro do valor destinado ao líder do partido na Câmara, Wellington Roberto (PB). Mas, graças a esse relacionamento, a ministra também tem de lidar com um passado incômodo. Em outubro de 2009, Arruda, uma estrela em ascensão na política, era cotado para disputar as eleições do ano seguinte como candidato à Vice-Presidência da República. Uma investigação do Ministério Público, porém, fulminou a carreira política do governador, que foi preso e teve o mandato cassado. Durval Barbosa, um ex-assessor, contou às autoridades que Arruda e uma ONG comandada por Flávia, a primeira-dama, se beneficiavam de um esquema de corrupção. Contra o ex-governador, o delator entregou um vídeo em que Arruda aparece recebendo um maço de notas. Contra a primeira-dama, não apresentou nenhuma prova, mas a investigação prosseguiu.
O esquema recolhia propina de empresas prestadoras de serviços e a repassava ao próprio governador. Em depoimento ao Ministério Público, Barbosa disse que, por determinação de Arruda, pagava as despesas do Instituto Fraterna, a ONG da primeira-dama que funcionava no mesmo endereço de um escritório político do marido, o que gerou a suspeita de que a entidade também era usada para lavar o dinheiro. A Polícia Federal chegou a fazer buscas na sede do instituto. Em um relatório, os agentes registraram ter encontrado apenas móveis vazios e gavetas reviradas, além de um sistema de videocâmeras sem a central de gravação. A quebra de sigilo bancário da ONG, que funcionou por apenas oito meses, mostrou a entrada de quase 1 milhão de reais nas contas da ONG, sendo 228 000 reais em depósitos em dinheiro.
Flávia não foi formalmente investigada por “falta de indícios suficientes” para processá-la, segundo promotores do DF. Na verdade, nem ela nem o marido foram indiciados ou ouvidos para esclarecer os fatos envolvendo o Instituto Fraterna. “Ao final de toda a investigação se percebeu que alguns fatos apontados pelo delator não tinham prova nenhuma”, disse a VEJA o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defende a família do ex-governador. Em nota, a ministra afirmou que “as investigações do Ministério Público do Distrito Federal não apontaram qualquer irregularidade, motivo pelo qual o caso foi arquivado”. O ex-governador foi condenado a onze anos de prisão por corrupção e falsidade ideológica em dois processos, mas recorre em liberdade. Sua carreira sofreu um sério abalo. Mas a da sua mulher, definitivamente, está em franca ascensão.
Publicado em VEJA de 14 de abril de 2021, edição nº 2733