Aliado incômodo, André Janones vira problema para a esquerda
A queda foi tão rápida quanto a ascensão, sendo que o mais recente capítulo da derrocada do parlamentar veio por conta da Polícia Federal
A barulhenta greve dos caminhoneiros de 2018 teve como um de seus protagonistas um jovem advogado de Minas Gerais, ex-cobrador de ônibus, que viralizou nas redes sociais ao fazer vídeos da paralisação, defendendo o movimento e atacando o então presidente Michel Temer. A atuação transformou André Janones em um fenômeno das redes sociais — tem 11 milhões de seguidores — e o levou à Câmara dos Deputados, com 178 660 votos, número expressivo para uma estreia em cargo eletivo. Filiado ao PT por dez anos, migrou para o Avante e, embora tivesse sido eleito com o discurso de não ser nem de esquerda nem de direita, alinhou-se com a oposição a Jair Bolsonaro. Em 2022, lançou-se pré-candidato à Presidência da República e chegou a pontuar nas pesquisas acima de políticos como João Doria e Eduardo Leite. Desistiu, abraçou Lula e se engajou como um dos maiores guerrilheiros digitais da campanha, travando a guerra suja com o bolsonarismo na internet. Sua importância foi tamanha que chegou a ser cogitado para ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom).
A queda foi tão rápida quanto a ascensão, sendo que o mais recente capítulo da derrocada do parlamentar veio por conta da Polícia Federal, que o apontou como cérebro de um esquema de rachadinha no seu gabinete. As evidências contra Janones levantadas pela PF são muitas. O deputado foi indiciado pelos crimes de associação criminosa, peculato e corrupção passiva. Dois ex-assessores, Alisson Alves Camargos e Mário Celestino da Silva Júnior, também tiveram responsabilidades apontadas.
Segundo a investigação, a rachadinha de Janones era organizada em duas frentes operacionais. Em uma delas, Silva Júnior teria emitido um cartão de crédito adicional em nome do chefe e pagava as faturas com parte de seu salário. “O único objetivo era repassar parte de sua remuneração para o parlamentar”, diz trecho do relatório (veja o documento). A outra frente, utilizada por Camargos, era mais tradicional: ele teria feito sucessivos saques de 1 500 reais em espécie, logo que seu salário caía na conta, o que a PF chamou de “padrão comportamental” típico das rachadinhas.
AS CONCLUSÕES DA POLÍCIA
Leia trechos do indiciamento do deputado federal
Do começo do primeiro mandato de Janones na Câmara até meados de 2023, Silva Júnior pagou 1 169 592 reais em faturas de cartão de crédito, enquanto declarou 940 190 reais de renda. Segundo a polícia, os gastos coincidem com agendas de Janones e lugares em que o parlamentar esteve. Além disso, parte dessas despesas teria sido reembolsada pela Câmara. Semanas antes de Camargos começar os saques e meses antes de Silva Júnior emitir o cartão em nome de Janones, houve uma reunião na qual o deputado pediu aos assessores que devolvessem parte dos salários para custear despesas das eleições. A gravação, revelada em outubro de 2023, mostra que haveria, de um lado, a “coação” praticada pelo chefe e, de outro, os servidores entregando a ele parte de seus salários. Quando o caso veio à tona, Janones admitiu a autoria do áudio, abriu mão de seus sigilos e bateu no peito para afirmar a sua inocência.
A bravata murchou com o tempo. “André Janones é o eixo central em torno do qual toda a engrenagem criminosa gira”, diz o delegado Roberto Santos Costa no relatório da PF. Por isso, hoje impera um constrangido silêncio, tanto da parte dele quanto de seus aliados na Câmara e no governo. Quem se arriscou a defendê-lo, ficou com a imagem manchada. Em junho, o Conselho de Ética desistiu de cassá-lo, acolhendo um parecer do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), o que gera ao aliado sucessivas cobranças de seus adversários na campanha pela prefeitura de São Paulo.
Para o PT, em particular, o parceiro da última eleição transformou-se em um aliado incômodo. A oposição cobra, com insistência, declarações e atitudes tão veementes quando as da época em que o partido atacou as suspeitas de rachadinha do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Sem muitos argumentos para defender Janones, parlamentares fogem hoje da imprensa quando se toca no nome do enrolado deputado. Procurado pela reportagem de VEJA para falar sobre o relatório da PF, Janones não retornou os pedidos de entrevista. O caso da rachadinha irá para a Procuradoria-Geral da República, que vai decidir se oferece denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Apesar de a Corte nunca ter condenado ninguém por esse motivo e não existir jurisprudência sobre sua tipificação penal, vai ser difícil ignorar a fartura de provas colhidas pela Polícia Federal no curso dessa investigação.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911