Alcolumbre tenta reeleição em disputa com artilharia pesada dos rivais
Campanha marcada é por uma tumultuada investigação de compra de votos pelo grupo adversário
Num ambiente tão disputado e de ar rarefeito como Brasília, pode-se dizer que o senador Davi Alcolumbre construiu uma carreira absolutamente meteórica. Ele chegou ao Senado em 2015 e, ainda em seu primeiro mandato, tornou-se, aos 41 anos, o mais jovem presidente da Casa desde a redemocratização. Dali para a frente, virou um importante interlocutor do presidente Jair Bolsonaro, atingindo a condição de um dos homens mais poderosos da República. De lá para cá, no entanto, vive um inferno astral. O parlamentar não conseguiu viabilizar sua candidatura à reeleição como presidente da Casa, voltou à posição de senador comum (embora permaneça à frente da importante Comissão de Constituição e Justiça), viu-se envolvido em um escandaloso caso de rachadinha em seu gabinete (revelado por VEJA) e perdeu uma disputa na qual empenhou seu capital político, em 2020, ao tentar eleger o irmão Josiel prefeito de Macapá. Agora, vê ameaçada até a chance de manter a vaga no Senado pelo seu estado em uma eleição marcada pela artilharia pesada dos rivais em meio a uma confusa investigação policial.
Pesquisas mostram que a dianteira do senador para a sua principal adversária, Rayssa Furlan (MDB), é cada vez menor na reta final da campanha. A rival é esposa do prefeito de Macapá, Antônio Furlan (sem partido), que bateu o irmão de Alcolumbre em 2020 com uma campanha marcada pela suspeita de compra de votos. A octanagem da atual disputa cresceu muito quando a Polícia Federal fez em agosto uma operação de busca e apreensão, a mando da Justiça Eleitoral, em endereços do casal e do irmão do prefeito, com o objetivo de apurar justamente as denúncias de dois anos atrás.
O caso mostra como a política nacional ainda opera. Personagem central da investigação em curso, Gleisson Fonseca da Silva atuava como cabo eleitoral de Antônio Furlan na campanha municipal de 2020, quando virou “suspeito” de compra de votos e transporte irregular de eleitores. Na ocasião, ele carregava 1 200 reais em notas de 20 e 50 reais e panfletos do seu candidato em seu carro. A PF descobriu que Gleisson trabalhava também para o irmão do hoje prefeito, o promotor de Justiça João Furlan. O inquérito apurou ainda que era o promotor quem ordenava a distribuição de dinheiro e de santinhos. Apesar das sérias evidências, a questão parecia fadada a não ter mais nenhum desdobramento. Gleisson até voltou a atuar na política, fazendo agora campanha para Rayssa Furlan.
Por esses motivos, a operação recente de busca e apreensão nos endereços da família Furlan, em meio à atual campanha, pegou muita gente de surpresa. E, inevitavelmente, gerou gritaria dos atingidos, que acusam o rival Davi Alcolumbre de atuar nos bastidores para ajudar a requentar uma antiga denúncia a fim de obter benefícios eleitorais. Para uma das pessoas envolvidas na apuração do escândalo, no entanto, o último desdobramento policial foi fruto normal da evolução de um longo e complexo trabalho de investigação. “O fato de a busca e apreensão ter ocorrido agora foi uma mera coincidência”, garantiu a VEJA essa mesma fonte.
Os Furlan, é claro, não acreditam nesse tipo de coincidência. Uma das “evidências” citadas por eles é que a ação de agosto foi autorizada por Orlando Souto Vasconcelos, juiz do Tribunal Regional Eleitoral e sócio de um advogado de Josiel Alcolumbre. A troca de acusações escalou a ponto de o grupo de Furlan pôr em dúvida a lisura da Justiça Eleitoral no processo. O prefeito afirmou que foi chantageado pelo juiz Vasconcelos, que teria pedido propina por meio de um emissário, para que não autorizasse a ação de busca e apreensão. A defesa dos irmãos Furlan oficializou a queixa ao protocolar no TRE-AP um pedido de suspeição do juiz. Também recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a destruição de provas que consideram ilícitas e a suspensão de toda a investigação. A ofensiva despertou a ira dos magistrados do TRE-AP, que se manifestaram contra o que classificaram de “carga inaceitável de fake news e ataques infundados à instituição da Justiça Eleitoral e seus integrantes”.
Como seria de esperar, os novos lances sobre a antiga investigação viraram um dos temas centrais da atual disputa eleitoral. Nas redes sociais, o prefeito tem dito que os irmãos Alcolumbre agem para “macular” a imagem de sua família e que tem sido perseguido por Davi desde que Rayssa começou a subir nas pesquisas. Alcolumbre responde: “Se ele está sendo investigado, precisa ter serenidade e, como todo cidadão, dar suas explicações. No entanto, não dá para se defender acusando injustamente os outros — porque também vai ter de provar na Justiça os ataques inverídicos que faz”. Independentemente de qual lado tenha razão, a repercussão do escândalo na disputa local pode definir o futuro de alguém que já foi uma das figuras mais poderosas de Brasília. Se vencer, beneficiado pelo descrédito dos adversários num caso de compra de votos, Alcolumbre tem a chance de reconstruir o seu caminho. Se perder, sua carreira política pode ficar irremediavelmente prejudicada.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807