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Os complicados desafios que Tebet vai enfrentar no comando da terceira via

Após a desistência de Doria, a senadora deve encabeçar a chapa que tentará romper a polarização entre Lula e Bolsonaro

Por Reynaldo Turollo Jr., Diogo Magri, Tulio Kruse Atualizado em 4 jun 2024, 11h53 - Publicado em 27 Maio 2022, 06h00

Tem sido bastante tortuoso o caminho do centro político na tentativa de romper a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL). A trajetória começou congestionada, o que já indicava uma dificuldade de unificação. Aos poucos, seja pela falta de consenso, seja pelos impasses que foram se apresentando, vários nomes abandonaram a pretensão, como o apresentador Luciano Huck e os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro. O último a deixar o barco foi o ex-governador paulista João Doria (PSDB). Agora, as atenções desse grupo naquela que pode ser a derradeira tentativa de vencer os obstáculos para viabilizar a terceira via recaem sobre uma candidata que tem 2% das intenções de voto e é estreante em eleições presidenciais: a senadora Simone Tebet (MDB-MS), ungida nesta semana pela cúpula de seu partido e pelo Cidadania para ser o nome da coligação na disputa ao Palácio do Planalto.

Embora esteja cercada ainda por enorme ceticismo dado o grau de desconhecimento de seu nome entre a população e não conte com apoio de influentes caciques do MDB, ela se esforça para dar demonstrações de confiança. Em seu primeiro pronunciamento como pré-candidata, na quarta 25, disse não ter dúvida de que terá o seu nome ratificado também pelo PSDB, que deve ficar com a vaga de vice. “Estou preparada. Vamos para o segundo turno e o centro democrático vai ganhar as eleições”, declarou. Na ocasião, procurou também minimizar a sua posição nas pesquisas: “Eu era risco, virei 1% e agora sou 2%”.

arte tebet

Arroubos otimistas à parte, a pouco menos de cinco meses do pleito, a candidatura só vai decolar caso consiga uma ascensão fulminante daqui para a frente. Apesar das dúvidas a respeito da viabilidade da empreitada, a alternativa Tebet começou a ganhar força definitiva nos últimos dias, em meio à pressão de grande parte do tucanato para formar uma frente presidencial única com MDB e Cidadania. Doria era visto como um grande entrave para o acordo devido à sua insistência em encabeçar a chapa. O ex-governador paulista sempre pontuou melhor nas pesquisas, marcando em algumas sondagens mais que o dobro das intenções de voto em relação a Tebet, mas ainda muito abaixo do esperado, além de carregar uma das maiores rejeições entre os presidenciáveis. Doria fracassou também na tentativa de unificar o partido após o racha ocorrido com sua vitória nas tumultuadas prévias do PSDB.

No dia em que fez o anúncio de sua retirada, Doria tinha um encontro com caciques do PSDB, dos quais ouviria argumentos contrários a sua candidatura (e a favor da opção Tebet), baseados em grande parte na alta rejeição. No caso de Tebet, a tese é a de que, por ser muito mais desconhecida, não carrega na saída a mesma carga de antipatia junto ao eleitorado, o que indicaria um potencial para ir além de Doria. Ao chegar para a reunião em São Paulo, a comitiva do PSDB recebeu a informação de que a desistência de Doria já estava decidida. Ele começou a pensar seriamente na renúncia na semana passada e no domingo 22 tomou a decisão após um encontro decisivo com Rodrigo Garcia, vice de Doria em 2018 e hoje governador.

FORA DO PÁREO - João Doria (PSDB): o ex-governador de São Paulo foi pressionado pelo partido para abandonar a disputa -
FORA DO PÁREO - João Doria (PSDB): o ex-governador de São Paulo foi pressionado pelo partido para abandonar a disputa – (Suamy Beydoun/AGIF/AFP)

Garcia já vinha deixando claro que a prioridade dele no momento é cuidar de sua própria campanha de reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, empreitada que enfrenta dificuldades devido à tentativa de nacionalização das campanhas estaduais, de forma a repetir com apadrinhados em nível regional o confronto entre Lula e Bolsonaro. Apesar de ter migrado para o PSDB a convite de Doria para virar o candidato dele à sucessão em São Paulo, Garcia tenta mostrar na campanha estadual que não é uma “cria” do ex-governador e chegou a criticar publicamente a hipótese aventada por Doria de procurar a Justiça para tentar se manter como presidenciável do PSDB. A despeito da enorme pressão para a renúncia, a intenção do ex-governador em resistir deixou dúvidas até os últimos minutos sobre o desfecho da confusão. “Ninguém acreditava que ele abriria mão da candidatura”, afirma o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF).

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A saída de Doria, contudo, não encerra a discussão no partido, que adiou para a quinta 2 a reunião para discutir o apoio a Tebet. Parte do tucanato, liderada pelo deputado Aécio Neves (MG) e que boicotou o tempo inteiro a intenção do ex-governador paulista, fala ainda em lançar uma candidatura própria, sendo que os nomes mais citados são os do senador Tasso Jereissati (CE) e do ex-governador gaúcho Eduardo Leite — que perdeu as prévias para Doria, mas ainda sonha em voltar ao páreo. Na Executiva Nacional, no entanto, a maioria quer embarcar na canoa de Tebet e indicar o vice da chapa. A ala resistente defende a ideia de que, para isso, seriam necessários um desempenho melhor nas pesquisas e acordos para solucionar os palanques nos estados em que as duas siglas têm pré-candidatos.

COTADOS - Eduardo Leite (RS) e Tasso Jereissati (CE): nomes cogitados para a vaga de vice -
COTADOS - Eduardo Leite (RS) e Tasso Jereissati (CE): nomes cogitados para a vaga de vice – (@EduardoLeite_/Twitter)

Outro problema é o prazo. A direção pressiona para que o assunto seja encerrado logo, mas um grupo tenta adiar a decisão até a convenção, entre julho e agosto. Para alguns que defendem candidatura própria, porém, será difícil o PSDB não apoiar Tebet. “Há consciência de que muito se evoluiu com a Simone e que, portanto, não é tão simples alterar o rumo desse entendimento”, diz o deputado Paulo Abi-Ackel (MG), um dos maiores aliados de Aécio Neves. Se isso ocorrer, será a primeira vez que o PSDB será vice de um presidenciável do MDB, partido do qual nasceu, em 1988, empunhando as bandeiras da social-­democracia e da ética na política. Na única vez que estiveram juntos, em 2002, o PSDB encabeçava a chapa, com José Serra, tendo a deputada Rita Camata (ES) como vice. Também será a primeira vez que o PSDB não terá um candidato próprio ao Planalto.

Para os mais entusiasmados com a alternativa Tebet, ela é uma candidata que tem o perfil para a difícil missão de romper a polarização. A senadora se encaixa nos quatro critérios apontados em estudos internos como capazes de atrair eleitores indecisos ou dispostos a mudar de voto. É uma cara nova, ao mesmo tempo em que tem uma trajetória política (ou seja, não é uma outsider), tem sensibilidade social (ideia que será associada ao fato de ser mulher) e viveu dificuldades que podem causar empatia. No caso, a narrativa é que ela enfrentou o machismo do mundo político e ocupou cargos importantes com pioneirismo (foi a primeira mulher a presidir a poderosa CCJ do Senado, por exemplo). “Ela se encaixa nessa moldura de valores subjetivos”, diz o publicitário da campanha Felipe Soutello, marqueteiro da senadora. Tebet também é vista como alguém que pode manter unido o MDB, que tem alas propensas a apoiar Bolsonaro ou Lula. Ela ajuda ainda o partido a cumprir a regra que obriga a destinar 30% do Fundo Eleitoral para campanhas femininas. Por fim, mesmo que tenha 5% dos votos, já será o suficiente para forçar Lula e Bolsonaro a negociar o apoio do MDB em um segundo turno.

OUTRA ERA - Serra e Rita Camata: PSDB e MDB só formaram chapa em 2002 -
OUTRA ERA - Serra e Rita Camata: PSDB e MDB só formaram chapa em 2002 – (Claudio Rossi/.)
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Nos movimentos de campanha dos últimos dias, Tebet adicionou outro trunfo: a declaração de apoio de nomes do empresariado como Candido Bracher, ex-presidente do Itaú, Wolff Klabin, presidente do conselho da Klabin, e o economista Armínio Fraga. O manifesto público foi gestado num jantar promovido por Teresa Bracher em sua casa em São Paulo em 28 de abril — quando Doria ainda estava no páreo. “Eu venho do agronegócio e da agroindústria. Como prefeita (de Três Lagoas, MS), fui quem mais levou indústrias ao meu estado”, disse Tebet a VEJA. No pronunciamento de quarta-feira, ela se comprometeu com pautas liberais na economia, dizendo que seu histórico mostra que foi a favor das reformas trabalhista e da Previdência e do teto de gastos.

Senadora há sete anos, foi na CPI da Pandemia, em 2021, que Tebet, como líder da bancada feminina, ganhou notoriedade suficiente para colocar o seu nome no páreo presidencial. “Foi de grande importância, por se aprofundar nos depoimentos e subtrair coisas positivas dos depoentes”, lembra o senador Omar Aziz (PSD-­AM), que presidiu a comissão. Foi ela quem convenceu o deputado Luis Miranda (Republicanos-DF) a revelar que Bolsonaro lhe disse que a suposta corrupção na compra da vacina Covaxin era “um rolo desse Ricardo Barros”, líder do governo na Câmara.

Filha de Ramez Tebet, ex-governador de Mato Grosso do Sul, presidente do Senado entre 2001 e 2003 e ministro de FHC, Simone Tebet entrou para a política em 2002 como deputada estadual. Em 2005, se tornou a primeira prefeita de Três Lagoas, onde nasceu, e foi reeleita com 76% dos votos. Deixou o mandato para ser vice-governadora de André Puccinelli (MDB). Em 2014, chegou ao Senado com 52% dos votos. Tentou por duas vezes a presidência da Casa, mas acabou preterida por Renan Calheiros (MDB-AL). Até hoje, respondeu apenas a um processo por improbidade administrativa enquanto prefeita, acusada de beneficiar uma empresa que doou recursos a uma de suas campanhas na licitação para revitalização de um balneário, mas o Tribunal de Justiça extinguiu o processo por prescrição. O marido de Tebet, o pecuarista e deputado estadual Eduardo Rocha (MDB), é secretário do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), que apoia Eduardo Riedel (PSDB) ao governo do estado.

COBIÇADO - Luciano Bivar: o União Brasil tem sido chamado de volta à aliança -
COBIÇADO - Luciano Bivar: o União Brasil tem sido chamado de volta à aliança – (Cristiano Mariz/Agência O Globo)

A complicada missão de Tebet é mostrar-se viável como alternativa da terceira via, sendo que nomes com muito mais peso do que ela fracassaram ao tentar trilhar esse caminho. O centro político chegou a ter doze pré-candidatos em meados do ano passado, mas muitos caíram pela falta de perspectiva eleitoral — como o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD), que mal conseguia pontuar nas pesquisas. Outros sucumbiram, em parte, por seus próprios erros, caso do ex-juiz Sergio Moro, que chegou a ter 10% de intenções de voto, mas descobriu tardiamente que o partido responsável pela candidatura, o Podemos, não tinha recursos para bancar a empreitada. Para piorar a situação, cinco meses depois, migrou para o rico União Brasil, onde os caciques lhe fecharam a porta presidencial. Doria também cometeu equívocos fatais, sendo o principal deles confiar inicialmente sua campanha ao presidente do PSDB, Bruno Araújo, que nunca se mostrou simpático à candidatura do ex-governador e atuou nas prévias a favor de Eduardo Leite.

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A fragmentação do centro é apontada como um dos motivos para que ninguém conseguisse atrair eleitores que não querem Lula nem Bolsonaro. “Não tem uma imagem homogênea de um projeto da terceira via, então não há como monopolizar esse eleitor”, afirma o cientista político Rafael Cortez. Em paralelo, tanto Lula quanto Bolsonaro, além de conseguirem cristalizar boa parte de seus votos, vêm atuando para tirar o espaço da terceira via, com gestos em direção ao centro, a exemplo da escolha do ex-tucano Geraldo Alckmin para ser o vice da chapa do petista. Nos bastidores, em outro movimento, ambos os favoritos tentam avançar em acordos com partidos de centro. A lista inclui MDB, PSD e até o próprio PSDB, no qual uma ala passou a defender o apoio a Lula já no primeiro turno.

Outro grande desafio de Tebet será dizer com clareza o que pensa sobre o país e o que pretende fazer. Sua campanha prevê divulgar na quinta 2 uma prévia do programa de governo, elaborado pelo ex-governador gaúcho Germano Rigotto. A parte econômica está sendo feita pela economista Elena Landau, que participou do governo FHC. Segundo ela, a agenda será focada em três pontos: social, ambiental e retomada do planejamento orçamentário. Na primeira, a prioridade de médio prazo é aumentar a produtividade do trabalhador investindo em educação básica e ensino médio profissionalizante — diferentemente do PT, que, para Landau, priorizou o ensino superior. No curto prazo, a ideia é retomar o Bolsa Família com as características que “deram certo”, como pagar mais a quem mais precisa e condicionantes para o recebimento. Na seara ambiental, além de revogar normas editadas por Bolsonaro, o plano é fomentar uma agenda de economia de baixo carbono. “Isso atrai muito os jovens empresários e o agronegócio consciente, que não pode ser confundido com o ilegal”, diz Landau. A economista afirma ainda que é preciso endurecer as regras fiscais desmontadas por Bolsonaro, priorizar as reformas tributária e administrativa (diferente da que está em discussão) e criar um plano de privatizações. Landau não cita quais estatais podem ser vendidas, mas Tebet deixou claro que é contra a venda da Petrobras e já votou contra a privatização da Eletrobras. “Nós temos mais de quarenta empresas a ser analisadas e mais de 100 subsidiárias. As deficitárias, que não são de segurança nacional, temos de privatizar”, afirma a pré-candidata. Contrariando o ceticismo geral e as previsões pessimistas, Tebet tem mostrado habilidade e persistência para avançar. Diplomática, já estendeu as mãos a Doria e aposta nas inserções de TV a que o MDB tem direito, na segunda quinzena de junho, para se tornar conhecida nacionalmente e, assim, pavimentar o acidentado caminho do centro. Não será fácil.

Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791

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