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As estratégias das defesas de Bolsonaro e aliados, em situação cada vez mais complicada

Advogados amargam sucessivas derrotas no caso do golpe e tentam até a última hora evitar as condenações, dadas como quase certas

Por Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 ago 2025, 14h43 - Publicado em 29 ago 2025, 06h00

Um dos adágios mais famosos do direito penal é a citação do jurista italiano Francesco Carnelutti sobre a vocação do advogado criminalista, que se senta ao lado do réu no último degrau da escada quando todos apontam o dedo para ele. O ditado ensina que defender alguém muitas vezes é colocar-se contra tudo e amargar sucessivas derrotas — algo que tem sido experimentado pelos defensores de Jair Bolsonaro e dos outros acusados de tramarem um golpe de Estado. Mesmo quando ainda era um inquérito, os advogados já acumulavam uma longa lista de reveses. No julgamento que começa na próxima terça, 2, no STF, obter uma vitória é tarefa quase impossível até mesmo para alguns dos profissionais da área criminal mais qualificados do país. Confirmada a tendência de condenação, as armas que restam a eles após esse veredicto são raras e, como foi até agora, têm poucas chances de êxito.

arte julgamento

Esforço não faltou à banca de defensores que tenta livrar Bolsonaro da cadeia, mas as principais teses até agora foram rejeitadas pela Primeira Turma do STF. Uma das principais tentativas na estratégia dos advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno foram os pedidos de nulidade do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A esperança era de que, em caso de anulação, ocorresse um “efeito dominó”, derrubando a investigação realizada pela Polícia Federal. Além das diversas contradições e lacunas em suas colaborações, reportagens de VEJA mostraram que Cid usou redes sociais na vigência do acordo (algo proibido), além de ter dito a terceiros que delatou após ter sido pressionado — coisa que depois negou. Nada disso abalou a convicção dos magistrados, e a delação continuou em pé. Nas alegações finais, os advogados chamam a delação propositalmente de “estória” (que significa narrativa) e falam em “ambiente de massacre” contra os acusados. “Estamos muito seguros de que a delação será mantida, inclusive com os benefícios”, afirma Vania Bitencourt, que defende Mauro Cid.

Os sucessivos protestos para ter mais prazo de análise dos documentos também foram todos, sem exceção, indeferidos. O relator, Alexandre de Moraes, manteve o tempo previsto na lei e argumentou que as defesas acessaram tudo o que a PGR acessou. A reclamação dos defensores é que, depois de uma via-crúcis para acessar as mídias (apreensões de celular e gravações, principalmente) que guiaram o inquérito da Polícia Federal, seria necessário muito mais do que poucos dias para a defesa prévia. As alegações finais do ex-presidente afirmam que a defesa recebeu mais de 70 terabytes de arquivos, que foram chegando aos poucos, inclusive enquanto o prazo da defesa ainda corria. Outra batalha que foi perdida envolveu os incontáveis pedidos de liberdade do general Walter Braga Netto, que está no cárcere desde dezembro. Ele foi o único réu a aguardar o julgamento preso — agora, Bolsonaro se uniu a ele, mas em regime domiciliar.

DIVERGENTE - Fux: voto diferente dos pares pode não ser suficiente para o caso ir ao plenário
DIVERGENTE - Fux: voto diferente dos pares pode não ser suficiente para o caso ir ao plenário (Fellipe Sampaio/STF)
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O esforço agora será tentar obter alguma vitória na reta final, mesmo que pequena. Uma das esperanças é conseguir um ou mais votos divergentes entre os cinco ministros — além de Moraes, compõem o colegiado Flávio Dino, Cármen Lúcia, Luiz Fux e o presidente Cristiano Zanin. O maior candidato a divergir de seus pares é Fux, que já externou mais de uma vez dúvidas sobre a colaboração de Cid e que participou, ao lado de Moraes, do interrogatório dos réus, algo que não é comum — geralmente, só o relator faz perguntas. Na votação da imposição das medidas cautelares a Bolsonaro, ele votou minutos antes de o plenário virtual se encerrar — e divergiu.

Uma das possibilidades, caso Fux quebre a unanimidade, é usar um recurso previsto no regimento interno do tribunal, que permite que a ação julgada pela Turma vá para o plenário se a decisão não for unânime. Porém, depois do julgamento de Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo, condenado no mesmo colegiado por 4 votos a 1 pelo crime de lavagem de dinheiro, em 2017, a jurisprudência do STF colocou mais requisitos em cima dessa regra. “O Supremo só tem admitido embargos infringentes quando na Turma, com cinco ministros, dois absolvem e três condenam. Se for só um voto pela absolvição ou se a discordância for sobre o tamanho da pena, o recurso não cabe”, explica o criminalista e professor da PUCRS Aury Lopes Júnior. Com uma hora cada para a contestação final, as defesas acreditam até o fim. “A sustentação é para tentar provocar os ministros em algum ponto, tentar mudar o voto de alguém ou pelo menos criar uma dúvida”, afirma Matheus Milanez, advogado do general Augusto Heleno.

SOLITÁRIO - José Luis Oliveira Lima defende Braga Netto: único réu preso
SOLITÁRIO - José Luis Oliveira Lima defende Braga Netto: único réu preso (Gustavo Moreno/STF)
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Levar o caso ao plenário seria, no horizonte que se desenha, uma grande vitória da defesa. A jurisdição da Turma para analisar o caso já foi um dos motivos de embate dos advogados, que tentaram levar o julgamento ao crivo dos onze membros da Corte, apostando na possibilidade de arrancar votos favoráveis de ministros como André Mendonça e Nunes Marques, indicados por Bolsonaro e que divergiram dos outros colegas em processos relativos ao 8 de Janeiro. A possibilidade de as ações penais originárias do Supremo serem julgadas na Turma e não no plenário foi incluída no regimento interno da Corte em 2014, depois do mensalão. A ideia foi garantir uma espécie de “instância revisora” da Turma, criando justamente alguma possibilidade de reanálise pelo plenário. A própria competência do Supremo para cuidar desse processo despertou controvérsias. Até a Lava-Jato, era diferente: Lula, por exemplo, também ex-presidente como Bolsonaro, respondeu a uma ação penal que começou a ser julgada na primeira instância, em Curitiba. “Em meus 31 anos no Supremo, quando o detentor da prerrogativa de foro deixava o cargo, remetíamos o processo à primeira instância. Vivenciamos tempos estranhos”, diz o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, crítico do novo entendimento.

O próprio crime de golpe de Estado, criado em 2021, desperta dúvidas sobre sua aplicação. “Ainda não há acúmulo doutrinário e nem jurisprudencial”, explica o criminalista e professor da USP Mauricio Stegemann Dieter. Por isso, ainda há poucos parâmetros para balizar o que pode ou não acontecer nesse julgamento — incerteza na qual as defesas se amparam para tentar obter uma absolvição, mesmo que parcial. Como cada um dos oito acusados responde a cinco crimes, a aposta de juristas é que os ministros divirjam pelo menos um pouco, podendo absolver um ou outro réu de alguma dessas imputações. “Uma decisão unânime passaria a impressão de um julgamento combinado. Ter divergências pontuais sinaliza ponderação do tribunal”, afirma Dieter.

POUCO TEMPO - PF na casa de Bolsonaro, em Brasília: defesa alega prazo curto para analisar volume de provas coletadas
POUCO TEMPO - PF na casa de Bolsonaro, em Brasília: defesa alega prazo curto para analisar volume de provas coletadas (Cristiano Mariz/Ag. O Globo/.)
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Outro acontecimento que seria considerado uma pequena vitória é alguém pedir vista do processo. Se isso ocorrer, o ministro autor do pedido pode ficar com o processo por até noventa dias — considerando os recessos de fim e início de ano, o processo poderia ficar parado até março de 2026. A suspensão pode não só adiar eventual ida de Bolsonaro ao regime fechado, como possibilitar que fatos novos ajudem a mudar o desfecho do julgamento. Também nesse caso, o maior candidato a pedir vista é Fux, que será o terceiro a votar. Pelas regras do tribunal, o relator (Moraes) vota primeiro. Depois, pela ordem, vêm Dino, Fux, Cármen e Zanin. Mas há um porém: como a tendência é que os outros três ministros acompanhem Moraes, um pedido de vista de Fux pode ser “atropelado” pelo adiantamento do voto de Cármen ou Zanin — o que não é raro no STF. Nesse caso, seria formada a maioria pela condenação (três votos), a vista ficaria esvaziada e um eventual voto divergente de Fux estaria vencido antes mesmo de ser apresentado. As possibilidades são muitas e quem está no olho do furacão não se arrisca a traçar prognósticos. “Não acredito em jogo de cartas marcadas”, diz Eumar Novacki, que defende o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

O jogo, de qualquer forma, foi jogado até agora e seguiu todas as regras do ordenamento jurídico e do regime democrático, o que não exclui o sagrado direito de a defesa tentar fazer valer as suas ponderações até o último instante. Diante de tudo o que foi compilado pela acusação até agora, no entanto, não será fácil evitar a condenação. A batalha, mesmo que difícil, ainda não terminou.

Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959

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