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‘Bolsonaro não tem opção: se socorre no Centrão, ou cai’, diz analista

Fundador do Diap, Antônio Augusto Queiroz afirma que a parceria é circunstancial: 'Se o Bolsonaro cair em popularidade, o Centrão vai pular fora'

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 Maio 2020, 17h19 - Publicado em 4 Maio 2020, 12h47
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  • A inesperada aliança entre o presidente Jair Bolsonaro e os partidos de centro alimenta um duplo jogo de sobrevivência. A avaliação é feita por Antônio Augusto Queiroz, analista político e fundador do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), entidade que acompanha o Congresso Nacional há 35 anos. Para Toninho, como é conhecido, a aliança com os quadros da “velha política” – como o próprio Bolsonaro os chamava – é um movimento do presidente para evitar ver aprovado um processo de impeachment contra ele ou a cassação de dois de seus filhos – Eduardo, o Zero Três, é deputado federal, e Flavio, o Zero Um, é senador. Por outro lado, os partidos do Centrão, conhecidos nos noticiários do mensalão e do petrolão, garantem cargos estratégicos no governo, a execução de suas emendas parlamentares e os recursos públicos para as eleições mesmo em tempos de pandemia e de crise econômica. Todos saem ganhando.

    “Quando o presidente aceita ter o Roberto Jefferson [delator e beneficiário do mensalão] como interlocutor, é porque o negócio está feio. Ou o Bolsonaro se socorre no Centrão para reunir os 172 votos para impedir pedidos de impeachment ou de afastamento, ou ele cai. Só com os aliados dele não é suficiente”, afirma Toninho.

    Confira a íntegra da entrevista.

    Como se define o chamado Centrão? O Centrão sempre foi associado ao núcleo fisiológico do Congresso, aquele que viveu de patronagem e de favores governamentais. Podemos dizer que o grupo hoje é composto principalmente por esses partidos: Progressistas, PL, PSD, MDB, PSC, DEM, PTB, PRB, SD e uma parte do PROS.

    Como o senhor avalia a atuação desse grupo no governo Bolsonaro? Para se blindar da acusação de ser a velha política, eles tentaram se blindar perante a opinião pública dizendo: ‘Não somos fisiológicos. O que interessa é o Brasil e voto de acordo com a consciência’. Isso pôde ser percebido na votação da Reforma da Previdência, que acabou aprovada. Mas esse foi o único momento de o Centrão agir nessa perspectiva. Na maioria das vezes, ele está ali para fazer algum tipo de composição. E agora o Bolsonaro finalmente se rendeu. O problema do Centrão é o seguinte: ele vai para onde? Se não tem candidaturas viáveis no centro, e só tem na extrema direita e na esquerda, não tem alternativa a não ser ir para a direita. Por mais que os partidos sejam hostilizados por essa extrema direita, eles recebem os recursos no final e têm uma identidade programática e de afinidades. Fica mais confortável se aliar a um governo com as características do Bolsonaro do que ir para a oposição e favorecer os partidos de esquerda.

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    É um jogo de ganha-ganha, portanto. Exatamente. Estão indo para a base do governo Bolsonaro com vantagem dupla agora. O governo está com o Orçamento liberado, pode gastar o que quiser – o que é o melhor mundo para o Centrão. E está às vésperas de uma eleição. Então, eles garantem recursos para as bases eleitorais elegerem os seus prefeitos, enquanto o governo faz as concessões que eles exigirem para evitar um eventual processo de impeachment ou mesmo a cassação de um dos filhos do presidente. Lá na frente, os partidos podem dizer que só socorreram o governo porque era um momento de pandemia e eles foram ajudá-lo republicanamente. Tem álibi para isso.

    E qual argumento o governo poderá usar? Para o governo, é questão de sobrevivência. Ou ele põe o centrão do lado dele, ou ele cai. Quando o presidente aceita ter o Roberto Jefferson [delator e beneficiário do mensalão] como interlocutor, é porque o negócio está feio. Ou o Bolsonaro se socorre no Centrão para reunir os 172 votos para impedir o pedido de impeachment ou de afastamento, ou ele cai. Só com os aliados dele não é suficiente.

    O senhor vê um risco real de impeachment? O risco existe. São quatro fatores que justificam o impeachment: a crise econômica, que está presente; a crise política, também presente; o problema sanitário, que considero como um elemento novo neste processo; a crise de popularidade. Esse último é o único ponto em que o presidente está blindado. Mas, se a popularidade cair para 12%, o apoio ‘voa’ rapidinho. E eu avalio que o Rodrigo Maia topa [o pedido de impeachment]. Só não faz isso agora porque não tem um pedido de centro, de gente com credibilidade, e a popularidade do presidente está alta.

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    A aliança, portanto, vai durar enquanto o fantasma do impeachment estiver rondando? Exatamente. O Centrão quer se blindar em relação a duas coisas: a garantia de que ninguém vai mexer com as emendas impositivas, tenha pandemia ou não, e que não haja mudança nos fundos eleitoral e partidário, que é o que garante o recurso para viabilizar a eleição deles. No meio dessa pandemia, eles estão morrendo de medo de perder isso. O Bolsonaro, por outro lado, quer que não seja autorizado seu processo de impeachment nem que seus filhos sejam cassados. Esse é o objetivo dos dois. Quando o Bolsonaro se livrar dessa condição, ele próprio vai chutar o Centrão. Do mesmo modo, se o Bolsonaro cair em popularidade, o Centrão, depois de receber esses recursos, vai pular fora. Não vai ter aquela história de que namora, fica noivo, depois casa, como o presidente gosta de falar. Eu acho que com o Centrão vai ter divórcio antes de casar.

    Há quanto tempo existe o tal Centrão? Desde a redemocratização, ele não ficou fora de nenhum governo. Foi mudando de perfil, mas sempre buscando sobreviver. Durante a Constituinte, por exemplo, ele foi originalmente financiado pelo poder econômico para combater uma Constituição tida como socialista e para defender uma economia de mercado. O Centrão geralmente é um grupo de parlamentares que utilizam a força do mandato para arrancar concessões dos governantes. Eles escolhem lideranças com esse perfil, que não têm problema em se expor defendendo esse tipo de demanda, e, em troca, conseguem emenda, fundo eleitoral e liberação de projetos. Em troca disso, votam sob a orientação, indicam gente para cargos e conseguem liberar emendas para obras.

    Mas isso é errado? Não seria esse um ato de simplesmente fazer política? Olhando por essa ótica, sim. Acontece que geralmente associam esse repasse de recursos a esquemas que já têm empreiteiros definidos para fazer obras, esquemas em que o desvio é assustador. Esses parlamentares, quando levam recursos para essas regiões, exigem como contrapartida a garantia de recursos e de cabo eleitoral para sua eleição. Isso não vem de forma espontânea, tem custos. E esse é o problema.

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